Que não se manipule com o medo da homofobia

É interessante ver como comentaristas andam se dedicando agora a apontar os riscos da homofobia na Ucrânia.

Em particular com a rememoração do caso Svyatoslav Sheremet, de maio/2012.

Por que será que isso acontece agora? Para levar a uma associação com o novo governo pró-Ocidente da Ucrânia?

Beleza.

Ocorre que esse episódio não é novidade. Assim que vi pensei que eu já tinha indicado isso, mas não tinha virado post. Depois lembrei que tinha sido sugestão de pauta do IV Avatar contida em outro post:

Os números da homofobia em São Paulo

Nenhum comentarista pareceu chocado ou preocupado então.

Nem chamou-me muita atenção na época. Dada a variedade imensa de casos de homofobia pelo Mundo eu só costumo apresentar aqueles em que há política envolvida.

Agora sabemos que, como depunha contra a inação do governo Yanukovich, não pegaria bem pros “pró-Rússia” comentarem, né?

O mesmo aconteceu para a manifestação LGBT de janeiro, pró-União Europeia, para a qual sugeri duas vezes este link:

http://g1.globo.com/mundo/noticia/2014/01/ativistas-gays-fazem-ato-na-ucrania-para-apoiar-entrada-do-pais-na-ue.html

Também já comentei que o governo Yanukovich se manifestou homofóbico como ‘desculpa’ para a não integração à Europa:

http://maidantranslations.com/2013/12/14/pm-azarov-intimidates-pro-president-antimaidan-by-gays/

Já sugeri a leitura de artigo que fala que houve LGBTs que apoiaram as manifs em Maidan:

http://www.nybooks.com/articles/archives/2014/mar/20/fascism-russia-and-ukraine/?insrc=rel

Também se sabe que logo após os eventos de maio/2012, o Parlamento ucraniano, por um lado, tentou levar a votação (sem conseguir) uma lei anti-homofobia.

Só que tentou passar (e antes que a Rússia) lei anti-LGBT também:

http://en.wikipedia.org/wiki/LGBT_rights_in_Ukraine

A draft law that would make it illegal to talk about homosexuality in public and in the media and to import, distribution and broadcast of video, photo and audio products that “encourages homosexuality” (with penalties of up to five years in prison and fines for up to 5,000 Ukrainian hryvnia (616 United States dollar[18])) was passed in first reading in the Verkhovna Rada (Ukrainian Parliament) on 2 October 2012.[9] This law has since then[5][19] yet too pass a second parliamentary reading yet (on 4 October 2012 a second vote was tentatively scheduled for (coming) October 16[14]) and is yet to be signed by Ukrainian President Viktor Yanukovych in order to become a law.[9][20][nb 2] This law was deemed “homophobic” by the LGBT community and human rights organisations and condemned by them, Amnesty International, the European Union and the United Nations.[9] The Venice Commission concluded in June 2013 that the bill[clarification needed] was “incompatible with the European Convention on Human Rights and international human rights standards”.[19]

Sabe-se, assim, portanto, que havia grupos agressivos homofóbicos na Ucrânia (como em muitos países, inclusive o Brasil), só que eles eram negligenciados ou até consentidos pelo governo Yanukovich.

Desse modo, até onde temos notícias, LGBTs ucranianos têm muito mais receio dos fascistas pró-Rússia que dos fascistas pró-Europa.

Quer dizer, não dá pra usar como propaganda pró-Rússia no momento.

Então, apesar do atual interesse de comentaristas em falar dos riscos para LGBTs na Ucrânia, fica como uma pena que isso seja tão tardio…

Mas, antes tarde do que nunca!

Tenho certeza que AGORA os que condenam os fascistas ucranianos homofóbicos (tanto os pró-Rússia como os pró-Ocidente) darão atenção TAMBÉM aos fascistas russos homofóbicos (na verdade o governo inteiro desse país é conivente com isso, posto que é proibido se pedir direitos iguais.)

Algo sempre tão omitido por não interessar a um discurso…

Rememorando um post sobre as razões de Putin ser homofóbico:

A homofobia de conveniência

Uma lista de artigos sobre como os propagandistas pró-Rússia usam o discurso ‘pega-ladrão’, de atribuir aos demais (ou aumentar nos demais) aquilo que se faz:

Anotações para uma conversa sobre Crimeia

E, mais importante, vamos aproveitar essa onda no blog de condenar fascistas homofóbicos para recuperar as histórias reais e tristes sobre a Rússia, afinal, um erro que não queremos cometer é o da indignação seletiva, certo?

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,onu-diz-que-russia-deveria-anular-lei-contra-gays,1126909,0.htm

http://www.revistaforum.com.br/blog/2014/02/human-rights-watch-lanca-campanha-contra-a-homofobia-na-russia-assista/#.UvLF5C5-124.twitter

http://mairakubik.cartacapital.com.br/2013/09/09/um-beijo-para-putin/

http://www.buzzfeed.com/mjs538/photos-from-russia-everyone-needs-to-see

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E em tempo… É bem possível que o mesmo mecanismo de manipulação volte a ser usado em relação ao antissemitismo. 

Depois que Monastyrsky e Bleich desmontaram a propaganda do rabino pró-Rússia ( http://goo.gl/4YurtS, http://goo.gl/EflNI0, http://goo.gl/d5SlFe ) o facho na área sossegou.

Mas, do mesmo modo que em relação a LGBTs, a maior parte das matérias que vi aponta para um medo maior dos fascistas pró-Rússia que dos fascistas pró-Ocidente.

E novamente não é o caso de usar a questão em propaganda.

Eu não duvido que os partidários do Svoboda (ou do “Setor de Direitas” em geral) sejam pessoalmente homofóbicos ( http://goo.gl/HxHD6l ) e antissemitas, mas talvez não sejam mais isso que seus congêneres na Europa Ocidental e Rússia.

E são notadamente antirrussos (ou exacerbadamente nacionalistas ucranianos) e declaradamente anticomunistas. E isso o episódio na estação de TV comprovou. Justificando com sua agressividade a reputação de extrema-direita fascista.

Mas tentar manipular medos em uma situação tão confusa como a atual é antiético. E somente amealharia a simpatia de pessoas muito ingênuas ou muito anti-Ocidente.

Se o receio da Rússia (ou de Putin) era de que nas próximas eleições de 25/maio, que serão apenas para executivo (isto é, com o mesmo parlamento atual), se elegesse um governante pró-europeu/pró-Ocidente, isso agora é uma certeza. Não há como imaginar que o sentimento antirrusso tenha diminuído com tantas ameaças recentes. E os votos da Crimeia, que puxavam as eleições (pelo menos as não fraudadas) para situações de quase empate, não atuarão mais.

Ninguém imagina que apenas Rússia faça propaganda, certo? Então o que se deve esperar é que o lado ‘ocidental’ dessa estória faça o máximo para anular a propaganda russa sobre neonazismo na Ucrânia. E isso pode ter um preço na forma de desagradar, na forma de maior observância de normas “ocidentais”, os setores mais radicalmente de extrema-direita (que continuarão sendo usados em manobras antirrussas.)

E, por óbvio, não há como se imaginar os EUA se comprometendo, neste e em qualquer momento, com retórica antissemita ou homofóbica. Até propagandas políticas precisam ser coerentes para serem bem sucedidas.

Desse modo, mostrar episódios de tempos atrás como se fossem a perspectiva para o futuro, torna-se ainda menos crível à luz da realidade presente da própria Rússia. E sem resultados para lograr a demonização do novo governo ucraniano. (Seria muito interessante se houvesse uma pesquisa sobre o que os próprios LGBTs, judeus ucranianos e imigrantes realmente pensam sobre tudo isso neste momento.)

Fazer denúncias e promoção de projetos é uma coisa. Mas, quando se busca exaustivamente demonizar um antagonista político fica como a fábula do menino e os lobos: no dia em que houver algo concreto não haverá credibilidade.

 

Redação

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