O “microchip do demônio”, Dilma Rousseff e e a internet

Antes de enveredar pelo caminho das ciências humanas e sociais fiz um curso técnico. Estudei Eletrônica  no Colégio Fernão Dias, em Osasco, entre 1979 a 1981. Naquela época os computadores ainda eram máquinas imensas, caríssimas e que só eram vistas em Bancos e filmes de ficção científica.

Apenas para se ter uma vaga idéia do que era a eletrônica naquela época, estudei válvulas e suas aplicações em amplificadores, rádio e TV. Também fui introduzido nos domínios da matemática binária, dos transistores e, é claro, no universo dos circuitos integrados (tataravós dos minúsculos, potentes e rápidos processadores que existem na atualidade). Sou uma prova viva da obsolescência do conhecimento científico.

De lá para cá passamos por verdadeiras revoluções. Os computadores pessoais se tornaram uma realidade, ficaram mais rápidos e menores, passaram a ser produzido em larga escala e vendidos a preços módicos. A telefonia celular se tornou uma realidade. E em pouco tempo passamos a usar telefones que tem capacidade de processamento e de armazenamento de dados maiores do que o “Solution 16- Prologica” usado que comprei por quase mil dólares em 1991.

Os primeiros sistemas operacionais, bastante limitados, foram substituídos por modernos programas que usam interfaces gráficas. A linguagem da máquina passou a ficar escondida atrás de imagens. Acionados com o mouse, os ícones realizam aquilo que desejamos sem que tenhamos a necessidade de aprender e utilizar a linguagem específica de programação dos comandos de cada software.

A internet cresceu, chegou ao Brasil e rapidamente entrou em nossas vidas. Ficamos imediatamente maravilhados e viciados, como Bill Gates disse que ficaríamos em seu livro A Estrada do Futuro. Nos primeiros websites compartilhávamos apenas textos e fotos. Depois passamos a compartilhar praticamente tudo, de arquivos de áudio a vídeos de alta qualidade. Chegamos ao ponto em que tudo pode ser compartilhado na rede mundial de computadores e que a própria internet foi transformada num precioso recurso de controle social nas mãos daqueles que sempre sonharam com o poder de controlar todo mundo o tempo todo em todos os lugares.

Uma nova Trindade surgiu então para banir o otimismo das utopias ciberpunks https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/pierre-levy-paul-virilio-e-bill-gates-antes-e-depois-de-snowden . Refiro-me, obviamente, a Bradley Manning, Julian Assange e Edwar Snouden, sobre os quais também escrevi algo  https://jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/julian-assange-e-edward-snowden-vidas-quase-paralelas .

Volto ao assunto por causa de um vídeo que vi hoje na internet https://www.facebook.com/politicanoface2/videos/430146320487043/ . A jovem usuária de smartphones e internet – provavelmente mineira em razão do sotaque peculiar que utiliza – diz que ficou sabendo através do Facebook que Dilma Rousseff teria aprovado a implantação de um “microchip do demônio” nas pessoas. Afirma a moçoila que a presidenta é responsável pelo aumento do IPTU e das passagens de ônibus.  Por fim, a piedosa internauta estimula as pessoas a matar Dilma Rousseff, pois ela é o capeta, e aconselha as pessoas a irem para a Igreja procurar a libertação.

Resolvi comentar o vídeo porque ele é um exemplo perfeito e acabado do lado obscuro da internet. Há vários níveis de desinformação no discurso da moça.

O primeiro e mais importante é o tratamento que ela dá ao que viu no Facebook. Ela diz que ficou sabendo através do website que a presidenta aprovou a implantação do “microchip do demônio” nas pessoas. Há apenas uma referência ao mesmo na internet

黑暗Lord_Nerd黑暗

Ei povo, vai lançar os MicroChip do demonio no Brasil, vocês vão colocar ? 3 DAYS ATRÁS”

http://kogama.com.br/profile/1288076/

Em razão das características da página de Lord Nerd podemos concluir que ele é uma criança ou pré-adolescente. É difícil acreditar na seriedade das informações que ele compartilha. Lord Nerd não fez referência sobre a origem do boato que espalha, então continuei pesquisando. No próprio Facebook há referência a um “chip do demônio” https://www.facebook.com/linkiradonet/posts/695995793798808  . O link correspondente no website indicado no Facebook, porém, não abre. É evidente que tudo não passa de um boato. O boato, porém, virou fato tanto no imaginário de Lord Nerd quanto no da moça que postou o vídeo comentado. O caso do “microchip do demônio”  na internet me fez lembrar a lenda urbana da loira morta com algodão no nariz e nos ouvidos que assombrava as escolas paulistas na década de 1970.

Quando as alunas da escola onde eu estudava (Escola Estadual de Primeiro Grau do Jardim das Flores) viram ou pensaram que viram a tal loira no banheiro delas o alvoroço na escola foi imenso. As alunas saíram correndo do banheiro o medo se espalhou no pátio, os alunos correram para suas salas antes do sinal sendo tangidos por professores e serventes transtornados com o episódio imprevisto. Ninguém queria entrar no banheiro das meninas para confrontar a assombração. Junto com dois corajosos amigos invadimos o antro da besta fera morta e descobrimos que o banheiro estava vazio. Informamos o ocorrido aos demais, mas ninguém queria acreditar em nós. A direção foi obrigada a evacuar a escola, pois a molecada estava em polvorosa.

Boatos provocam pânico.  Não se sabe em que momento o nome de Dilma Rousseff foi associado ao tal “microchip ou chip do demônio”. O efeito político deste boato, entretanto, pode ser devastador. Na internet a (des)infomação se propaga rapidamente por todo território nacional e toma ares de realidade com muita facilidade.

A autora do vídeo também culpa a presidenta por causa do aumento do IPTU e das passagens de ônibus. Ela parece ignorar que apenas os municípios podem cuidar destes assuntos. A União não tem competência para fixar o valor do IPTU ou para aumentar a tarifa de ônibus. A presidência não pode invadir a esfera de atuação das Prefeituras e Câmaras de Vereadores. O processo de demonização da presidenta é evidente e irraqcional. Dilma Rousseff é a fonte de todo o mal, inclusive do tal “microchip do demônio”.

Ao final, a moça estimula as pessoas a procurarem a libertação na Igreja. Antes disto, porém, ela diz que Dilma Rousseff deve ser assassinada. A contradição é evidente e coloca em dúvida a qualidade da educação religiosa e cívica que tem sido ministrada aos adolescentes brasileiros. “Não matarás” é um dos princípios religiosos fundamentais do cristianismo. No Brasil ninguém alcançará a libertação matando, pois no Brasil o homicídio é crime grave punido com pena de reclusão de seis a vinte anos (a pena é maior se o crime for doloso). Instigar a violência mortal também é crime e, provavelmente por ignorância e ingenuidade infantil, a moça forneceu prova do delito que cometeu.

Os cultos religiosos são livres, isto é uma garantia constitucional. Não pode o Estado brasileiro impor a quem quer que seja uma crença religiosa ou obrigar um cidadão a abandonar a crença que professa. Se existisse, o tal “microchip ou chip do demônio” não poderia ser implantado nos brasileiros porque a todos a CF/88 garante a liberdade de consciência e, principalmente, a inviolabilidade do próprio corpo. As modificações e acréscimos cirúrgicos e estéticos são permitidos, desde que a pessoa os permita e o cirurgião ou tatuador não comprometam a saúde do cliente.

O que fazer em razão deste boato? Não creio que a internet deve ser censurada. Tampouco defenderei aqui a perseguição e encarceramento da autora do vídeo porque ela falou uma bobagem. Como as outras crianças, adolescentes e pré-adolescentes que entraram em contato com esta e outras lendas virtuais, a moça é uma vítima. Ela foi induzida a erro e, desesperada, reagiu com irracionalidade movida pela emoção. É preciso saber, porém, quem são os verdadeiros autores do boato do tal “microchip ou chip do demônio” e com que finalidade o mesmo foi associado ao nome da presidenta da república. Se há adultos mal intencionados nesta história eles podem e devem ser encontrados e, eventualmente, processados.  

Fábio de Oliveira Ribeiro

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