Guerra de Canudos, com José Wilker

Por Tamára Baranov – Rio Claro/SP

Lançamento: 1997
Direção: Sergio Rezende
Com: José Wilker, Paulo Betti, Claudia Abreu, Marieta Severo, Roberto BomTempo, Tuca Andrada, Tonico Pereira, Selton Mello e José de Abreu.

Sinopse: O longa baseado na obra ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, segue a jornada de Antônio Conselheiro e a Guerra de Canudos. Em 1893, Antônio Conselheiro (José Wilker) e seus seguidores começam a tornar um simples movimento em algo grande demais para a República, que acabara de ser proclamada e decidira por enviar vários destacamentos militares para destruí-los. Os seguidores de Antônio Conselheiro apenas defendiam seus lares, mas a nova ordem não podia aceitar que humildes moradores do sertão da Bahia desafiassem a República. Assim, em 1897, esforços são reunidos para destruir os sertanejos. Estes fatos são vistos pela ótica de uma família com opiniões conflitantes sobre Conselheiro. (Adoro Cinema)

Crítica por Pablo Villaça: Guerra de Canudos poderia ter sido um dos melhores filmes nacionais dos últimos tempos. Visivelmente uma produção `rica`, o filme possui todos os atributos técnicos para ser grande. O figurino foi cuidadosamente envelhecido para parecer `gasto`; as locações, escolhidas com precisão; a cidade, reconstruída. No entanto, o que era para ser perfeito se deixou derrubar por uma série de pequenos detalhes que, no todo, acabam comprometendo o resultado final.

O filme narra a história real da guerra brutal que marcou a história do Brasil entre novembro de 1896 e outubro de 1897 e a de um de seus protagonistas: o pregador Antônio Conselheiro (Wilker). A narrativa é centralizada em torno da família Lucena, principalmente na filha Luíza (Claudia Abreu), que larga os parentes quando estes decidem seguir os passos do Conselheiro e acaba virando prostituta. Além dos personagens ficcionais, há figuras históricas (como Moreira César, interpretado por Tonico Pereira) e outros personagens que ficam entre as duas categorias (como o jornalista interpretado por BomTempo – uma mescla de Manoel Benício e Euclides da Cunha).

Quanto à parte técnica, o filme é irrepreensível: a direção de Sérgio Rezende é impecável. Me impressionou particularmente uma cena em que os `soldados` da República estão andando em direção a Canudos e passam por uma carcaça de boi, sob a qual se esconde um dos homens de Conselheiro, Pajeú. O enquadramento e a movimentação da câmera nesta cena são excelentes. Há, também, que se destacar as cenas de batalhas, propriamente ditas. O único problema ali está na coreografia dos atores: a luta nunca parece totalmente convincente – sempre um dos atores fica esperando, parado, o golpe do outro, visivelmente ensaiado. Fora isso, não fica nada a dever a Coração Valente.

As interpretações estão excelentes, principalmente as de Paulo Betti, Tonico Pereira e Tuca Andrada. Outro show à parte é dado pelos figurantes do filme (aqueles atores que têm apenas um diálogo, ou nem isso, e cuja principal função é ficar no fundo da cena, parados ou andando): recrutados entre a população local por 5 reais ao dia, eles conferem um tom totalmente realista ao filme, auxiliando o espectador a se transportar até a Canudos do século XIX. Em contrapartida, dois atores de quem gosto especialmente me decepcionaram em Guerra de Canudos: José Wilker e Selton Mello.

O primeiro criou um Conselheiro fanático, caricato: seus olhos permanecem arregalados durante todo o filme. Esta é uma falha capital, já que ele, apesar de não ser o protagonista, é o personagem motor de todo o filme. Para se ter uma idéia, durante a cena em que o Conselheiro sai da Igreja à noite e um soldado quase o mata, uma garota que estava sentada à minha frente comentou: `Vai, mata ele logo! Vai!`. No mínimo curioso. Além disso, o Conselheiro parece apático, sem se importar com o que vai acontecer ao final da batalha. Enquanto seus seguidores se desdobram em mil para não serem derrotados, ele se mantém quieto, distante das estratégias boladas pelos discípulos.

Já Selton Mello se confundiu completamente, sem conseguir descobrir quem era seu personagem. É visível durante o filme o desentendimento entre personagem e o ator. Enquanto Luís (o personagem) dizia uma coisa, Mello (o ator) parecia estar querendo dizer outra com suas expressões. O horror crescente de Luís pela batalha (e sua confusão diante disto) não fica totalmente patente no desenrolar da história. Um exemplo claro da falta de estrutura do personagem: o sotaque. Apesar de ser do Rio de Janeiro, Luís fala com sotaque nordestino em certos momentos e com o carioca, em outros. E o pior: intercalando os dois sotaques, e não em seqüência como se o personagem fosse se habituando ao local onde está vivendo.

O roteiro é bem escrito, e os diálogos, inteligentes. Um erro comum em que poderia ter caído é tornar os dois lados da batalha estereotipados, dividi-las em `o bem` e `o mal`. Mas não: é fácil perceber as motivações de ambos os oponentes, e até mesmo entendê-las (não necessariamente concordando, claro). Por outro lado, existem pequenos furos na trama que, se não chegam a comprometer, incomodam: de onde veio todo o ódio da personagem de Claudia Abreu por Antônio Conselheiro? Ela fica irritada porque o pai decide seguir o pregador e, revoltada, foge de casa (o que não é tão fácil de entender, já que até então ela não se mostrara especialmente contestadora. Isso sem mencionar que estamos falando do sertão nordestino de cem anos atrás, quando a família – e a figura paterna – exigia mais respeito do que se exige hoje.). Depois disso, toma um ódio mortal do Conselheiro, passando a desejar sua morte.

Já o som tem uma qualidade inquestionável – desde que o cinema ajude, o que é um problema no Brasil -, assim como a bela fotografia. Guerra de Canudos é, em suma, um belo exemplar do cinema nacional, e poderia ter sido um marco nas produções brasileiras se não tivesse incorrido em tantos erros miúdos. Uma pena, mas uma `pena` que merece ser vista.

http://www.youtube.com/watch?v=P4OYhj7Io0E

Redação

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