O centenário de Ingrid Bergman, por Mara L. Baraúna

Ingrid Bergman (29 de agosto de 1915, Estocolmo, Suécia –  29 de agosto de 1982, Chelsea, Londres, Reino Unido)

A sueca Ingrid Bergman era filha da alemã Friedel Adler que morreu quando Ingrid tinha apenas três anos de idade, e de Justus Samuel Bergman, um sueco que a criou até sua morte, quando ela tinha 12 anos.

Justus, dono de uma loja de fotografia, incentivou as atividades artísticas da filha e ainda fez algumas cenas dela com uma pequena câmera de cinema. Muitos anos depois, o famoso diretor Ingmar Bergman (sem nenhuma relação com a família), com quem Ingrid trabalhou , compilou e editou estes filmes caseiros.

Após a morte de seu pai, Ingrid foi deixada aos cuidados de uma tia solteira, que morreu em poucos  meses, e ela finalmente passou a sua adolescência com um tio e sua família. Ingrid apareceu como extra em alguns filmes, além de atuar em produções na escola que frequentava. Depois de se formar em 1933, ela fez sua estreia profissional na Royal Dramatic Theater School.  Seu primeiro papel em cinema foi em Munkbrogreven, de 1935, com o diretor sueco Gustaf Molander, no qual ela interpretou a empregada de um hotel.

Em 1936, Ingrid fez o filme que mudaria sua vida, Intermezzo, escrito e dirigido por Molander.  Seu desempenho chamou a atenção de David O. Selznick, produtor de cinema de Hollywood, que comprou os direitos para refazer o filme em Hollywood com Ingrid no papel principal.

Casou-se aos 22 anos com o dentista Petter Lindström e, em 1938, nasceu sua filha, Pia.

Em 1939, a pedido de David O. Selznick, Ingrid fez a transição para Hollywood. A chegada da atriz aos Estados Unidos mudou a concepção de estrela. Seu frescor significou “uma ruptura radical com o glamour artificial” em voga então. A versão de Hollywood de Intermezzo: A Love Story foi um grande sucesso e Ingrid assinou um contrato de sete anos. Enquanto ela só fez dois filmes com Selznick durante a duração do seu contrato, Ingrid fez vários outros filmes e estrelou algumas produções teatrais durante estes anos também.

A adoração do público americano por Ingrid se deveu à sua beleza natural e angelical, e pelo desejo de Selznick para lançá-la em papéis “saudáveis”. Essa imagem impecável iria segui-la ao longo dos anos 1930 e 1940. Ingrid era casada e tinha uma filha. Os papeis de esposa e mãe contribuíram ainda mais para cumprir as expectativas da sociedade para com as mulheres e a moralidade da época. Os papeis de Ingrid em filmes como Os 4 filhos de Adão e Fúria no céu, ambos em 1941, ajudaram a criar esta persona pura.

No entanto, ela estava insatisfeita e queria diversificar seus papeis. Ela foi originalmente escalada como noiva do Dr. Jekyll na versão 1941 de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, com Lana Turner como uma garçonete chamada Ivy Peterson. Ingrid pediu ao diretor do filme, Victor Fleming, para trocar com Lana. A mudança permitiu tanto a Ingrid quanto a Lana criar personagens muito diferentes dos que normalmente já tinham feito. Embora alguns críticos tenham rejeitado esta alteração, o papel da Ivy Peterson deu-lhe a oportunidade de mostrar um pouco de sua incrível  versatilidade como atriz. Ela também tinha mostrado essa versatilidade no teatro, estreando na Broadway em Liliom, em 1940, e estrelado em uma produção de Eugene O’Neill, Anna Christie, em 1941.

O papel mais famoso e duradouro de Ingrid veio em 1942, quando ela interpretou Ilsa, com Humphrey Bogart, em Casablanca. O filme foi um grande sucesso de bilheteria e tornou-se um clássico. Ela, então, assumiu o papel de Maria na versão cinematográfica do romance de Ernest Hemingway Por quem os sinos dobram, em 1942, pelo qual foi indicada para o Oscar de Melhor Atriz, mas ela perdeu o prêmio para Jennifer Jones pelo filme  A canção de Bernadette.

Ingrid iria ganhar seu primeiro Oscar de Melhor Atriz, em 1944, pelo filme À meia luz. No ano seguinte, ela foi indicada novamente para Melhor Atriz pelo filme Os sinos de Santa Maria, mas perdeu para Joan Crawford. Depois, Ingrid trabalhou em dois filmes com Alfred Hitchcock: Quando fala o coração (1945) e Interlúdio (1946).

Dos muitos beijos trocados por Ingrid Bergman, o do filme Interlúdio é conhecido por ser o mais longo da história do cinema. De forma a contornar a censura, que na época não permitia beijos que ultrapassassem os 3 segundos de duração, Hitchcock pôs o seu gênio para trabalhar e fez com que os lábios de Ingrid Bergman e Cary Grant estivessem ocupados com outras coisas. A famosa maratona das cenas ilustra um romântico interlúdio entre o sereno agente do governo Devlin e Alicia, em seu apartamento, e que durou quase três minutos. Em tomadas de closes de rostos, começa em um balcão panorâmico de um hotel no Rio de Janeiro, com o único beijo em que Dvlin abraça Maria. Dai, com rápidas alternâncias entre beijinhos e carícias apaixonadas de Alicia, os dois seguem até à porta. 

https://www.youtube.com/watch?v=Zu8JASfWb6A]

Ingrid voltou à Broadway em 1946, no papel de Joana d’Arc, durante 25 semanas, na peça Joan of Lorraine que lhe valeu um prêmio Tony de Melhor Atriz. Em 1948, ela estrelou a versão cinematográfica de Joana D’Arc, sendo indicada para o Oscar de Melhor Atriz.

Mas Ingrid, que à essa altura tinha Hollywood aos seus pés, sobretudo depois de Casablanca, dizia estar farta de seu artificialismo. Ela queria fazer um filme na Europa. Quando ela viu Roma, cidade aberta, de Roberto Rossellini, mandou uma carta para o diretor: “Caro senhor Rossellini, vi seus filmes Roma: cidade aberta e Paisá e gostei muito deles. Se precisar de uma atriz sueca que fale inglês muito bem, não esqueceu o alemão, ainda não é muito inteligível em francês e de italiano só sabe ‘ti amo’, estou pronta para fazer um filme com o senhor”. Como não sabia o endereço do diretor, ficou com a carta por várias semanas, até que caminhando por Hollywood, deu autógrafo a um italiano e ele deu a Ingrid um endereço para onde a carta poderia ser enviada: Minerva Filmes. Só que Rossellini estava processando a empresa e a carta chegou justo no dia em que o estúdio pegou fogo. Por acaso, a carta foi achada dias depois chamuscada, mas intacta. A Minerva Filmes ligou para Rossellini e ouviu do diretor: “Não falo com vocês!” e desligou o telefone. Telefonaram de novo e falaram bem rápido: “Escute, temos uma carta engraçadíssima para você …”. “Enfie ela no rabo” – e desligou novamente. Até que, finalmente, a carta chegou às mãos dele, mas Rossellini precisou da ajuda de uma tradutora, já que não sabia uma palavra de inglês. Ao terminar a tradução, perguntou: “Mas quem é essa Ingrid Bergman?”. Uma vez esclarecida que era a loura de Intermezzo, Rossellini manda um cabograma: “Com grande emoção, acabo de receber sua carta que chegou justamente no dia do meu aniversário como o mais precioso presente. É absolutamente verdade que eu sonhava em fazer um filme com você e a partir desse momento farei todo o possível para que esse sonho se torne realidade. Escreverei uma carta longa para apresentar minhas idéias a você. Com admiração, por favor, aceite a expressão de minha gratidão junto aos meus cumprimentos. Roberto Rossellini”.

Rossellini era casado com a atriz Anna Magnani que já percebia o interesse do marido. Anna preparava um macarrão para o almoço quando chegou mais um telegrama de Ingrid. Rossellini fingiu não dar importância a ele. Anna não aguentou e jogou o macarrão na cara de Rossellini. O rompimento foi traumático e ficaram anos sem se falar.

Em 1949, Ingrid foi para a Itália para filmarem Stromboli, história ambientada na ilha vulcânica, tendo Ingrid como a refugiada de guerra que se casa com um pescador.  Durante a produção deste filme Ingrid e Rossellini começaram um romance que iria mudar sua imagem anterior para sempre e causar-lhe a perda de muitos fãs nos Estados Unidos. Ingrid ainda era casada com Petter, embora o casamento não fosse feliz como se pensava. Rossellini, por sua vez, tinha um casamento tumultuado com Anna Magnani. Furiosa e traída, Magnani reagiu no mesmo campo de luta. Integrou-se ao projeto original dos amigos sicilianos (que também, sentiam-se traídos por Rossellini), contrataram o diretor William Diertele e passaram a trabalhar em Vulcano, também ambientado em uma das Ilhas Eólicas. Magnani vivia a prostituta que retorna para sua terra natal e é hostilizada por seu passado. Duas mulheres rivais afrontavam-se em filmes rivais em duas ilhas vulcânicas no litoral da Sicília. O resultado não foi o que se esperava de tanto fogo e paixão. Tanto Stromboli como Vulcano, estreados com poucas semanas de diferença, foram fracassos de público e não comoveram a crítica. Não caíram no esquecimento, porém, em razão dos destinos pessoais que esses filmes mudaram.

Ingrid ficou grávida e ela e Rossellini procuraram se divorciar de seus respectivos cônjuges para que pudessem se casar. Ingrid deu à luz um filho, Roberto, antes de se casarem em 1950. As ligas de decência insurgiram-se, a América ficou chocada, repudiaram os adúlteros, e Ingrid Bergman ficou na lista negra de Hollywood. O Senador dos Estados Unidos Edwin C. Johnson, de Colorado, criticou Ingrid condenando-a publicamente como “uma poderosa influência para o mal.”

Ingrid viveu na Itália com Rossellini, longe da indignação da América, e fez seis filmes com ele entre 1950 e 1955. Entre estes filmes, Europa 51“, em 1952, lançado no mesmo ano em que ela deu à luz as filhas gêmeas, Isabella, que tornou-se uma famosa modelo e atriz, e Isotta. Ingrid não trabalhou com outro cineasta além de seu marido até 1956, quando ela fez o filme Estranhas coisas de Paris com o diretor francês Jean Renoir. Este filme começou a ressuscitar sua carreira aos olhos do público internacional, embora ela tivesse tido sucesso na Itália com seus filmes com Rossellini.

O retorno triunfal de Ingrid se deu quando voltou a Hollywood, em 1956, para estrelar Anastácia, a princesa esquecida. Seu casamento com Rossellini terminou meses depois, em 1957. Desse relacionamento tinham ficado seis filmes, três filhos e um divórcio áspero que arrastou a tutela das crianças pelos tribunais italianos durante anos.

Este regresso a Hollywood rejuvenescia ainda mais sua carreira e Ingrid começou a recuperar muito de sua antiga popularidade nos Estados Unidos, além de ganhar outro Oscar de Melhor Atriz pelo filme Anastácia.

Ela voltou a se casar com Lars Schmidt, um produtor de teatro da Suécia. Durante a década seguinte, Ingrid trabalhou em filmes, televisão e no palco. Ela ganhou um Emmy em 1959 pela minissérie de televisão, uma adaptação de Henry James, The Turn of the Screw. Ela fez sua estreia no teatro em Londres, em 1965, com a peça A Month in the Country. Ingrid também estrelou a peça More Stately Mansions na sua volta aos Estados Unidos em 1967.

Em 1974, Ingrid ganhou um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Assassinato no Expresso Oriente. Desde sua separação de Rossellini, Ingrid havia recuperado grande parte da sua adoração anterior de seus fãs americanos. Sua carreira foi chegando ao fim, no entanto.

Em 1975, Ingrid se divorciou terceiro marido Lars Schmidt e, no mesmo ano descobriu que tinha câncer de mama. Apesar de sua saúde debilitada, ela continuou a trabalhar e completou seu último filme, de Ingmar Bergman, Sonata de Outono, em 1978. Seu último papel como atriz foi em 1982 na minissérie de televisão, Golda, em que ela retratou a primeira-ministra israelense Golda Meir, um papel que lhe rendeu dois prêmios Emmy e um Globo de Ouro.

Em 29 de agosto de 1982, em seu 67º aniversário, Ingrid perdeu a batalha de sete anos contra o câncer e morreu em sua casa em Londres. Seu funeral foi realizado na igreja sueca em West London. Seus restos mortais foram cremados e suas cinzas foram espalhadas ao largo da costa da Suécia, com exceção de uma pequena parte, que foram mantidas para serem enterradas no cemitério Norra Begravningsplatsen em Estocolmo. 

Ela começou uma carreira que teria uma duração de cinco décadas, deixou os fãs em todo o mundo com um legado de mais de 50 filmes, teve muitas indicações a prêmios, ganhou três Oscars, dois Emmys e um Tony, e viu sua imagem ir “da santa para prostituta e de volta a santa novamente”, como Ingrid certa vez descreveu a si mesma.

Ela recebeu um prêmio Emmy postumamente pelo seu mais recente trabalho como Golda Meir, no filme de TV Golda.

https://www.youtube.com/watch?v=HOgCzABUhA0

O Festival de Cannes, ocorrido entre os dias 13 e 24 de maio de 2015, presta homenagem à atriz em seu cartaz oficial.

 

O Festival apresentará também a estreia do documentário Ingrid Bergman — In Her Own Words, do sueco Stig Björkman. O filme usa o vasto material de arquivo da atriz. Ingrid foi meticulosa em documentar a própria vida: desde a infância manteve diários, escrevia cartas, gostava de tirar fotos e fazer filmes caseiros – hábito sem dúvida herdado do pai, dono de uma loja de fotografias.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=TEh5Nh4a9WE

Fontes:

Ingrid Bergman, página oficial 

Fotos de Ingrid Bergman no The Red List

Fotos de Ingrid Bergman no Pinterest

Ingrid Bergman no IMDB 

O centenário de Ingrid Bergman: o sorriso mais brilhante da história do cinema, por Abel Rosa

O cinema de Vittorio de Sica, Roberto Rossellini, Luchino Visconti, Micherlangelo Antonioni e Federico Fellini, por Roberto de Castro Neves

Forever a place in my heart

Ingrid Bergman. A carreira acima de tudo, por Jorge Leitão Ramos  

Ingrid Bergman: o permanente susto de si própria 

Ingrid Bergman X Anna Magnani: a guerra dos vulcões, por Luiz Zanin 

Ingrid Bergman é homenageada em Cannes no ano de seu centenário, por Anna Beatriz Lisboa

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Redação

10 Comentários

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  1. Após Bill Evans, mais um

    Após Bill Evans, mais um trabalho de fôlego da Mara.

    A vida é muito cruel para as belas atrizes.

    Guardamos na lembrança o tempo em quer eram jovens e lindas. O envelhecimento e a morte inapelavelmente nos levam a compará-las no tempo. Não com outras, mas com elas próprias.

    Paradoxalmente, a morte em plena juventude de Leila Diniz, salvou-a desse processo.

    Acho que isso não ocorre com os atores. Mas não fiz nenhuma pesquisa exaustiva sobre esta tese.

    Muito bom, Mara. Mais uma vez.

     

    1. Que bom que

      Que bom que gostou! Obrigada!! 

      Voce citou Leila, poupada do processo de envelhecimento pela morte prematura, mas temos outros exemplos:

      Adriana Prieto (1950 – 24 dez. 1974); Isabel Ribeiro (8 jul. 41 – 13 fev. 90); Anecy Rocha (26 out. 42 -26 mar. 77);  Nara Leão (19 jan. 42 – 7 jun. 89); Dina Sfat (28 ago. 39 – 20 mar. 89); Daniela Perez (11 ago. 70 – 28 dez. 92); Marilyn Monroe (1 jun. 26 – 5 ago. 62); Sharon Tate (24 jan. 43 – 9 ago. 69); Françoise Dorleac (21 mar. 42 – 26 jun. 67) e outras e mais outras

       

       

  2. Prezada Mara L. Baraúna,

    Muito obrigada pelo excelente documentário sobre a que considero mais bela e talentosa atriz.

    Sua pesquisa vale muito para se recordar os bons tempos do cinema!

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