15 de março de 2015: a ficção da vida real

Por Renato Souza

Às vezes custo a acreditar no que vejo e ouço vindo das manifestações do dia 15; parecem obra de ficção.

Parecem mesmo, ficção científica! Senão vejamos.

No delicioso filme oitentista De volta Para o Futuro, o viajante do tempo Martin MacFly viaja ao passado, à época em que seus pais se conheceram, e interfere desastrosamente no evento em que eles deveriam se encontrar, correndo o risco de provocar um “paradoxo temporal”, paradoxo lógico segundo o qual uma intervenção no passado altera o futuro e, portanto, altera a própria condição futura daquele que viajou ao passado, fazendo com que a viagem mesma não pudesse existir. E não existindo, ele não poderia ter voltado no tempo para alterar o passado.

Por isto, viagens no tempo são refutadas do ponto de vista lógico. O tempo só anda para frente; ou, como disse aquele famoso alemão barbudo, a história só se repete como tragédia ou como farsa.

O drama de MacFly é que, se seus pais não se conhecessem, eles não namorariam, não casariam, e não o teriam como filho: ele não existiria e não poderia estar ali para alterar o próprio passado. Este paradoxo é tão complexamente ilógico que faria ruir toda a organização espaço-tempo sobre a qual sua realidade se assentava. Não só ele, mas o seu pequeno mundo desapareceriam.

Eu tenho dito que o aspecto mais ironicamente trágico das manifestações de 15 de março, é que os manifestantes utilizam um espaço democrático, a liberdade de manifestação e o direito de protestar contra o Governo, que são próprios da democracia e que foram conquistas pós-ditadura, para atacar o Estado democrático e as instituições políticas, pedindo a volta dos militares ao poder, e da ditadura. Portanto, a volta das restrições às liberdades individuais, ao direito de protestar, inclusive ao direito deles estarem ali bradando contra o atual Governo e contra o sistema político democrático.

Isto não é pouca coisa, não é só ironicamente trágico, é um paradoxo lógico temporal. Como no dilema do MacFly, os manifestantes reivindicam uma volta ao passado (metaforicamente falando), que se acontecesse os impediria de estarem ali, reivindicando-a. O mundo que eles reivindicam pelo golpe, se se tornasse real, os impediria de reivindicá-lo. Estariam todos nas prisões do Doi-Codi ou do Dops, e por isto não poderiam levar a cabo seus próprios intentos golpistas.

Analogamente, eles reivindicam a destruição do espaço-tempo (o espaço da política civil e o tempo agora da democracia) que sustentou a democrática realidade das ruas que eles mesmos desfrutaram dia 15. São viajantes do tempo que, diferentemente do MacFly, não avaliam o risco de sua volta ao passado. Mas, como a vida não é ficção, aqui não tem máquina do tempo: quem viaja ao passado no mundo real, não tem um “de volta para o futuro”.

Aliás, o período da ditadura militar deixou entulhos legais que, ainda hoje, em plena democracia, criminalizariam as próprias manifestações do dia 15, manifestações estas que, dentre outras coisas, incitavam os militares contra instituições civis conclamando-os a tomarem o poder, e xingavam violentamente a principal autoridade política do país.

Diz o Art. 22 da Lei de Segurança Nacional de 1983 – um resquício daqueles tempos – que “é considerado crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social, incitar a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis, e caluniar ou difamar o Presidente da República… imputando-lhe fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

Nada mais claro, pelas leis do regime militar, as manifestações do dia 15 seriam ilegais e muitos manifestantes seriam apreendidos como criminosos. Faltaria cadeia para tantos.

Como esta Lei jamais foi revogada, poderia perfeitamente ser utilizada para prender aqueles que defendem publicamente o Golpe Militar atualmente. Ela só não é aplicada porque é um resquício legislativo da época da Ditadura, que constrange os operadores do direito de agora, afinal, estamos em um regime democrático.

Mas é uma destas armadilhas do espaço-tempo, um buraco negro, para pegar os distraídos que se aventuram em viagens ao passado sem ler o manual de instruções nem buscar conhecer melhor o destino escolhido.

Nos inúmeros registros das manifestações do dia 15, um me chamou a atenção: um rapaz defendendo a intervenção militar dizia, “eu não sou bandido, não sou maconheiro, então eu não tenho medo do exército”. E segurava seu cartaz pela volta dos militares ao poder.

Mal sabe ele que as pessoas eram presas, torturadas e mortas no regime militar, com base nesta Lei de Segurança Nacional aí – e na de 1969, que era bem mais dura -, não por serem bandidas ou maconheiras, mas por fazerem exatamente o que ele e tantos outros estão fazendo hoje, protestar contra o Governo e pregar a subversão da ordem constitucional e/ou do regime político. Só isto, na época do regime que tantos defenderam no dia das manifestações, já garantiria uma incômoda incursão pelos porões da ditadura.

Esta é a suprema ironia das manifestações de 15 de março: se fossem aplicadas as leis e as práticas do regime que os manifestantes reivindicam, todos os que bradaram pelo impeachment ou pela intervenção militar estariam presos, e provavelmente acabariam nas mãos daquele agente do Dops que foi tratado como herói na Avenida Paulista por eles mesmos.

Não fossem tão contundentes em tamanho e agressividade, as manifestações do dia 15 figurariam bem como obra de ficção, como uma aplicação política do paradoxo temporal, uma figura metafórica a evidenciar a ilogicidade de reivindicar a volta ao passado, sustentando-se num presente que só existe porque aquele foi superado.

Sorte que eles não têm uma máquina do tempo, senão estaríamos todos fritos. Talvez o mundo como conhecemos não existisse mais.

Redação

34 Comentários

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  1. o pinguço que nunca sabe de nada

    pode agitar pobre contra rico e negro contra branco a vontade??

    Diz o Art. 22 da Lei de Segurança Nacional de 1983 – um resquício daqueles tempos – que “é considerado crime fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social, incitar a animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis, e caluniar ou difamar o Presidente da República… imputando-lhe fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação”. Pena: reclusão, de 1 a 4 anos.

     

    conheci uns metalúrgicos que operavam prensa, e a maioria tinha perdido mais de um dedo e dedos importantes como o indicador que aponta para o que está errado ou o polegar, estranho um perder só o mindinho que é o dedo menos desenvolvido da mão humana e ser inválido…

  2. Post interessante, nem

    Post interessante, nem escrito, com inteligência e ironia.

    Infelizmente, inútil.

    Os “manifestantes” do domingo, 15 de março, não estão interessados em acompanhar o pensamento lógico.

    Não só estão desinteressados como são incapazes de entender a lógica.

  3.  
    A democracia tem que

     

    A democracia tem que combater essas aberrações, sob pena de ela própria sucumbir. Aliás, esse dia 15 de março produziu um enorme material de trabalho para o MPF – defensor do regime democrático, por força da própria Constituição Federal.

    Janot deveria criar uma força-tarefa para investigar o 15 de março.

  4. Sem mais!

    https://jornalggn.com.br/blog/anna-dutra/chovendo-no-molhado-por-anna-dutra

    “Mas é uma destas armadilhas do espaço-tempo, um buraco negro, para pegar os distraídos que se aventuram em viagens ao passado sem ler o manual de instruções nem buscar conhecer melhor o destino escolhido.

    Nos inúmeros registros das manifestações do dia 15, um me chamou a atenção: um rapaz defendendo a intervenção militar dizia, “eu não sou bandido, não sou maconheiro, então eu não tenho medo do exército”. E segurava seu cartaz pela volta dos militares ao poder.”

     

    Todos os artigos, análises e desabafos retornam ao completo desconhecimento de quem somos como agentes e pacientes de nossa própria História.

  5. Vivi todos aqueles anos

    Vivi todos aqueles anos sombrios da ditadura e lembro de cada detalhe de cada um deles. Garanto que nunca vi, durante todo aquele tempo, uma simples manifestação sequer para xingar o Castelo Branco, Costa e Silva. Geisel ou o Figueiredo como xingaram e desrespeitaram a Dilma. Era povo calado mesmo. Agora já ouvi coxinha dizer: “É, mas naquele tempo as pesquisas davam quase 100% de popularidade para eles”, claro, quem, naquele tempo, se atreveria a dizer que não estava satisfeito ao responder uma pesquisa? Mesmo porque, ao responder uma pesquisa ninguém sabia que uso iriam fazer dela. Lembro que em 1984, quando diziam que já estava havendo um relaxamento, estava jantando num restaurante onde um conjunto tocava músicas a pedidos. Pedi para que tocassem “Para não dizer que não falei de flores” do Geraldo Vandré, os músicos mandaram dizer que não poderiam porque ainda estava proibida. Pois é, se nem música se atreviam a tocar, imagine sair pelas ruas dando show de grosserias contra o presidente. 

  6. Se o  governo do PT pudesse

    Se o  governo do PT pudesse voltar no tempo, deveria  incluir  o ensino da história do Brasil, de qualidade,  nas escolas públicas desde 2003. Seria acusado de estar catequizando com a cartilha comunista, mas pelo menos, agora não estaria sendo vítima desta turba alienada por falta de conhecimento histórico.  

  7. 15 de março de 2015: a ficção da vida real

    Daria uma bom roteiro para um filme de humor estrelado por Eddie Murphy ou Sacha Baron Cohen. kkkkkkkkkkkk

  8. Contradição performativa

    É a contradição performativa de que Habermas trata. Claro que exigir um pouco de filosofia de um coxinha já implica uma contradição performativa, mas a mídia, cuja missão pressupõe o uso da linguagem, sequer poderia ser considerada como um ser falante ignorando esse fundamento apriorístico.

  9. Não há paradoxo

    O paradoxo apontado na matéria não existe para esse pessoal. Uma vez instalada a ditadura eles não mais iriam às ruas pois estariam satisfeitos, não haveria necessidade de ir para as ruas.

    1. Pela quantidade de asneiras

      Pela quantidade de asneiras que foram ditas e escritas (inclusive em inglês), por usar o direito democrático de livre manifestação para pedir ditadura, pelo papel de palhaços que fizeram certos analfabetos políticos que compareceram fantasiados à “manifestção”, por aquela mulher que fez top less e pela presença de corruptos e de fascistas quem é direita mas tem vergonha na cara deve ter ficado constrangido. Mas acho que este não é seu caso…

  10. Santa Ignorância

    Ignorantes do passado,do presente e do fuguro. Devem ter cabulado aulas de Historia. Talvez gostassem de conhecer um Fleury da vida…

  11. O historiador Moniz Bandeira

    O historiador Moniz Bandeira diz que  “Washington há muito tempo está a criar ONGs com o fito de promover demonstrações empreendidas, com recursos canalizados através da USAID, National Endowment for Democracy (NED) e CIA; Open Society Foundation (OSF), do bilionário George Soros, Freedom House, International Republican Institute (IRI), sob a direção do senador John McCain, etc. Elas trabalham diretamente com o setor privado, municípios e cidadãos, como estudantes, recrutados para fazerem cursos nos EUA. Assim o fizeram nos países da Eurásia, onde de 1989 ao ano 2000 foram criadas mais de 500.000, a maioria das quais na Ucrânia. Outras foram organizadas no Oriente Médio para fazer a Primavera Árabe. A estratégia é aproveitar as contradições domésticas do país, os problemas internos, a fim de agravá-los, gerar turbulência e caos até derrubar o governo sem recorrer a golpes militares.”

    1. Conspiração

      É pessoal, É sério. 

      E aproveitando….  para que os passistas que falam e/ou escrevem o ingrês possam entender o post:

      “Bud  I really believe that it may be possible….

      Senão vejamos….Antes de ler o site político do Luiz Nassif,  que já acompanho de há muito tempo….antes leio meu site de astronomia e ciência favorito…. e o que me acontece hoje…..sem mais, nem menos, sem um clik meu, aparecem vários chamados de notícias sobre o escândalo da Petrobrás, Pesquisa Dilma, última, envolvimento do PT, Manifestação contra a Presidente….etc……Mas eu estou no meu site de astronomia…..Que  coisa não?

      Tô começando, ou melhor, tenho certeza, tem lobo mal na espreita do gado…..Está acontecendo a intervenção silenciosa……Está havendo uma conspiração direcionada…..Será primavera, inverno,outono? Aquele cara, que denunciou que vigiam e interferem na Internet…é mentira? USAID é velho por aqui, interferiu na reforma das universidades logo após o golpe militar……Esses caras com cartazinhos de volta aos militares…deveriam ir à missa e escutar a passagem quando Cristo falou…Perdoa…eles não sabem o que fazem…..

      Tenho esperança que o Governo faça mais pronunciamentos explicativos sobre o FIES, etc….Chamar todos os brasileiros e botar os pingos nos is…..Se o Governo não tomar uma atitude séria contra essa mídia manipuladora e inescrupulosa…..eles vão ganhar…..

       O Governo  Dilma tem que escolher efetivamente sobre  suas propostas e não acoar diante dessas questões todas que estão sendo colocadas…..Afinal,o Governo temo direito de pedir horários na TV  para fazer seus pronunciamentos, senão corre o risco de ser rebaixado…suspender direitos  e fazer reformas  que agradam ao capital é dar as costas ao povo trabalhador…

      A Petrobrás é atualmente uma  das empresas mais cobiçadas do mundo….afinal….pros lados do oriente, garantir o petróleo envolve alto custo de guerra, já no Brasil…..Quem briga por Alá? 

      .

  12. Resumo do dia 15. Muuuuita
    Resumo do dia 15. Muuuuita gente de saco cheio com a incompetência, cara de pau, mentiras ditas em campanha e com o petrolão. 2 ou 3 grupos organizados e delirantes que defendem intervenção militar.
    2 milhões no brasil inteiro sairam de suas casas, de graça, contra a corrupção. O maior protesto da história do brasil.
    Famílias inteiras nas ruas, num domingo de tarde, sem atrapalhar o trabalho e a produtividade do país. Sem botar fogo em nada, sem dar pontapé em ninguem.
    Alguma coisa neste governo e neste partido está errada. Ou é culpa da mídia que faz complô com o fhc e com a CIA?
    É tempo de abrir os olhos, reconhecer os erros e mudar radicalmente. Não dá para permanecer na mesma inventando disculpas e desmoralizando quem se opõe. Estamos todos no mesmo barco. O brasil antes dos partidos políticos. Está na hora de ficar indignado com o que estão fazendo de errado com o país agora. E tem muuuita coisa.

    1. Resumo do seu resumo

      Você não leu o texto, acredita em números que não se sustentam com um simples cálculo matemático (comprimento da Paulista X largura da Paulista X 3 ou 4 pessoas por metro quadrado) que despreza qualquer coisa que exista no canteiro central da Paulista (além do próprio e daquele vão que é a entrada e saída da Rebouças), usa de má fé ao querer imputar qualquer crítica à manifestação em si (ou aos motivos reais ou aparentes da mesma) à uma ‘pauta de governo’, e acredita que o mesmo movimento foi apartidário.

      Acreditar é fácil (não tem gente que acredita que a Terra é plana?), provar com argumentos lógicos e racionais é que são elas…

    2. Pela quantidade de asneiras

      Pela quantidade de asneiras que foram ditas e escritas (inclusive em inglês), por usar o direito democrático de livre manifestação para pedir ditadura, pelo papel de palhaços que fizeram certos analfabetos políticos que compareceram fantasiados à “manifestação espontânea”, por aquela mulher que fez top less e pela presença de corruptos e de fascistas quem é direita mas tem vergonha na cara deve ter ficado constrangido.

  13. Seja imparcial

    Existiram estes sim. Mas nem de longe foram maioria. Aqui o blogueiro tenta manipular as coisas, como faz, muito bem a mídia e o PT. A maioria é contra a corrupção e o PT. E mais: se existe quem peça a intervenção militar, é porque o PT tenta fazer o mesmo através da UNASUL. Eles querem tarnsformar o país numa ditadura, pelo menos é o que tem demonstrado  em vários videos. O fato é que, para nascer um país novo, precisamos abandonar o partidarismo e a ideologia.

  14. A retroalimentação da maldade como ferramenta de controle social

    Convém não ignorar a história, com h minúsculo, da nossa classe média. A ditadura foi fruto também de uma marcha, ela sim imensa, relevante e assombrosa: aquela Marcha com Deus e seus quinhentos mil. Se foi articulada por grupos econômicos, a ditadura se legitimou com essa manifestação popular. Crer numa massa manipulada de forma direta, numa folha em branco escrita por veículos de mídia, é por demais pueril. A Mídia, desde lá, o que faz é insuflar, num mecanismo de retroalimentação, os piores sentimentos,  latentes e  externados, da nossa classe média.  Os rancores, a mesquinharia, o ódio racial e social, o apego a todo tipo de hierarquia social e no quê de feudal da ordem social brasileira, na crença de uma sociedade em que cada qual deveria ocupar o seu lugar simplesmente por ser quem é.  

    Pense-se em Lula. Quanto do que há contra o Sapo Barbudo, o pinguço, não é mais do que a raiva pura, do que o ódio do que ele representa? Como dói, para tantos elementos rancorosos de uma classe média conservadora que o Ex-Presidente, tão fenótipo da pobreza que fosse, pudesse ser Presidente. O quanto agride ao senso de “ cada um tem seu lugar no mundo, segundo sua origem”, que  um nordestino que fala feito o porteiro do prédio  possa ser o presidente da república.  O quanto de racismo, de sentimento de hierarquia social subsvertida, de “ordem   natural das coisas quebrada”, há nos rancores ao ex- Presidente? Não haveria, sim, se ele afinal, numa demonstração de “ superioridade moral” ( bem entre aspas mesmo), assumisse a ideologia da direita, o projeto país, as ideais: ao invés de ajudar os ” vagabundos,  os preguiçosos que não querem trabalhar, esses que querem as coisas gratuitamente”.  Tivesse as ideias de um Paulo Maluf, de um Geraldo Alckmin, o “pinguço” seria um exemplo: um herói, um lutador, um cara que venceu na vida trabalhando desde cedo, que estudou a noite, morou longe, e ainda assim, superando a pobreza, entendeu enfim “ que o certo é lutar por um mundo onde cada pessoa conquiste seu lugar de direito ”. Aí afinal, sua trajetória comprovaria que a solução para os pobres é apenas trabalhar.  Duvidam? Veja-se como tentam colar o mito do vencedor no abjeto Joaquim Barbosa, como fazem dele um exemplo, um cavaleiro alado: ele também, de origem humilde_ mas superior moralmente por defender um projeto país de direita. E que afinal, serve de índice: como serve todo indivíduo em quem se cola o mito do vencedor, ele serve para “provar a inferioridade e indolência de um povo pobre que não se esforça o bastante”.

     A mídia alimenta e se alimenta do perverso, do nocivo, do daninho. Do latente senso estamental e classista de sociedade  onde  o pobre é vitima somente de sua própria incompetência, onde o mito do vencedor  prova essa tese continuamente. Não é por acaso que a esse senso escravocrata presente na classe média brasileira ofenda, agrida, e enoje, que as classes mais pobres agora tenham acesso a direitos, e que esses direitos estejam crescentes nesse momento de tentativa de implantar um rudimento de estado de bem estar social. Simples assim: a desigualdade social brasileira em grande estância é a manifestação material de um sistema de ideias. Se o outro não é igual a mim, porque ele tem de ter os mesmo direitos que eu? Escravocrata? Sim, e muito: que igualdade se poderia ter construído quando eu não acredito que o outro é igual a mim?

    Coisa singela é a versão classe média tupiniquim da meritocracia. A meritocracia à brasileira é assim: assume-se que cada pessoa ocupa o lugar que merece ocupar na sociedade, e que esse é puro fruto de seu empenho e esforço, o que é plenamente justo. Exemplo: “Ué, se o filho da empregada não passa na USP, a culpa é minha? Porque ele não estuda? Meu filho se matou, fez cursinho, inglês, Kumon. Ah, mas ah escola estadual é ruim? E ele se esforça? Tem de estudar mais. Só não venha me falar de cotas”. Enfim, uma crença estranha na meritocracia como uma corrida justa:  não constrange-se de ter condições melhores, superiores, desiguais – o Kumon, o cursinho, o colégio particular versus a escola estadual sucateada. Isso não é privilégio: o menino não é um privilegiado só por ter nascido numa família onde seu pai pôde pagar por essas coisas, afinal “ seu pai trabalhou muito para poder pagar essas coisas”. Assim, a meritocracia tupiniquim  é peculiar:  o mérito do pai explica as facilidades do filho, as justifica. Ué, o filho estuda na escola americana? Mas o pai trabalhou muito para pagar.  Cotas? Não. Cota é privilégio: é injusto, que só por ter nascido pobre, ou estudado numa escola estadual, se dê uma vantagem, essa vantagem faz a competição ser desigual ( ué, mas ela era igual?). Ou numa interpretação mais canalha e sofisticada, “fere a constituição, afinal são todos iguais perante a constituição. “. 

    A mídia não inventou o que de perverso há na nossa classe média. Explora seus sentimentos, os multiplica, se alimenta deles, impregnando a sociedade brasileira de um crescente e caudaloso rio de bile. Não se trate o PT aqui como inocente:  a escolha no PT numa inclusão baseada no consumo, agora mostra respostas. A tal nova classe média, ela é muito diferente do descrito aqui? Não.  Um breve passeio pelas redes sociais revela quão conservadora, reacionária até, é.  Erro do PT? Que o projeto de inclusão social tenha sido através do consumo, sem politizar e conscientizar uma classe média nascente de que ela é uma classe.  Paradoxal  é isso que se vê nas redes sociais: um menino filho de país operários, que agora pode sentar-se diante de um computador com acesso a internet  graças a um processo de inclusão social  que permitiu que sua família consumisse, agora está a lutar e odiar com veemência para derrubar esse projeto. país. 

  15. Na milnha cidade de 200 mil

    Na milnha cidade de 200 mil habitantes dia 15 foi lindo, 8 mil cidadãos e cidadonas de todas as idades e cores verde branco amarelo azul e preto marcharam contra Dilma e PT e a favor do impeachment.. 

    Foi lindo.

     

    1. cidadonas

      no caso da afirmação sua, “dia 15 foi lindo, 8 mil cidadãos e cidadonas” (sic), existe uma explicação plausível para o emprego da palavra “cidadonas”; trata-se de “cidadãs” que provávelmente são também “donas de casa”, logo o emprego da palavra “cidadonas”.

      O português, como todo mundo sabe, assim como o esperanto e o clingon, é uma língua aglutinante,

      saudações cordiais

      PS: se fossem prostitutas seriam cidademos

       

       

  16. Lógica 101

    O protesto do dia 15 só foi difuso porque não havia “capitães do mato ideológicos” tangendo os participantes. Este, por sua vez, também não estavam lá cumprindo tarefas de gincanas para ganhar pontos (ou 30 “contos”) junto aos primeiros.

    Para quem gosta de ordem unida foi mesmo um horror.

  17. Quer dizer que por causa de

    Quer dizer que por causa de uns poucos gatos pingados num universo de 210 mil manifestantes o autor do post já sai mencionando a Lei de Segurança Nacional??? Acho que ele é quem gosta de um autoritarismo, uma ditadura.

  18. Os poucos gatos pingados

    Os poucos gatos pingados discursaram na paulista, nos carros de som. Podem ser poucos, não deu para contar, mas estavam à frente do movimento, e apareceram bastante. O paradoxo lógico é: não há nada mais tolo que reivindicar uma ditadura, democraticamente. Golpes são conspirações subterrâneas e ditaduras são imposições do poder, não são solicitações populares transparentes e democráticas. Bugou geral, como dizem os jovens.

    1. Reinvidicar ditadura?
      O que

      Reinvidicar ditadura?

      O que se tem por parte de alguns e a descrença nas instituições nacionais sendo que a ultima que se tem ainda alguma credibilidade são as forças armadas.

      Eu não concordo que não exista instituições nacionais serias, não esta tudo perdido, mas entendo os que pedem a intervenção militar.

       

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