Os evangélicos e a primeira guerra de religião brasileira

 

Os sinais da intolerância religiosa dos evangélicos tem se multiplicado. Em seus programas de rádio e de televisão pastores como Malafaia atacam ferozmente cultos afro-brasileiros e o catolicismo. Além de destruir imagens de culto dentro e fora das Igrejas Católicas (e até num programa de TV), os líderes evangélicos se lançam como abutres sobre o Estado para controlar verbas dos Ministérios e ocupar os postos mais importantes no governo e no Congresso Nacional. Os evangélicos não tem um partido político, mas estão em todas as legendas. Quando vota, a “bancada do templo” não leva em consideração outra coisa senão os interesses dos bispos e pastores. 

O perigo de uma guerra religiosa se torna mais real à medida que imagens como esta se tornam comuns: https://www.facebook.com/ocatequista/photos/a.365256043494593.88955.243880102298855/899082300111962/?type=1&theater . E isto me faz refletir sobre a História do nosso país. 

A criação da Companhia de Jesus e o envio de seus missionários ao Brasil ocorreram durante as guerras religiosas européias. As mesmas se propagaram para o Brasil no exato momento em que a Companhia das Índias Ocidentais constituída na Holanda, um país protestante em guerra com a Espanha católica, conquistou parcialmente o nordeste brasileiro.

Reproduzo abaixo alguns fragmentos significativos da história da invasão protestante e subseqüente guerra de reconquista movida pelos católicos e suas tropas mistas de colonos, negros e índios.  

Em 1637 os holandeses já estavam bem estabelecidos no Brasil, então suas:

“… ordenações relativas à religião indicavam um espírito de intolerância, que principiava a manifestar-se ao passo que os conquistadores se iam tendo por mais seguros. Restritos os judeus na celebração pública de suas cerimônias, ordenou-se também aos católicos da Paraíba que dentro do recinto de suas igrejas encerrassem  as procissões. Nenhum tempo mais se havia de erguer sem permissão do senado, nenhum casamento celebrar-se sem se lançarem os pregões à moda dos holandeses; e aqueles que ao formarem um novo engenho de açúcar o quisessem mandar benzer, haviam de recorrer para isso a um padre reformado, não a um papista.” (História do Brasil, Robert Southey, volume I, Edusp, 1981, p. 400)

O acirramento do ódio religioso dos brasileiros contra os protestantes logo se fez sentir. Em 1638 após uma batalha que resultou na conquista do Forte Calvário, que estava guarnecido por setenta homens com oito peças de artilharia:

“O comandante ainda quis tentar resistência, mas o repentino do ataque lhe gelara de terror os soldados. Alguns ali mesmo foram mortos, outros fugindo para a porta das sortidas, acharam-na também em poder dos assaltantes. A maior parte foi passada à espada, e os que escaparam só deveram as vidas à intervenção de um padre que tendo marchado à frente dos seus camaradas com um crucifixo alçado, que lhes servisse de pendão da vitória, o estendia para proteger os inimigos agora que essa vitória era ganha. Mas esta clemência apenas aproveitou aos franceses que faziam parte da guarnição; o sentimento religioso exasperava os vencedores contra os holandeses, tornando-os implacáveis para com um inimigo mais odiado ainda por suas crenças heréticas do que pela sua crueldade e perfídia.” (História do Brasil, Robert Southey, volume II, Edusp, 1981, p. 21).

Em maio de 1643, quando uma esquadra holandesa chegou para reforçar as tropas da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil, o comandante Jan Cornelis:

“…proibiu dar quartel aos portugueses. Para crueldade desta natureza só a pena de talião, e Teixeira proclamou da mesma forma guerra de extermínio aos holandeses, isentando contudo os franceses a serviço deles, na esperança de os tornar suspeitos, ou porventura até de atraí-los à sua causa, especialmente porque eram católicos.” (História do Brasil, Robert Southey, volume II, Edusp, 1981, p. 27).

Em 1645 um padre convertido ao protestantismo que pregava entre os holandeses e os seus aliados na terra, caiu nas mãos de João Fernandes:

“Um padre, por nome Manuel Morais, que tendo abjurado o catolicismo sob a proteção do governo holandês, pregava agora como teólogo calvinista, estava por acaso residindo a pouca distância, e João Fernandes fez sair um destacamento expressamente para apoderar-se dele. Correu tudo bem, e Morais foi  trazido ao campo dos insurgentes. Não sentindo em si a menor vocação para o martírio, atirou-se aos pés do general, protestando que a sua apostasia não nascera de erro do entendimento, porém de corrupção do coração, e que só cedera aos apetites da carne, sem que a razão se lhe pervertesse. Segundo a moral da Igreja católica atenuava isto o delito; foi o padre recebido como pecador arrependido, e desde o chefe até o último soldados todos no exército olharam esta reconversão como um penhor seguro da vitória que em breve alcançariam sobre seus heréticos inimigos.” (História do Brasil, Robert Southey, volume II, Edusp, 1981, p. 66).

No Recife em 1646 os portugueses tentaram reconquistar três fortes nas mãos dos holandeses:

“Tentaram-se mais aventurosas empresas. Um negro por nome Paulo Dias e por alcunha S. Félix, que era sargento-mor de Henrique Dias, levou de assalto numa noite um reduto após desesperada luta; teve oito mortos e mais vinte feridos, muitos pelo fogo de seus próprios camaradas na confusão que reinava, mas dos cinqüenta holandeses que guarneciam o posto, só ficaram quatro.” (História do Brasil, Robert Southey, volume II, Edusp, 1981, p. 97).

O tratamento dispensado pelos brasileiros católicos aos índios e negros a serviço dos holandeses era ambíguo. Algumas vezes eles os preservavam, outras eles os exterminavam como se fossem heréticos. Os judeus que apoiaram os holandeses geralmente se passavam aos portugueses doando recursos para a guerra contra os ex-aliados assim que caiam nas mãos dos portugueses. Em 1645 as tropas da Bahia tomaram Serinhaém e Paulo da Cunha:

“…completou o seu triunfo, obrigando dois judeus  a professar o cristianismo.” (História do Brasil, Robert Southey, volume II, Edusp, 1981, p. 74).

Os mercenários franceses católicos a serviço da Companhia das Índias Ocidentais no Brasil eram poupados. Os holandeses derrotados ou que depunham armas eram invariavelmente mortos. Este padrão de comportamento se fez sentir durante toda a guerra movida contra a Holanda no Brasil. Portanto, a primeira guerra nacional brasileira foi também uma guerra de religião. E muito me estranha que os brasileiros ignorem este fato.

Aqueles que ficam provocando a maioria católica brasileira, que picham igrejas, roubam objetos de culto, agridem padres e destroem imagens dentro e fora das Igrejas não estão apenas violando a CF/88 que garante a liberdade religiosa a todos. Eles estão despertando uma fúria religiosa que logo se fará sentir. E quando templos evangélicos começarem a ser objeto de represália católica só direi uma coisa a Malafaia e aos seus nóias: Bem feito!

 

Fábio de Oliveira Ribeiro

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