A proteção do privado que desumaniza o outro

Enviado por Almeida

da Unisinos

A proteção do privado que desumaniza o outro. Entrevista especial com Cecília Coimbra

“As pessoas ficam horrorizadas quando falamos da tortura. Agora, com o neguinho da esquina ninguém se sensibiliza. A tortura não foi feita para a classe média. A tortura foi feita para a pobreza, da mesma forma que a prisão” afirma a professora. 

Questionada sobre a militarização das casas prisionais, a professora Cecília Coimbra, fundadora do Movimento Tortura Nunca Mais, é enfática: “é a militarização da vida”. Ela entende que se vive numa lógica de militarização da vida em sociedade como decorrência de “uma das heranças malditas que a ditadura deixa no Brasil”.

Com o subterfúgio de preservar a integridade e a propriedade particular, instala-se o aparato repressor militarizado. Isto gera um processo de desumanização, em que a população é “produzida para ter medo do outro”. Outro que é, em geral, opobre, o marginalizado. “A sociedade pede isso. É levada a pedir isso. Há um processo competente de produção de corações e mentes, produções de subjetividades, de modos de pensar e estar no mundo que levam as pessoas a achar que essa é a melhor maneira”, explica.

Assim, o sistema carcerário nada mais faz do que repetir um modelo social de repressão. Modelo que tenta vingar a suposta vítima e punir severamente o agressor, gerando medo. O objetivo, segundo Cecília, é que “aqueles que fujam às regras, às leis, às normas, ou seja, os marginais e margilanizados deste sistema que a gente vive, sigam o exemplo disciplinado. Assim, a prisão tem a função social de repressão através do medo — que é a mesma coisa que a tortura fez”, explica.

Na entrevista, concedia por telefone à IHU On-LineCecília destaca que esse aparato repressivo desumanizador é fortemente manifestado na formação dos agentes de segurança. “A hierarquia, todo o juramento de fidelidade nas corporações que participam do aparato repressivo, não é por acaso. Eles são desumanizados, desrespeitados no cotidiano para desumanizarem aqueles seguimentos que não são considerados humanos”, pontua.

Cecília Coimbra é psicóloga, historiadora, fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais, no Rio de Janeiro, e professora na Universidade Federal Fluminense – UFF, vinculada ao programa de Pós-Graduação Estudos da Subjetividade. Formada em História, em 1966, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, também é graduada em Psicologia pela Universidade Gama Filho. É mestre em Psicologia da Educação pela Fundação Getulio Vargas-FGV-Rio, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano na Universidade de São Paulo-USP, onde também realizou pós-doutorado em Ciência Política. Foi militante do Partido Comunista Brasileiro – PCB.

Esteve presa no Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, o DOI-CODI, em 1970, onde também foi torturada. Interessada no nexo que une a psicologia à ditadura, afirma que não se trata de acaso o fato desta ciência e da psicanálise terem se desenvolvido tanto em nosso país no período autoritário. Ex-integrante do Conselho Regional de Psicologia, foi presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.

À frente do Tortura Nunca Mais, trava batalha incessante em nome da verdade e da memória de um período sombrio de nossa história.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Como avalia o Sistema Prisional Brasileiro?

Cecília Coimbra – Totalmente falido. É mais fácil perguntar: “por que ainda continua existindo?”. Se trabalharmos com a visão de Michael Foucault [1], entenderemos por que a prisão emerge. Na história da humanidade, as prisões nem sempre existiram. Porém, elas emergem num determinado ponto da sociedade, capitalista obviamente. E ela tem um papel social importante. Não tem somente o papel de retirar o indivíduo da sociedade, aqueles ditos perigosos e que precisam ser afastados do convívio social. Tem também o papel de dar exemplo. Isso para que aqueles que fujam às regras, às leis, às normas, ou seja, os marginais e marginalizados deste sistema que a gente vive, sigam o exemplo disciplinado.

Assim, a prisão tem a função social de repressão através do medo — que é a mesma coisa que a tortura fez. Por isso faço aqui uma ligação grande entre a prisão e a tortura, sabendo que a tortura é uma prática comum em todas as prisões. Sua fundação principal é a produção de corpos dóceis. É a produção de pessoas que não questionem, produção de pessoas que aceitem passivamente tudo aquilo que deve ser aceito pelo contrato social.

IHU On-Line – Há uma dualidade entre o presídio enquanto aparato de repressão do Estado e a promessa de recuperação das pessoas e reinserção ao convívio em sociedade. Como a senhora vê essa relação? Como convive com essa dualidade? E, de fato, qual a função que os presídios vêm cumprir?

Cecília Coimbra – Está dentro da lógica de que quanto mais você punir, mais você castigar, mais se torna o sujeito ‘bom cidadão’. É a lógica do capitalismo. Porque é a lógica do Estado Capitalista. Assim, a prisão se torna um braço repressivo desse Estado. Se não for a prisão, pode ser qualquer outro equipamento social que produza medo e castigos.

Há um texto de Vera Malaguti Batista [2] em que fala das ilusões do “re”. Ela coloca que não é só a prisão que quer “reeducar” o sujeito, “recuperar” o sujeito. De modo geral, a sociedade e o capitalismo, ou na sociedade de controle, debiopoder, como queira chamar, incentiva o tempo todo essas ilusões. Ou seja, faz pensar que vai reeducar, recuperar e reinserir o sujeito na sociedade. Porém, como ela mesma diz, são “ilusões ‘re’”. Então, os profissionais ligados às áreas humanas e sociais em geral são muito formados nesses mitos e crenças. E reproduzem isso, até mesmo quando muitos vão trabalhar com esses indivíduos ditos perigosos.

Precisamos pensar, questionar, quanto à existência das prisões. As pessoas perguntam se é possível existir uma sociedade sem prisão. Eu sempre digo: não sei. A gente nunca tentou, pois é muito mais fácil a gente reproduzir o que já está feito. Embora questionemos este modelo, as pessoas dizem “não ter outro jeito”. É em cima desse refrão, de que não é possível mudar nada, que se acaba reproduzindo uma lógica que interessa ao Estado. É a lógica que interessa à produção de bons cidadãos.

A grande questão é estar sempre problematizando as coisas. Se não problematizamos, acabamos aceitando tudo como natural. A prisão sempre existiu e sempre vai existir. Não! A prisão nem sempre existiu. Ela emerge em determinado tempo na história da humanidade. Podemos pensar em outras alternativas. Porém, a dificuldade que nós temos de criar e inventar é muito grande. E todos nós temos essa dificuldade. Somos justamente formados, modelados para aceitar o modelo que está em vigor. Pensando assim: “esse é o modelo certo de família, esse é o modelo certo de boa mãe, esse é o modelo certo de bom filho, é o modelo certo de bom professor, de bom psicólogo…”. Assim, são postos os modelitosque você tem de seguir. E quebrar esses modelos é muito difícil. Porque você pode ser visto como uma pessoa que está fora da regra, da norma. É um desafio, para cada um de nós, no cotidiano da vida, e não só sobre a questão prisional, mas de todas as questões institucionais que existem e são sacralizadas, pensar que sempre podemos inventar outra coisa diferente do que sempre existiu.

“O neguinho da esquina pode ser exterminado, preso, torturado e morto, pois ameaça a segurança”

IHU On-Line – Quais são as implicações da militarização do ambiente prisional?

Cecília Coimbra – É a militarização da vida. É óbvio que tem militarização do ambiente prisional, tem militarização onde todos osserviços de repressão servem ao Estado. Percebemos isso nos treinamentos que são dados inclusive para guarda municipal, onde as pessoas passam por tortura. Isso já foi denunciado, todo mundo sabe e ninguém se mete. É um tabu. E, assim, vai-se cada vez mais militarizando a vida.

Há a militarização dos presídios em nome da segurança. A militarização de modo geral, da vida, das polícias, das instituições, das escolas — que estão com polícia militar dentro delas — é feita em nome de nossa segurança. E há algo muito sério que estamos vivendo hoje: em nome de nossa segurança, acabamos aplaudindo medidas repressivas, mais punição, pena de morte — que já existe informalmente. Não é por acaso que Foucault dizia que nós vivemos numa sociedade de segurança, onde tudo gira em torno da tua segurança. E você acaba acreditando nisso. O neguinho da esquina pode ser exterminado, preso, torturado e morto, pois ameaça a segurança. Não é por acaso o aumento de pessoas que aplaudem o extermínio, a tortura, pessoas dizendo que para alguns segmentos isso é necessário.

A população vai engolindo isso. As nossas subjetividades, nossos modos de existir e de estar no mundo, nossos modos de sentir, de perceber e pensar são produzidos por esses meios. Especialmente pelos grandes meios de comunicação de massa, somos produzidos a acreditar que para segurança a vida precisa ser militarizada. As ruas precisam ser militarizadas.

A militarização do presídio, aquele cotidiano de terror a que se é submetido, fora as torturas, é algo que nunca mais se esquece. Quem passa por aquilo ali — e eu passei no período da ditatura — está marcado para o resto da vida. Fora o desrespeito às famílias destas pessoas. A sensação que dá, e eu senti isso, é de que não somos humanos. Certas pessoas não são humanas e podem ser tratadas de forma até pior do que animais peçonhentos. O preso não é humano, e isso já nos diziam na ditadura. E o pobre, e principalmente o negro, que mora em periferia, também não é humano. E aí há algo muito sério e em que acreditamos piamente, que Foucault traz como “dispositivo da periculosidade”: em determinados segmentos sociais, por algo que é dado a eles, há uma essência perversa, perigosa e criminosa. Se essas pessoas ainda não fizeram — cometeram atos de violência —, cuidado. Pois, pela essência criminosa delas, um dia farão.

IHU On-Line – Como se constitui a ideia de “suspeito padrão”? Em que medida se relaciona com a criminalização da pobreza?

Cecília Coimbra – Na nossa época (da ditadura), isso era chamado de inimigo interno, inimigo da pátria. Nós éramos os inimigos da pátria. É a mesma lógica que se aplica hoje à chamada democracia. Há um sociólogo francês que trabalha nos Estados Unidos, Loic Wacquant [3], que escreveu um livro chamado As prisões da Miséria [4]. Ele se dedicou a trabalhar com a criminalização da pobreza, mostrando que as prisões atuais são as prisões da miséria. Fora algumas espetacularizações de prisões de alguns empresários, o que é minoria, podemos perceber que a prisão foi feita mesmo para miseráveis. Wacquant mostra isso através da realidade dos Estados Unidos, de uma experiência do ex-prefeito de Nova Iorque, Rudolph Giuliani [5], e já esteve até no Rio de Janeiro à convite do prefeito Eduardo Paes [6].

Giuliani adota o que Wacquant chama de “política de tolerância zero”. Vai limpar as ruas da cidade, vai tirar esses “perigosos” e esses “marginais” das ruas da cidade. Assim, Wacquant, embora não cite Foucault, vai trabalhando com a “teoria da vidraça quebrada”. Foi o que aconteceu aqui no Brasil durante as manifestações de junho de 2013. Osmeninos foram criminalizados [7], os jovens manifestantes. O que se coloca é isso: se hoje você quebra a vidraça, cuidado. Amanhã, você pode se tornar um terrorista perigoso. A ideia de terrorista aumentou muito depois do atentado aoWorld Trade Center [8], nos Estados Unidos. Assim, a política de tolerância zero vai se ampliando cada vez mais. Principalmente se as pessoas forem negros, pobres e de periferia.

Essa teoria da vidraça quebrada embasa a política de tolerância zero. É a política que está vigendo no Brasil. E a gente aplaude, em função da nossa segurança. E o pior: nós pedimos a repressão. Cada vez mais pedimos a tutela do Estado, pedimos cada vez mais leis duras e repressivas. Por quê? Porque queremos a lei e a ordem. Essa lei e ordem que seria a democracia. Mas, para quem?

“A tortura é sistemática no Brasil”

IHU On-Line – A tortura ainda é prática recorrente nas ações policiais no Brasil, dentro e fora de presídios? É por essa prática que podemos entender o Caso Amarildo [9]?

Cecília Coimbra – São milhares de Amarildos que existem pelo Brasil. Por acaso, Amarildo ficou conhecido porque foi naquele momento da emergência das manifestações de 2013. Agora, e os outros, milhares de desaparecidos, os pobres que não têm visibilidade nenhuma? Não se tem, inclusive, um levantamento de pessoas desaparecidas. É um número altíssimo. A ditadura brasileira deixou essa maldita e perversa figura do desaparecido.

Não tínhamos, na História do Brasil, grande número de desaparecidos por aparatos e mecanismos policiais. Isso surge com a ditadura. É uma das heranças malditas que a ditadura deixa no Brasil. Além da questão dos desaparecimentos, há os casos de autos de resistência. É importante que a gente fale nisso. Os números de autos de resistência nas grandes cidades são altíssimos. Ou seja, você mata e executa o sujeito e depois vai para a delegacia e oficializa: morto ao resistir à prisão. Isso é o auto de resistência.

E tem ainda a tortura. Não ocorre só na prisão. Temos tortura nos manicômios, nos hospitais psiquiátricos, nas chamadas instituições socioeducativas. Aliás, o que é uma piada. Aqueles meninos colocados como infratores vão para estas instituições que de educativas não têm nada. São verdadeiras prisões. Lá, são estuprados, torturados e todo mundo sabe disso. Quando se discute a baixa da maioridade penal, não se percebe que na prática isso já acontece. A tortura é sistemática no Brasil. É endêmica, como diria Paulo Sérgio Pinheiro [10]. As autoridades sabem onde se pratica tortura, quando se pratica tortura. No presídio de Água Santa [11], por exemplo, que é de máxima segurança, tem um dia da semana, que é quando os presos novos chegam, que a tortura é institucionalizada. Os novos presos são recebidos debaixo de tortura.

IHU On-Line – E a que a senhora atribui esse tipo de conduta, a manutenção da tortura como prática policial?

Cecília Coimbra – A sociedade pede isso. É levada a pedir isso. Por tudo isso que falamos até agora. Há um processo competente de produção de corações e mentes, produções de subjetividades, de modos de pensar e estar no mundo que levam as pessoas a achar que essa é a melhor maneira. E o Estado, obviamente, se coloca como o grande árbitro disso tudo — e ele não é — e acaba reafirmando essa conduta para agradar e fortalecer os clamores populares dessa chamada Justiça. A gente sabe de casos, por exemplo, de linchamento. Aqui perto da minha casa, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, um menino foi linchado por um grupo de playboys. Era um negro, mal vestido, que foi amarrado a um poste e linchado.

Esses casos de linchamentos não ocorrem porque a população é má e perversa. Ela é produzida para ter medo do outro. Vemos isso nas telenovelas, está espalhado no mundo. “O que está ao teu lado, cuidado! Pode ser teu inimigo. Não confie em ninguém”. Assim, você vai produzindo uma subjetividade que eu chamaria de “punitivo-paranoica”. Vai produzindo uma paranoia geral, onde todo mundo tem medo de todo mundo. E isso justifica as medidas repressivas, duras. Outro dia, Eduardo Cunha [12] disse que se poderia botar em plebiscito a questão da maioridade penal que obviamente ganharia a ideia de redução. É verdade. Eu me lembrei da época em que o Carlos Lacerda [13] — político representante do conservadorismo — queria colocar em plebiscito a questão da pena de morte. E na época a gente dizia: ganha. Porque a população inteira vai achar que, para sua segurança, a pena de morte tem que estar vigente. Embora extraoficialmente ela já exista.

“Capital e miséria se complementam”

IHU On-Line – A atualização de instrumentos da ditadura, como autos de resistência e os desaparecimentos, acontece por que motivo?

Cecília Coimbra – Tem a ver com o clamor social, mas tem a ver com o capitalismo. Ele só funciona tendo miséria. Capital e miséria se complementam. E os miseráveis são perigosos, assim como a participação política do jovem é perigosa. Essesgarotos [14], 23 manifestantes aqui no Rio de Janeiro, estão sendo crucificados para servirem de exemplo. Um menino ficou preso durante sete meses. E isso não é por acaso, estão sendo tomados como exemplo.

Não podemos esquecer a história do Brasil. Tenta-se escravizar o índio e não se consegue. Então, pega-se o negro. Nossa herança é de mais de 300 anos de escravidão. O escravo não é humano. É uma coisa que você vende e compra. Isso está nas nossas subjetividades. Óbvio que a ditadura acirrou isso. Eu me lembro da Marilena Chauí [15] fazendo uma palestra, em 1985, e falando que os novos perigosos agora não são mais os terroristas ou ativistas políticos. São os pobres na imagem do traficante. Não é dizer que traficante não existe, que não é cruel. Mas você vai produzindo uma crueldade no outro.

IHU On-Line – Como se dá o processo de desumanização dos detentos?

Cecília Coimbra – Os agentes penitenciários, polícias civis e militares, guardas municipais, além daqueles que servem às Forças Armadas, recebem treinamentos onde eles passam por tortura. É onde são produzidos para combater um inimigo que não é humano. Ele é tão perigoso que perde sua humanidade. Eu assisti a isso. Enquanto estive presa doDOI-CODI [16], assistíamos todo dia. Um soldadinho me perguntou: “Mas como? Você tem filho? Comunista não tem filho”. Parece uma pergunta idiota, mas ele não era idiota. O processo vai desumanizando, na medida em que você é desumanizado.

A hierarquia, todo o juramento de fidelidade que a gente vê nas corporações que participam do aparato repressivo, não é por acaso. Eles são desumanizados, desrespeitados no cotidiano para desumanizarem aqueles segmentos que não são considerados humanos. E isso não se fala. A questão da formação é um tabu de todas essas categorias. As pessoas ainda dizem: “Ah, mas a gente dá aula de Direitos Humanos”. Mas de que adianta dar essa “aula”, fazendo com que o cara decore os artigos da Constituição Universal dos Direitos Humanos, quando está sendo torturado diariamente no quartel?

“Direitos Humanos hoje virou mercadoria que se vende a preços bons no mercado”

IHU On-Line – Como analisa os debates em torno dos Direitos Humanos dentro dos presídios, diante de todo esse clamor da sociedade por essa ideia de Justiça, baseado no processo de desumanização?

Cecília Coimbra – Direitos Humanos, hoje, virou mercadoria que se vende a preços bons no mercado. Eu sou militante de Direitos Humanos e faço crítica à forma como a luta é levada. Dizem que temos uma Secretaria de Direitos Humanos, mas de que adianta? Dizem que damos muita aula de Direitos Humanos, mas depende de que Direitos Humanos estamos levando. A expressão Direitos Humanos também emerge com o capitalismo. É filha da Revolução Francesa. Direitos Humanos é o que precisamos colocar em análise, diante de tudo isso que falei até agora. Direitos para quem, cara-pálida? Humanidade para quem? Se formos falar em Direitos Humanos, temos que falar para todos, e não para aqueles que sempre tiveram seus direitos e sua humanidade garantidos, ou seja, as elites e classe média de forma geral.

As pessoas ficam horrorizadas quando falamos da tortura. Agora, com o neguinho da esquina ninguém se sensibiliza. Até porque ele não tem visibilidade e é rotulado de perigoso. A tortura não foi feita para a classe média. A tortura foi feita para a pobreza, da mesma forma que a prisão. Para falar de Direitos Humanos precisamos de muito cuidado. Virou bandeira de governo, de partido político, totalmente esvaziada do que deveria ser. É uma expressão muito vaga para hoje.

Por Leslie Chaves e João Vitor Santos

Notas:

[1] Michel Foucault (1926-1984): filósofo francês. Suas obras, desde a História da Loucura até a História da sexualidade (a qual não pôde completar devido a sua morte) situam-se dentro de uma filosofia do conhecimento. Foucault trata principalmente do tema do poder, rompendo com as concepções clássicas do termo. Em várias edições, a IHU On-Line dedicou matéria de capa a Foucault: edição 119, de 18-10-2004, disponível emhttp://bit.ly/ihuon119; edição 203, de 06-11-2006, disponível em http://bit.ly/ihuon203; edição 364, de 06-06-2011, intitulada ‘História da loucura’ e o discurso racional em debate, disponível em http://bit.ly/ihuon364; edição 343, O (des)governo biopolítico da vida humana, de 13-09-2010, disponível em http://bit.ly/ihuon343, e edição 344, Biopolítica, estado de exceção e vida nua. Um debate, disponível em http://bit.ly/ihuon344. Confira ainda a edição nº 13 dos Cadernos IHU em formação, disponível em http://bit.ly/ihuem13, Michel Foucault. (Nota da IHU On-Line)

[2] BATISTA, Vera Malaguti. Adeus às ilusões “re”. In COIMBRA, C., NASCIMENTO, M. L. & AYRES,
L.S.M. PIVETES – Encontros entre a Psicologia e o Judiciário. Curitiba: Juruá Editora, 2008. Vera Malaguti Batista é mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense, Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Professora de Criminologia, da Universidade Cândido Mendes, e integra o Instituto Carioca de Criminologia. (Nota da IHU On-Line)

[3] Loïc Wacquant (1960): professor de sociologia e pesquisador associado do Institute for Legal Research na Boalt Law School da Universidade da Califórnia, onde é filiado ao Global Metropolitan Studies Program, ao Program in Medical Anthropology, ao Center for the Study of Race and Gender, ao Designated Emphasis in Critical Theory e ao Center for Urban Ethnography. Wacquant também é pesquisador do Centre européen de sociologie et de science politique em Paris. Seus interesses perpassam estudos comparativos sobre marginalidade urbana, dominação étnico-racial, pugilismo, o Estado penal, teoria social e a política da razão. É cofundador da publicação interdisciplinar 
Ethnography, da qual foi coeditor de 2000 a 2008, e apresentou regulares contribuições para o Le Monde Diplomatique de 1996 a 2004. Entre seus projetos atuais estão estudos sobre antropologia do desejo, uma pesquisa epistemológica sobre a construção do objeto da etnografia urbana e um estudo sociológico histórico-comparativo a respeito das formas e mecanismos da dominação racial que perpassa quatro séculos e três continentes, provisoriamente denominado “Peculiar Institutions”. (Nota da IHU On-Line)

[4] WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. (Nota da IHU On-Line)

[5] Rudolph William Louis Giuliani (1944): é um político americano, descendente de imigrantes italianos da região da Toscana, ex-chefe do governo municipal da cidade de Nova Iorque (de 1º de janeiro de 1994 a 31 de dezembro de 2002). Tornou-se famoso por implementar uma política de “tolerância zero” contra criminosos, o que diminuiu sensivelmente as taxas de criminalidade da cidade. (Nota da IHU On-Line)

[6] Eduardo da Costa Paes (1969) advogado, político brasileiro filiado ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e atual prefeito do Rio de Janeiro, cargo que ocupa desde 1º de janeiro de 2009. (Nota da IHU On-Line)

[7] A entrevistada se refere ao grupo de jovens que integravam os Black Blocs na cidade do Rio de Janeiro. Black Bloc é a expressão do inglês black, negro, e bloc, agrupamento de pessoas para uma ação conjunta ou propósito comum. É também o nome dado a uma tática de ação direta, de perfil anarquista, caracterizada pela ação de grupos de afinidade mascarados e vestidos de preto, que se reúnem para protestar em manifestações de rua, utilizando-se da propaganda pela ação para desafiar, em linhas gerais, o Estado e as elites financeiras. Do que se pode apurar, esses grupos são estruturas efêmeras, informais, não hierárquicas e descentralizadas. (Nota da IHU On-Line)

[8] 11 de setembro de 2001: membros do grupo islâmico Al-Qaeda sequestraram quatro aeronaves, fazendo duas colidirem contra as duas torres do World Trade Center, em Manhattan, Nova Iorque, e uma terceira contra o quartel general do departamento de defesa dos Estados Unidos, o Pentágono, na Virgínia, próximo à capital dos Estados Unidos, Washington. O quarto avião sequestrado foi intencionalmente derrubado em um campo próximo a Shanksville, Pensilvânia, após os passageiros enfrentarem os terroristas. Esse foi o primeiro ataque letal de uma força estrangeira em território americano desde a Guerra de 1812. O saldo de mortos aproxima-se de 3 mil pessoas. (Nota da IHU On-Line)

[9] Amarildo de Souza: foi um ajudante de pedreiro que desapareceu desde o dia 14 de julho. Investigações do Ministério Público, que contam com depoimentos, inclusive de policiais militares, indicam que ele foi torturado e assassinado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro. O sítio do Instituto Humanitas Unisinos – IHU publicou material sobre o caso, entre eles, Brasil tem de agir contra violência policial, diz Anistia, publicado nas Notícias do Dia, de 10-08-2013, disponível em http://bit.ly/19btKzK; e Amarildos, onde estão?, publicado nas Notícias do Dia, de 27-08-2013, disponível emhttp://bit.ly/1aNFXqy. (Nota da IHU On-Line)

[10] Paulo Sérgio Pinheiro (1944): diplomata e acadêmico brasileiro. É professor no Watson Institute da Brown University, em Providence, EUA. Dentro da Estrutura da Organização das Nações Unidas, exerceu o cargo de relator especial para a situação dos direitos humanos de Myanmar. Em 2011 foi nomeado Coordenador (Chairman) da Comissão Internacional de Inquérito para a Síria. Foi um dos sete integrantes da Comissão Nacional da Verdade, que apresentou um relatório com a narrativa e as conclusões sobre os crimes cometidos durante a Ditadura Militar.(Nota da IHU On-Line)

[11] Presídio Ary Franco: é considerado porta de entrada do sistema penitenciário do Rio de Janeiro. Foi inaugurado em 1974. Fica localizado na Rua Violeta n°15 no bairro da Água Santa, nas proximidades do pedágio da Linha Amarela. (Nota da IHU On-Line)

[12] Eduardo Cosentino da Cunha (1958): economista, radialista e político brasileiro. Evangélico, é membro da igreja neopentecostal Sara Nossa Terra. Atualmente é deputado federal pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) pelo Rio de Janeiro. Desde 1º de fevereiro de 2015 é presidente da Câmara dos Deputados. (Nota da IHU On-Line)

[13] Carlos Lacerda [Carlos Frederico Werneck de Lacerda] (1914-1977): jornalista e político carioca. Iniciou sua carreira profissional em 1929, escrevendo artigos para o Diário de Notícias, publicados numa seção dirigida por Cecília Meireles. Em inícios de 1934, acadêmico de Direito, aproximou-se da Federação da Juventude Comunista, órgão do PCB. Durante um tempo foi comunista, passando para a extrema-direita, nos anos 1940. Editava o jornal Tribuna da Imprensa. Foi o principal inimigo do presidente Getúlio Vargas. Em 1955, publicou uma série de reportagens denominada A Batalha do Rio, que puxou a favela para a mídia e colocou-a no centro do conflito ideológico, o qual não desaparecera com a simples prescrição jurídica do Partido Comunista, que foi posto na ilegalidade. (Nota da IHU On-Line)

[14] Idem nota 7.

[15] Marilena Chauí: filósofa brasileira reconhecida pela sua ativa participação no contexto do pensamento e política brasileira. (Nota IHU On-Line)

[16] DOI-Codi: sigla de Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna, órgão repressor criado pela ditadura militar brasileira e que funcionava como polícia política, responsável pela prisão e tortura de pessoas contrárias ao regime autoritário. (Nota da IHU On-Line)

Redação

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