GGN apresenta o caso das crianças de Monte Santo

A partir de amanhã, o Jornal GGN (clique aqui) iniciará uma série de reportagens sobre o caso das adoções de Monte Santo, Bahia, na qual houve uma aliança entre o Estado brasieiro – através da Secretaria Nacional de Direitos Humanos – e da maior rede de televisão do país – a Globo – denunciando a existência de uma quadrilha de tráfico de crianças, envolvendo juiz, advogados e mães afetivas

O Fantástico acaba de passar nova reportagem sobre esse caso.

Como se recorda, nas reportagens iniciais apresentou-se o episódio como se fosse de uma organização criminosa, constituída pelo juiz Vitor Bizerra e mães paulistas que adotaram crianças da região.

A reportagem de hoje foi muito mais cuidadosa.

Nela, o programa informa jamais ter afirmado que as mães eram criminosas. Pela primeira vez, fala da ficha criminal do ex-marido Gerôncio – acusado de estupro e outros crimes. Reconhece que a violência com que as crianças foram tiradas das mães afetivas foi tão grande quanto o que consideraram violência da retirada da mãe biológica.

E remete a responsabilidade pelas acusações ao juiz Luiz de Cappio, à Ministra Maria do Rosário e ao corregedor do CNJ (Conselho Nacional da Justiça).

É relevante anotar que o Fantástico recua na acusação de que as mães integrariam uma quadrilha criminosa. Mas, ouvida pelo GGN, a Ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, reiterou a acusação. E o corregedor do CNJ insiste em pré-julgamentos, demonstrando como o tribunal da mídia é influente ante personalidades  sugestionáveis.

Questionada sobre as provas de que dispunha, Maria do Rosário manteve as acusações, na entrevista por telefone. Depois, em Nota Oficial, recuou.

A matéria do Fantástico foi preparada às pressas na 6a feira.

Na 5a, o Jornal GGN enviou o seguinte pedido de esclarecimentos ao programa, acerca das matérias veiculadas:

Conforme conversamos ao telefone, trabalho para o Jornal GGN, o novo projeto do jornalista Luis Nassif, e tenho algumas perguntas sobre a série de matérias sobre adoção de crianças na Bahia, que começou no dia 14 de outubro no Fantástico:

1)         As mães paulistas que adotaram crianças na cidade de Monte Santo, na Bahia, foram apresentadas pelo Fantástico como integrantes de uma quadrilha que traficava crianças (14/10, 21/10, 28/10 e 4/11). Quais as provas levantadas pelo programa de que elas cometeram esse crime?

2)         Para caracterizar o tráfico, é preciso ficar provado que as pessoas envolvidas receberam ou pagaram dinheiro para dar as crianças em adoção ou para adotar. Quais as provas de pagamento levantadas pelo programa?

3)         As mães denunciadas pelo Fantástico estavam inscritas no Cadastro Nacional de Adoção, algumas já tinham filhos adotados, têm bons antecedentes, vida familiar estável, emprego e garantem não terem pagado nada pelas adoções. O Fantástico chegou a ter acesso a essas informações? Não as considerou relevantes para a reportagem?

4)         A família biológica das crianças de Monte Santo (o pai, Gerôncio, e a mãe, Silvânia) colecionava uma extensa lista de denúncias contra ela no Conselho Tutelar da cidade. Silvânia foi acusada de maus tratos e abandono das crianças e recebeu termos de advertência do Conselho Tutelar. Há igualmente queixas contra Gerôncio. Essa documentação baseou a decisão do MP da Bahia de pedir medidas de proteção para as crianças, que foram consideradas em risco. Por que o programa afirma que as crianças foram tiradas da mãe sem que fossem ouvidos os pais, se o Conselho Tutelar fazia o acompanhamento da família desde 2010 e produziu essas provas? Por que o Fantástico considerou que existiam provas suficientes para acusar os pais adotivos de tráfico, e não considerou as provas produzidas pelo Conselho Tutelar de que a família biológica mantinha as crianças sob risco?

5)         Três dias antes da devolução das crianças, Gerôncio, o pai biológico, foi detido por ameaça de estupro. Por que isso não foi noticiado, na matéria do Fantástico sobre a devolução? Essa informação não foi considerada relevante pelo programa, sendo que o argumento fundamental para o andamento do processo de adoção das crianças e a entrega delas a famílias adotivas foi o fator risco para a segurança delas?

6)         No segundo programa da série, é apresentado o caso de outra mãe de Monte Santo que teria perdido o filho irregularmente. O fato de existir um segundo caso, segundo o programa, era a prova da existência, de fato, de uma quadrilha de tráfico de crianças que atuava em Monte Santo. Por que o Fantástico não informou ao telespectador que o juiz que liberou essa segunda adoção era Cappio, aquele que denunciou ao repórter José Raimundo a existência de uma suposta quadrilha que atuava sob a proteção do juiz anterior, Vitor Bizerra?

7)         Na  entrevista ao Jornal GGN, Letícia Fernandes, uma das mães afetivas, afirmou que o juiz Cappio, que interveio no processo de adoção, depois da denúncia do Fantástico colocou um carro de polícia na porta da casa de Silvania para impedir que ela saísse para trabalhar na boate, de noite, enquanto deixava os filhos sozinhos, como costumava fazer, pelo menos até que saísse a sentença sobre a guarda das crianças. Ela teria escapado uma vez e foi escoltada de volta para casa pelas autoridades policiais da cidade. O Fantástico não registrou essa medida atípica da autoridade judicial?

O Fantástico decidiu não se pronunciar sobre o tema. Respondeu através da reportagem de hoje.

A partir desta segunda-feira, acompanhe o levantamento do GGN sobre a questão no endereço: www.jornalggn.com.br

Do G1

Edição do dia 05/05/2013

05/05/2013 22h38 – Atualizado em 05/05/2013 23h19

Juiz que anulou sentença de adoção irregular na Bahia é afastado

Em nenhum momento, o juiz Cappio incluiu as mães adotivas na acusação de quadrilha – tanto que elas nunca foram investigadas.

 
 
 

Fantástico fez uma série de reportagens sobre suspeitas de irregularidades em processos de adoção no interior da Bahia. A investigação era do juiz Luís Roberto Cappio, que chegou a anular a sentença em que cinco filhos foram tirados da mãe.

Ano passado, o Fantástico fez uma série de reportagens sobre suspeitas de irregularidades em processos de adoção no interior da Bahia. A investigação era do juiz Luís Roberto Cappio, que chegou a anular a sentença em que cinco filhos foram tirados da mãe. O juiz Cappio acabou sendo afastado de suas funções. Neste sábado (04), ele recebeu o repórter José Raimundo.

José Raimundo: O senhor esperava que fosse afastado?
Cappio: Não, não esperava.

O juiz Cappio é aquele que anulou sentenças de adoção consideradas por ele irregulares no sertão da Bahia. Cappio chegou a afirmar que havia uma quadrilha envolvida nessas adoções.

Cappio: Que há uma associação, não há mais dúvidas.
José Raimundo: Associação criminosa?
Cappio: Associação criminosa voltada para agenciamento e tráfico de crianças.

Em nenhum momento, o juiz Cappio incluiu as mães adotivas na acusação de quadrilha – tanto que elas nunca foram investigadas. A acusação se restringe aos agentes da lei que tornaram as adoções possíveis. O caso que mais chamou a atenção do juiz aconteceu em maio de 2011. Os cinco filhos de Silvânia Mota Silva foram retirados de casa na cidade de Monte Santo. De um dia para o outro, a guarda provisória das crianças foi concedida a quatro famílias do interior de São Paulo. A alegação era de maus-tratos por parte da mãe.

Silvânia, que tinha a guarda dos filhos, não pode se defender. Gerôncio, o pai de quatro das cinco crianças, já era separado de Silvânia, não morava mais com ela e as crianças, mas, mesmo assim, teria de ser ouvido e não foi. Os avós, o Ministério Público, ninguém participou da decisão assinada pelo juiz Vítor Bizerra, que na época respondia pela comarca da cidade.

As irregularidades apontadas por Cappio, que sucedeu Bizerra, chamaram na época a atenção do Governo Federal, como o Fantástico mostrou.

“A Secretaria de Direitos Humanos acompanhou todo o processo desde que a gente identificou irregularidades absurdas no processo que retirou as crianças de sua casa”, afirma Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos.

Procurado diversas vezes pelo Fantástico, o juiz Vítor Bizerra se recusou a explicar sua sentença.

Convencido das irregularidades, o juiz Cappio ordenou, em dezembro do ano passado, que as famílias paulistas devolvessem as crianças para Silvânia.

O primeiro estágio da volta pra casa foi ainda em São Paulo, em uma instituição especializada em readaptação familiar.

“As crianças tiveram uma ruptura em Monte Santo há um ano e oito meses atrás e agora novamente outra ruptura, porque os adultos que adotaram essas crianças se tornaram também referências pra eles” avalia a pedagoga Sandra Greco.

Quinze dias depois, Silvânia e os filhos chegaram a Monte Santo. E voltaram a viver juntos, sem o pai, Gerôncio, que desde antes da adoção é separado de Silvânia.

As adoções feitas na região passaram a ser investigadas também pela CPI da Câmara Federal que apura o tráfico de pessoas.

“Os processos de adoção conduzidos pelo juiz Vítor Bizerra são totalmente irregulares, atípicos. São atrocidades contra famílias pobres, que não têm condição de ter um advogado, e que por isso merece uma revisão. E quem tinha que estar sendo afastado agora era o senhor Vítor Bizerra”, declara Fernando Francischini, vice-presidente da CPI do Tráfico de Pessoas.

O juiz Vitor Bizerra, responsável pelos processos de adoção, está hoje na comarca de Barra, no oeste baiano. E o juiz Cappio, que cancelou os processos, foi suspenso por 90 dias pelo Tribunal de Justiça da Bahia, a pedido do Ministério Público.

“Não tem nada a ver com adoção. Adoção tá lá, afastamento tá cá”, explica Antônio Pessoa, corregedor do Tribunal de Justiça da Bahia.

São dois os motivos alegados pelo Ministério Público da Bahia e o Tribunal de Justiça para o afastamento do juiz Luis Roberto Cappio. Ele teria se desentendido, sido grosseiro com promotores, advogados e funcionários das comarcas de Euclides da Cunha e Monte Santo. Além disso, o juiz teria apresentado nos últimos anos baixa produtividade no trabalho.

“A produtividade do juiz chega a ser irrelevante numa comarca da dimensão de Euclides da Cunha. Na comarca que nós temos problemas muito sérios, de fôlego, de porte, no estado de Bahia, e ele produziu três sentenças em três anos”, observa o promotor Cristiano Chaves.

O juiz Cappio dá outra versão:

José Raimundo: O senhor tem uma idéia de quantas sentenças produziu nesse período?
Cappio: Mais de 700.
José Raimundo: Nas duas comarcas?
Cappio: É. Eu produzi mais de 700 por uma série de questões estruturais que me impediram de produzir muito mais.

O Tribunal de Justiça determinou também uma investigação sobre a sanidade mental do juiz Cappio por causa de atitudes que ele teria tomado.

“Chega ao ponto de, numa audiência, chamar o promotor de burro. Jogar spray, jogar processo. Pegar o processo e jogar contra o servidor”, afirma o corregedor da Bahia.

José Raimundo: Jogou spray em advogado?
Cappio: Nunca, jamais…
José Raimundo: Processos?
Cappio: Nada, nada, nada do que me foi atribuído procede.

Nesta semana, o Fantástico voltou a Monte Santo e reencontrou Silvânia, a mãe biológica das cinco crianças. Ela afirmou que está assustada. E decidida.

“Estou decidida, vou embora daqui”, disse Silvânia.

Silvânia estaria sofrendo assédio por parte de duas das mulheres de São Paulo que foram obrigadas a devolver as crianças. Em março passado, uma delas, acompanhada de um homem que se dizia corretor, passou duas semanas em Monte Santo. O homem teria entrado na casa de Silvânia.

“Ele chegou me tapeando, dando uma de comprador do terreno. Ele se aproximou da minha menor. Pegando na mão, conversando com a minha menina menor, e eu lá dentro, sem saber de nada”, conta Silvânia.

Silvânia registrou a ocorrência na delegacia de Monte Santo, onde Gerôncio, o pai, responde a quatro inquéritos policiais por crimes como roubo e tentativa de estupro. Esses inquéritos não foram considerados na anulação dos processos, porque Gerôncio não vive com os filhos. Apenas os visita ocasionalmente.

Os processos irregulares causaram dor a várias mães. À Silvânia, que teve seus filhos levados, e às mães em São Paulo, que tiveram que devolver essas crianças. O Fantástico nunca revelou as identidades delas, porque elas não são acusadas de nada.

Uma dessas mães postou na internet críticas ao juiz Cappio e às reportagens do Fantástico. Tentamos entrevistá-la, mas ela não aceitou.

O Fantástico entende a sua dor, mas deixa claro que em suas reportagens se limitou a noticiar as irregularidades reveladas pelo juiz Luís Roberto Cappio e que estão sendo investigadas pelo Conselho Nacional de Justiça, que já esteve em Monte Santo.

“Os fatos são graves. Estão sendo investigados com muito rigor pela Corregedoria Nacional de Justiça. E nos próximos dias essa matéria será submetida à consideração do plenário do Conselho Nacional de Justiça, que, comprovados os fatos, tomará as medidas necessárias para, se for o caso e comprovado, o afastamento dos investigados”, diz Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça.

Nesta entrevista ao repórter Vladimir Neto na manhã deste sábado em Brasília, o corregedor nacional de justiça Francisco Falcão criticou a rapidez com que os filhos de Silvânia foram tirados de casa.

“A celeridade com que as adoções foram feitas. Um processo que leva de três a seis meses, às vezes um ano, e que foi deferido num prazo recorde de dois dias. Nesses casos, o juiz, primeiro, consulta o cadastro de adoção, ouve o Ministério Público, procura ouvir os familiares mais próximos para que a adoção seja feita e as crianças fiquem no próprio seio familiar, que é o que está previsto na lei de adoções. E isso não foi observado neste caso”.

O corregedor diz que nova equipe do CNJ irá à região para aprofundar as investigações.

“Nós vamos aprofundar as investigações, porque nós temos prováveis notícias de que esses fatos poderiam ter ocorrido em outras comarcas do interior da Bahia”.

 

Luis Nassif

0 Comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador