A reabilitação dos CIEPs na campanha política do Rio de Janeiro

Adquiri o hábito, nos últimos dias, de ir para o trabalho ouvindo o programa eleitoral no rádio, pelo fato de ainda estar com o voto indefinido para Deputado Estadual – aliás, continuo em dúvida, aceito sugestões de leitores cariocas na área de comentários.

Obviamente, acaba se ouvindo também as propagandas para governador e senador, que compõem o mesmo pacote. Sobre este último, vale notar que, ainda que tenha muito menos tempo, o programa do candidato Romário (PSB) utiliza uma linguagem muito mais moderna e de fixação no eleitor que seu principal adversário, o ex-prefeito do Rio Cesar Maia.

Mas me detenho nos programas dos principais candidatos a governador. E eles me reforçam uma tendência que já vinha sentindo em setores da sociedade nos últimos anos: a “reabilitação” do ideário do ex-governador Leonel Brizola (1983-87 e 1991-94).

Para os leitores mais novos, Brizola foi um político que não tinha meio termo: ou se amava, ou se odiava. Foi o único político a ser governador de dois estados: o Rio Grande do Sul antes do golpe militar de 1964 e o Rio de Janeiro nos períodos citados.

Se notabilizou por defender ideias nacionalistas, trabalhistas e por combater o monopólio da mídia, sendo talvez o único a ter uma postura de oposição às Organizações Globo, em um tempo onde tal grupo de mídia tinha palavra quase de lei.

Em 1982 se elegeu governador do Rio de Janeiro apesar de fraude montada para dar o cargo ao candidato do governo militar, Moreira Franco.

Eleito, implementou – ou tentou, sob fogo cerrado da grande mídia e de seus opositores políticos – algumas políticas à frente de seu tempo, como uma estratégia de segurança que visava em primeiro lugar a integridade dos cidadãos de bem por um lado e a melhoria do sistema prisional de outro. Por este motivo ganhou a pecha de “defensor de bandidos”, que, olhando-se retrospectivamente, parece ser uma alcunha bastante injusta. Antes de me xingar, caro leitor, procure ler “A Dona das Chaves”, que já resenhei nesta revista eletrônica.

Entretanto, seu projeto de maior impacto foi no campo da educação, onde Brizola contava em sua equipe com o então vice governador Darcy Ribeiro, cujo nome dispensa maiores apresentações neste campo. E foi um projeto de Darcy Ribeiro que iria impactar o Governo Brizola.

Os CIEPs – Centros Integrados de Educação Pública – eram uma estrutura que visava manter o aluno em tempo integral na escola, com aulas das disciplinas, esporte, cultura, atividades dirigidas e cidadania. Ganharam da população o apelido de “Brizolões” e tinham uma estrutura pré moldada, com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer, de forma a serem construídos de forma mais rápida. Em 1986, último ano do mandato, 80 destas escolas de tempo integral já estavam em pleno funcionamento.

Também havia o sistema de “pais sociais”, que eram casais que moravam no prédio e cuidavam de crianças sem teto ou órfãs.

Havia alguns problemas: o formato arquitetônico, com paredes vazadas entre as salas (não iam até o teto), causava problemas nas aulas, com professores tendo de elevar suas vozes a fim de serem ouvidos. Também a formação dos docentes para este projeto de turno integral não acompanhou as necessidades do projeto.

Pessoalmente, também pontuo que neste primeiro ano a cozinha ainda não estava estruturada para fornecer três refeições diárias, o que impactava a qualidade do que era servido.

Levado por minha tia, entusiasta do projeto, estudei em 1986 no CIEP Manoel Maurício de Albuquerque, em Cascadura, na sexta série do ensino fundamental (ao lado, em foto de 2013). Para mim não foi uma boa experiência devido especialmente ao “bullying” – embora ainda não tivesse este nome – que sofri por parte da turma, mas, olhando retrospectivamente, foi um momento importante de minha formação. Aliás, cheguei a aparecer cumprimentando Brizola no programa eleitoral do então candidato a governador Darcy Ribeiro, em visita que os políticos fizeram ao local.

Em 1987, com a posse de Moreira Franco no governo do Estado, o projeto foi abandonado e as escolas de tempo integral tornaram-se unidades convencionais. Brizola retornou ao governo do Estado e reiniciou o projeto, mas a eleição de Marcello Alencar (ex-brizolista e então tucano de ocasião, de triste memória aos cofres cariocas) em 1994 sepultou definitivamente o projeto de Brizola e Darcy Ribeiro.

De dois, três anos para cá, vinha observando que até setores da considerada “elite” que detestavam Brizola ponderavam que o projeto de ensino integral representado pelos CIEPS estava muito à frente de seu tempo naquela ocasião. E estas eleições para o governo do Estado do Rio vem apresentando, definitivamente, o resgate dos CIEPS e uma espécie de “reabilitação” de Leonel Brizola.

Dos quatro principais candidatos ao Governo do Estado, três, de diferentes formas, propõem a retomada do projeto dos CIEPS e de educação em tempo integral. Apenas o atual governador, Luiz Fernando Pezão, não coloca a escola de tempo integral como prioridade, pelo menos em sua plataforma de governo.

Lindberg Farias, candidato do PT, colocou em sua plataforma de governo a construção dos “CIEPS do Século XXI”, que seriam uma versão atualizada do projeto de Darcy Ribeiro, incorporando tecnologia atual. Mais que isso, o candidato petista se utiliza da imagem de Leonel Brizola na campanha, junto ao ex-presidente Lula.

Marcello Crivella, candidato do PRB e representante de uma das diversas correntes de evangélicos que permeiam a política carioca, também tem os CIEPs como inspiração de seu plano para a educação. Crivella defende a reestruturação da rede dos CIEPs e sua ampliação, bem como um plano de carreira específico para os profissionais a serem alocados neste projeto.

Por último, o líder nas pesquisas e ex-brizolista Anthony Garotinho (PR) defende a construção de mais 100 CIEPs e sua estadualização. Também coloca em sua plataforma “resgatar o espírito de Darcy Ribeiro” e investir na área. Ressalvo que Garotinho já foi governador e pouco fez neste sentido naquela ocasião.

Ainda que a gente saiba que plataforma de governo é uma coisa e atuação após eleito é outra, é interessante ver as ideias de Brizola e Darcy Ribeiro para a educação “reabilitadas” por diferentes vetores políticos nos dias de hoje, bem como ver outrora ferrenhos adversários ressalvando que o ex-governador foi um dos únicos políticos a pensar a questão da educação de maneira estruturada.

Para um político que ficou longe de se eleger senador na última eleição que disputou, em 2002 – onde obteve meu voto – e para um estado que deu uma guinada nítida a posições conservadoras nas últimas duas décadas (com ligeira reversão nas duas últimas eleições, 2010 e 2012), é notável como suas ideias, sem o calor da disputa política, especialmente no campo da educação são reconhecidas por políticos e formadores de opinião de todos os espectros ideológicos como modernas e inspiração para plataformas atuais.

Pelo menos aqui no Rio de Janeiro.

P.S.1 – terminei de ler “18 Dias”, que conta a história da transição entre os governos de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. Segundo o livro, Brizola só não foi Ministro das Telecomunicações porque não quis – preferia as Minas e Energia. O leitor imagina Brizola “cuidando” dos interesses da Globo, como poderia ter acontecido?

P.S.2 – Sabe-se que todos os partidos possuem seus candidatos “polêmicos” a deputado, para me utilizar de um adjetivo publicável. Mas as chapas do PMDB aqui do Rio são praticamente inteiras formadas por políticos que merecem esta denominação.