Programa de Marina Silva aposta no radicalismo financeiro, por André Biancarelli

minha casa minha vida1

Artigo do Brasil Debate

Por André Biancarelli*

Divulgado na sexta-feira dia 29/08, o programa de governo da candidatura Marina Silva tem suscitado muitas polêmicas. E conforme é examinado com mais cuidado, um farto material gerador de dúvidas e preocupações se revela.

No capítulo econômico, a predominância das ideias liberais já era esperada, mas as considerações sobre as relações financeiras são nada menos do que surpreendentes. Radicalismo, neste caso, não parece um adjetivo exagerado.

Neste tópico, o programa critica duramente a atuação dos bancos públicos – que supostamente impediriam o desenvolvimento do crédito privado e do mercado de capitais – e condena os aportes do Tesouro ao BNDES, bem como seus critérios na concessão de financiamentos.

Este discurso não é novo e as propostas apresentadas ficam no campo das intenções gerais (comuns nestes documentos): fomentar e ampliar a atuação dos agentes privados, focar o crédito público a setores e empresas específicas etc.

Tais ideias dizem respeito à parte mais visível do sistema brasileiro de direcionamento do crédito. Como já discutido no Brasil Debate, nos artigos Bancos públicos: antes e depois de 2003 e O Estado brasileiro está em ascensão e asfixiando o setor privado? , a presença, a atuação e as prioridades dos bancos públicos historicamente foram fundamentais para o desenvolvimento do País.

No período recente, foi um trunfo fundamental não apenas para a reação à crise em 2008 e 2009, mas também para boa parte do dinamismo do mercado doméstico e a recuperação do investimento, que permitiram a combinação do crescimento com inclusão social.

Nos últimos anos, os bancos públicos de varejo também foram em parte utilizados como instrumentos de política financeira, na tentativa de reduzir os spreads e os juros finais aos consumidores.

Não é difícil achar razões objetivas – além das concepções teóricas – para a oposição de certos grupos econômicos à presença e atuação dos bancos públicos.

Mas há outra parte do funcionamento do crédito no Brasil que também desagrada ao pensamento liberal e aos interesses do setor financeiro privado, pelo lado da origem dos recursos.

Ele é composto basicamente por alguns fundos e pelas chamadas exigibilidades – percentuais de determinados tipos de depósitos que têm destinação obrigatória por parte dos agentes, independente de serem públicos ou privados.

No caso brasileiro, existem os fundos constitucionais regionais (do Nordeste e da Amazônia, com alocação obrigatória no desenvolvimento destas regiões) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento (que ajuda a compor o funding do BNDES, Finep e Banco do Brasil, com destinação a setores específicos).

Para além destes, há fundos de natureza para-fiscal (FGTS, FAT), que sustentam programas como o seguro-desemprego, e investimentos no setor imobiliário e de saneamento.

No campo das exigibilidades, atualmente 26% dos depósitos à vista e 65% da poupança rural dos bancos participantes devem ser alocados no crédito rural. Pelo menos 65% dos depósitos na caderneta de poupança dirigem-se ao crédito habitacional; e 2% dos depósitos à vista ao microcrédito.

Sobre este arcabouço, o programa de Marina Silva deixa a generalidade de lado, e é aqui que está o motivo para a surpresa. Localizada exatamente na página 61, a intenção parece clara: “…reformularemos o mercado de crédito de tal forma que, gradualmente, se eliminem os direcionamentos obrigatórios…”

Nunca antes os liberais brasileiros foram tão explícitos neste aspecto, nem no governo durante os anos 1990, nem em outras candidaturas de oposição desde 2002.

É importante que se saiba que estes direcionamentos são parte fundamental de uma institucionalidade antiga, cuja origem remonta aos anos 1960 e que, mesmo tendo passado por crises, garantem a existência de três segmentos especiais do crédito, não atendidos em condições adequadas pelos agentes privados atuando livremente: o financiamento de longo prazo, o crédito habitacional e o rural.

O Sistema Financeiro da Habitação (SFH), de 1964, e o Sistema de Financiamento Imobiliário (SFI), de 1997, são a base a partir da qual se concede crédito imobiliário no Brasil, que apesar de ainda muito baixo em termos internacionais, cresceu expressivamente nos últimos anos. E é fundamental para a existência do Programa Minha Casa Minha Vida.

Sem exageros, a proposição de “eliminar os direcionamentos obrigatórios”, sem maiores especificações, ameaça a existência dos dois sistemas.

Apostar que o setor privado assumiria este papel, ainda mais nas condições de prazo e custos especiais que um programa com interesse social exige, incorre nos mesmos riscos que ajudam explicar a crise das hipotecas subprime nos Estados Unidos.

Outra intenção revelada neste trecho (apesar de não explicitada no programa) parece ser a da “democratização” dos fundos constitucionais e para-fiscais, tirando a exclusividade de agentes públicos em sua gestão.

Esta é uma velha demanda. Aqui, um mínimo de bom senso basta para concluir que as prioridades – setoriais, estratégicas, sociais – na aplicação destes recursos ficariam seriamente comprometidas se submetidas aos cálculos de rentabilidade privada.

Enfim, trata-se de mais uma manifestação do que significa, do ponto de vista da economia, a candidatura Marina Silva. Além do desprezo pela exploração do pré-sal, das propostas agressivas para as relações de trabalho, da autonomia do Banco Central e de um “Conselho de Responsabilidade Fiscal (que pode significar também uma “independência” da política fiscal), a intenção – a menos que isso também seja retificado – é eliminar o crédito direcionado.

Fora certo anacronismo, a rejeição radical à participação do Estado na economia não passa no teste de consistência interna: parece conflitante com as justificadas ambições, do ponto de vista das políticas públicas, presentes em outros capítulos do programa. Estes, certamente, não foram escritos pelas mesmas pessoas.

Crédito da foto: Outras Palavras

*André Biancarelli É professor do Instituto de Economia da Unicamp, diretor-executivo do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica – Cecon-IE/Unicamp e coordenador da Rede D

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Redação

9 Comentários

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  1. Culpa do PT

    A Marina é apenas uma oportunista bem colocada. Antes disso, o PT entrgeou o ouro.

     

    Desde a eleição do Lula vs Collor o PT sabia que a mídia era o que era. O PT veio ao poder, está à 12 anos, desses o Lula conseguiu uma popularidade quase divina, e o que fez efetivamente para mudar esse quadro? A questão da mídia e da educação deveria ser a pauta de urgencia assim que veio ao poder. 

    De fato Dilma veio ao poder e não correspondeu as espectativas (Tanto que surgiu o movimento Volta Lula)

    A esquerda no mundo não se pode dar o luxo de errar, deve ser sempre perfeita, pois ao minimo fraqueijo vem milhares de lobos derrubar. Lobos antes ficavam só na espreiota, esperando a mínima tintubiada.

    na França está acontecendo algo semelhante  ao Brasil, o governo esquerdista de Hollande trás decepções atrás de decepções, escandalos de corrupção, o povo frances olha para o outro lado e encontra o Sarcozy com inumeros outros fracassos. Nesse contexto a extrema-direita Marine Le Pen ganha força, mas não porque os franceses estão ficando nazistas, antes disso é porque as outras opções fracassaram.

    Espero sinceramente que o PT e os outros partidos de esquerda tenham uma reflexão existencial, e aprendam com as quedas.

    1. “esquerda no mundo não se

      “esquerda no mundo não se pode dar o luxo de errar, deve ser sempre perfeita, pois ao minimo fraqueijo vem milhares de lobos derrubar. Lobos antes ficavam só na espreiota, esperando a mínima tintubiada”:

      OUCH!!!!!!!!!  Da pra ler o que voce escreve antes de cocomentar?  Isso sem comentar as atrocidades que seguem esse paragrafo…

      Nossinhora!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  2. Quem salva a patria?

    A burocracia brasileira pode ficar ainda pior com novas leis.

    O projeto de um novo código comercial promete modernizar o direito empresarial no Brasil, cujas bases se assentam no tempo do Império — mas a mudança na lei pode trazer mais riscos do que benefícios

    Há dois anos, a fabricante de autopeças Liankuann, de Taiwan, planejava investir 150 milhões de dólares para instalar uma unidade no Brasil. O projeto foi cancelado no fim de 2013.

    O motivo: seus executivos ficaram fartos da burocracia brasileira. “Eles acharam o ambiente de negócios muito complicado”, diz Marcio Iavelberg, sócio da consultoria Blue Numbers, contratada pela Liankuann para ajudá-la a abrir a operação no país. “Decidiram levar o investimento para outro mercado.”

    Histórias como a da Liankuann não chegam a ser uma raridade. Se há algo do qual quase ninguém discorda no Brasil é a necessidade de diminuir a burocracia. A má notícia: em vez de simplificar, o país pode ficar mais complicado.

    Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei — um na Câmara dos Deputados e outro no Senado — para criar um novo código comercial.

    As eleições levam os grupos intressados a adotar o terrorismo contra o adversário relevando os assuntos que realmente podem fazer a diferença.

    Todos sabem que o verdadeiro problema brasileiro, aquele que influencia a vida de todo mundo é estrutural, a ganancia é tanta que hoje a corrupção não trata mais dos milhões, avançou assustadoramente para a casa do bilhões, e fica cada grupo tentando vender que possui o green-card da felicidade, debochando e ironizando com os verdadeiros problemas que infernizam a vida dos cidadãos brasileiros.

    O brasileiro, o povo o cidadão não são gananciosos e nem se formaram na cultura similar a americana que se procura a prosperidade material a qualquer custo. O brasileiro é simples e cordato é fraterno por natureza, se contentaria com o essencial e se daria muito bem com o governante que não o impedisse de viver com simplicidade e solidario com os vizinhos.

    Acontece que nem isto lhes oferecem, até o essencial lhe é negado, os governos no Brasil se prezam antes de mais nada pela indiferença humanistica priorizando a ganancia propria.

    Entra governo e sai governo e a indiferença que caracterizava as antigas monarquias que tratavam o povo com cruel indiferença, persiste até os dias atuais.

    É triste mas o animal humano só aprende diante do inevitavel e o inevitavel para o ganancioso é a perda total e o ostracismo.
     

      1. Monarquia abosulutista

        Mais uma favela pega fogo em S.Paulo.

        Faltou agua nos carros de bombeiros.

        Os hidrantes no local não funcionaram.

        Os moradores do local devem estar escutando o saudoso Adoniram neste momento relegados e abondonados.

        Virem se como puderem.

        Descaso e indiferença. ´Parasitismo. É mais facil jogar a sujeira pra debaixo do tapete…

  3. O programa de Marina Silva é

    O programa de Marina Silva é um “não programa” que levará o Brasil a entrar em colapso exatamente como Espanha, Portugal, Itália, etc… Quem emprestará dinheiro ao país a juros elevados quando isto ocorrer? O Itaú? Quanto dinheiro o banco está antecipando a Marina Silva para poder saquear os contribuintes brasileiros? 

  4. caso marina seja

    caso marina seja eleita,

    duvido que a sociedade brasileira aceite esse programa economico

    notoriamente anacronico, que mandará  para o  lixo todas as conquistas sociais dos últimos doze anos.

    é um novo alerta.

    aliás, é preciso ficar clara a importancia desse blog com relação a esse alertas.

    a cara de pau desses jenios do neonliberalismo

    que derroca a econmia mundial

    é tão escrachada e visceralmente estúpida,  

    que quem aceitá-la estara aceitando

    o que há de mais retrógrado para o país.

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