Ion de Andrade
Médico epidemiologista e professor universitário
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O terrorismo e o colapso da política externa europeia

Por Ion de Andrade

O terrorismo bestial que eclodiu na França no dia 13 é claramente um ato de guerra do Estado islâmico contra o Ocidente. Essa organização já anunciou ataques futuros nas várias capitais europeias e também na Rússia. Mais do que terrorismo, o que ocorreu é a ação terrorista alçada à condição de escaramuça numa nova guerra de guerrilhas. Não é um ato espasmódico, é a batalha de uma guerra planetária.

Mas o que é o Estado Islâmico? Uma organização “estatal” que surgiu do caos e da desorganização dos Estados nacionais, sobretudo, da Síria e do Iraque.

Que forças estão envolvidas na desorganização e enfraquecimento dos Estados nacionais desses países? A OTAN, com os EUA à frente.

No caso do Iraque, a derrocada do Estado nacional iraquiano produziu o domínio pelas petrolíferas ocidentais dos campos de petróleo do país, desde sempre, o primeiro interesse da guerra. No caso da Síria, o desejo de fazer recuar a presença russa no mediterrâneo e a possibilidade de substituir o gás russo pelas jazidas de gás do Irã e do Cazaquistão, com a construção de um gasoduto atravessando a Síria, fomentaram a estratégia de derrubada do governo de Assad, pró-russo.

As principais potências ocidentais participaram do esforço de treinar e armar os seus novos aliados na Síria.

Contemporaneamente a tudo isso, o governo eleito da Ucrânia foi derrubado e no seu lugar foi estabelecido um novo governo pró-ocidental com presença política de forças oficialmente neonazistas.

A estabilização do front ucraniano, mais pela ação russa do que da OTAN, poupou a Europa de outra catástrofe humanitária, que teria gerado milhões de deslocados para a Polônia e Alemanha.

Grande surpresa, (que repete o ocorrido com a Al-Qaeda) os aliados sírios do ocidente se mostraram “desleais”, voltando-se contra tudo e contra todos, inclusive contra os países que os haviam financiado.

Até anteontem a Rússia vinha sofrendo críticas por estar atacando os grupos de oposição moderada a Assad…

Não quero fazer a apologia da política externa russa, nem criar um universo falso de bons e maus, mas no caos em que vivemos, a força ordenadora que permite uma plataforma compreensível para as tratativas diplomáticas, políticas e militares, é a defesa (legítima) dos interesses nacionais. É isso que permite à Rússia a maestria e a legitimidade do negociar e do agir no cenário internacional.

No que toca aos EUA o fomento ao caos me parece compatível com o declínio que a história lhes impõe, razão porque há coerência na sua ação política, onde desempenham papel instabilizador da nova ordem que acentua o seu declínio.

Recentemente os EUA assumiram oficialmente protagonismo na derrubada do governo pró-russo da Ucrânia.

O problema que emerge junto com o terrorismo na Europa, fenômeno que pode ter longa duração, é o fato de que ele abate países que deixaram de ter protagonismo claro na defesa dos seus interesses nacionais e que apesar da pujança econômica e da história imperial entregaram o seu futuro à condução estratégica dos EUA, país situado confortavelmente do outro lado do Atlântico, à margem da crise humanitária gerada pela guerra e em boa medida do terrorismo que a ela está associado.

A ação da política externa da Europa tornou-se espasmódica e caudatária dos EUA.

Se a Europa tivesse uma ação mais afirmativa no plano da política externa, como tem a Rússia, teríamos um jogo mais inteligível e previsível, onde, ao menos, a política, a diplomacia e a guerra estariam a serviço da estabilidade e de novos acordos entre diversos. Mas a Europa sequer teve peso para argumentar sobre a necessidade para si da estabilidade do Oriente Médio. Embarcou na proposta guerreira, armou a oposição a Assad e colheu, por óbvio ululante, a crise humanitária e o terrorismo.

Mundo de perplexidades, o que qualquer observador atual da cena internacional ou historiador futuro deverão perguntar, sem qualquer juízo de valor sobre a política americana,  é: Como é possível que a Europa tenha se deixado conduzir ao caos atual seguindo cegamente a política externa de um país situado do outro lado do Atlântico?

A dura verdade é a seguinte: Se a Europa não recobrar o seu protagonismo na defesa de curto, médio e longo prazo dos seus próprios interesses nacionais e continuar caudatária da política externa dos EUA estará condenada ao caos e à barbárie, pois nada mais será do que um para-choque de interesses externos.

Hollande prometeu acabar com o Estado Islâmico, não tem outra alternativa. Deve prometer,  interiormenete ao menos, um Novo Protagonismo para a Europa que ajude a criar um mundo mais seguro e multipolar.

Ion de Andrade

Médico epidemiologista e professor universitário

7 Comentários

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  1. Colonialismo, guerras de

    Colonialismo, guerras de conquista, violência e fanatismo religioso, combustíveis do terrorismo jihadista.

    Quando, em maio de 2003, ouvi pelo rádio o discurso do Sr. Bush com aquela sua voz fanhosa e irritante anunciar que os EUA invadiriam o Iraque, pensei com meus botões que aquela guerra de conquista e destruição não resultaria em nada de positivo para a humanidade, apesar de todos os argumentos repetidos, ad nausean, de que o presidente iraquiano era um ditador assassino e violento, que o Iraque possuía armas de destruição em massa, razões que, segundo os falcões republicanos dos EUA, justificariam a invasão de uma nação soberana para remover o seu governante do poder.

    Parecia claro que aquela guerra, para além da sua própria estupidez, se transformaria no álibi para os fanáticos religiosos seguidores do Islã estrilarem o argumento da vingança e espalharem a Jihad terrorista pelo mundo.

    O motor da história está a nos mostrar que a invasão do Afeganistão, a terrível guerra do Iraque e mais recentemente a anarquização da Líbia produziram, como efeito colateral, a formação do mais violento e sanguinário grupo terrorista da história. Os Mujahidins do ISIS, grupo terrorista fundado no Iraque em 2006, são violentos assassinos, praticantes de uma assustadora distopia baseada em princípios religiosos claramente anti-humanos (donde já se viu chamar de sagradas ordenanças que pregam a destruição do outro que não adere à sua religião) planejam implantar uma teocracia sanguinária e destrutiva, restaurando o califado medieval, com pretensões universalistas que ameaça toda a humanidade nesse momento.

    Ameaça à humanidade?! Ora, os ataques, além de Paris, atingiram Ancara, Beirute e os passageiros de um avião russo nos últimos trinta dias, embora a comoção eurocentrista tenha sido muito maiorm dada a coberutra enviesada da mída ocidental.

    As potências ocidentais fazem o jogo bruto do poder e não têm pudores em dissimular seus reais interesses em liturgia da defesa da liberdade e da democracia, o oriente médio, berço da civilização humana (sumérios, acadianos, assírios, babilônicos,  judeus e aráqbes) sofre secularmente as consequências do jogo duro e inescrupuloso dos estados nacionais que disputam a hegemonia global e que pretendem o controle da arena geopolítica mundial (vejam a disputa entre a Rússia e os EUA na Síria atualmente, cada um se posicionando para defender seus próprios objetivos).

    Ali estão as maiores reservas do ouro negro, o petróleo, mas também é o front divisório da Eurásia e onde são testadas, na prática, os colossos de guerra das grandes potências, seus poderosos aviões de caça, suas bombas convencionais de última geração, seus drones e mísseis ultramodernos e onde seus pilotos e soldados são testados no teatro de guerra. Enfim, não se pode negar que o oriente médio tem sido uma região cobaia das guerras, enquanto o frágil equilíbrio geopolítico é mantido com alianças com estados como a Arábia Saudita, uma ditadura primitiva e violenta que não tem eleições, liberdades civis, além de perseguir seus cidadãos críticos e principalmente as mulheres, mas, afinal, o país do Golfo Pérsico tem as maiores reservas de petróleo do mundo, que importa a democracia nestas condições?

    A opressão das grandes potências à região apresenta um roteiro exaustivamente conhecido desde sempre, o colonialismo secular, as alianças de ocasião, as intervenções bélicas para garantir suprimentos petrolíferos, a guerras de conquista, as invasões armadas com massacres populacionais (como no Iraque, onde morreram mais de 150.000 pessoas), tudo isso garante a perpetuação do combustível que move em termos definitivos o terrorismo internacional: o fanatismo religioso, fundado na religião islâmica, como resistência ao “inimigo”.

    Eis o modelo: A teocratização dos governos, a aplicação dos princípios de direito mulçumano – a Sharia – para administrar países, a política de estado como arena de imposição da religião, algo impensável no mundo moderno, com a perpetuação de extravagâncias como obrigar mulheres a usar vestimentas que cobrem todo o corpo, mostrando apenas o contorno dos olhos (como no Afeganistão, Ásia Central) e, suprema ameaça internacional, a ideologia fundamentalista da Jihad praticada por grupos terroristas que interpretam em termos literais textos do alcorão e querem disseminar o seu modus vivendi mulçumano para o resto da humanidade.

    A história tem mostrado há mais de um século a receita que eterniza o drama do oriente médio e que, a partir do século vinte, fomenta o terrorismo: colonialismo, guerras de conquista, dominação das grandes potências, violência e fanatismo religioso, combustíveis do terrorismo Jihadista que agora ameaça o mundo e move mais uma vez as grandes potências bélicas para mais uma guerra territorial.

  2. Mais claro e direto

    Mais claro e direto impossivel, caro Ion. E ainda digo mais, a França não tem outra alternativa senão tampar o nariz e trabalhar com a Rússia para recompor o poder do Assad. Tipo “esquecer os massacres de civis”. E convencer o Obama, “quer ele queira ou não”, a confomar-se com isso

  3. ontem e hoje
    Gosto muito de ler livros de Historia.
    Lá aprendi que não existiu imperio que não tenha sido erguido com as armas. Manteve-se pelas armas e decaiu pelas armas.

    A Europa, Russia E EUA sabem disso.

    O que ocorre hoje é a repetição da historia com novos protagonistas.

  4. A coisa é ainda mais grave!

    À primeira vista, a estratégia do ISIS parece não fazer nehum sentido. Se eles querem se estabelecer como um estado muçulmano, deveriam se comportar com um estado, e não como terroristas assassinos, que matam inocentes e estupram crianças, destroem tudo e exatamente em frente às câmeras, que muitas vezes são deles mesmos. No médio prazo, isso não vai gerar reconhecimento, mas sim repúdio, fazendo com que os países se unam contra eles, e o mais importante, contra os muçulmanos.

    Mas se você elaborar um pouco mais a estratégia, o contexto muda um pouco: os ataques na Europa vão gerar uma onda de ódio contra os refugiados, e principalmente contra os muçulmanos em geral, e os refugiados vão pagar o pato, sendo tratados como terroristas. Os países vão se unir e atacar o ISIS, e a sua resposta será conclamar todos os países muçulmanos a se juntarem contra o inimigo comum que quer destruí-los – e temos então a gerra santa tão pregada por eles há muitos anos, unindo todos os muçulmanos contra o ocidente.

    Essa estratégia está funcionando perfeitamente até agora. A fronteiras dos países do oriente médio estão se desfazendo, e os países ocidentais incentivando e armando mais grupos para gerar ainda mais guerra, que é o objetivo final deles. Com isso, a revolta da população local aumenta, e aumenta também a quantidade de recrutas à disposição deles.

    A solução para este problema é não aceitar a estratégia deles, fortalecer as instituições e países locais, mesmo que sejam autoritários, como o Assad, e levar a paz novamente para a região, resolvendo o problema dos refugiados. Sem caos, não existe motivo para uma guerra santa, e os recrutadores deles vão ficar falando sozinhos nas praças.

    A Rússia parece entender esse estratégia, mas está difícil do resto do mundo perceber. Ontem a França mandou um porta aviões para o Mediterrâneo, para bombardear o ISIS, ou seja, invadiu o espaço aéreo da Síria, sem autorização do pais, e bombardeou alvos que teoricamente são do ISIS, mas que com certeza também mataram muitos inocentes. Tudo isso em nome de uma “resposta imediata” aos atentados. Com isso, aumentaram ainda mais a revolta da população local, mostrando que o ocidente não respeita as leis internacionais e que não dá a mínima para a população.

    Parece que a estratégia deles está de vento em popa.

     

     

  5. Há duas coisas que não tem

    Há duas coisas que não tem sido ditas.

    A primeira é que a guerra e o terrorismo são fenômenos semelhantes que produzem coisas semelhantes: destruição, mutilação e morte. A única diferença entre ambos é a escala das ações violentas: a guerra é o terrorismo em larga escala.

    A segunda é que só há paz quando existe possibilidade de negociação justas entre as partes beligerantes. O problema surge quando uma das parte não reconhece a outra como “parte beligerante”. É exatamente isto que ocorre quando Estados enfrentam terroristas.

    Durante a ocupação da França, os nazistas alemães chamavam os membros da resistência francesa de “terroristas”. Em razão disto, os membros do III Reich não negociavam com seus inimigos franceses exatamente como os franceses não querem agora negociar com os terroristas do Estado Islâmico.

    Não há paz possível quando uma das partes é deslegitimada e automaticamente excluída de negociações. Nestes casos só guerra por tempo indeterminado e, eventualmente interrompida. Desde antes de  2001 os Estados ocidentais, em razão de suas políticas equivocadas e violentas no Oriente Médio, criam terroristas e os destroem. Então os filhos e netos destes terroristas mortos, mais empobrecidos e marginalizados do que seus antepassados, irão praticar violências organizadas e serão novamente exterminados deixando sementinhas que irão crescer e se revoltar.

    Onde uma das partes é automaticamente deslegitimada não há possibilidade de paz, apenas a lógica de extermínio. E esta, meus caros, interessa muitos àqueles que querem vender armamentos para os Estados permanentemente em guerra. 

  6. é  claro  e  evidente que  o

    é  claro  e  evidente que  o  atentado  na  França  é uma   resposta  a toda a  Europa  por  ter  se  alinhado  aos  EUA, A  Europa  passou  a  ser  um  instrumento  nas  maos  das  forças  armadas americanas  e  isso  vem  o  odio  dos  terroristas contra  a  Europa. Ninguem se  engane  que  esses  atentados  nao possam ocorrer  em  outros  países  Europeus  porque  vai  cair  do  cavalo. pode  sim. Infelizmente a  frança  é um  país  vulneravel. e  seus  governantes  parece que   sao coniventes  com  os  terroristas. Digo  isso  porque  nao faz  muito  tempo  o  ao  Charlie  Hebdo  e  simplesmente   menos  de  1  ano do  atentado  as autoridades  francesas  esqueceram e  os  terrorista  entraram  no país  numa boa,.  e  dessa vez nao foram  4  ou  8 pessoas  foram  mais de  120  e o  pior  pessoas  inocentes  que nao tem nada  a ver  com  a  historia. porque  se pelos  menos  eles  explodisse o  carro de Hollander  e  outros  menos  mal  porque  eles  estao na politica  fazendo  suas  guerrinhas  e  atacando  o  EI.  Mais  so o que  vimos  foi  pessoas  civis  sendo  assassinadas  e esses  politiqueiros  de  merda  querendo  mandar no  mundo  com a  sua  tal   NOVA  ORDEM MUNDIAL.  Se  esses  terroristas  sao  um  mal  que  se tem  que  debelar  por  outro  lado  eles  sao  tambem  um freio  a  essa  tal  nova  ordem  mundial, que  vem  com o sentido de  escravizar  e  dominar  os  países  pobres  que nao tem como se  defender.

    Nem  me  passa na cabeça  defender  terroristas  mais   tambem  nao me  passa  na  cabeça  defender  esses tais  defensores  hipocritas  da  TAL  NOVA ORDEM MUNDIAL  LIDERADOS  PELOS  EUA com  sua  sede  de poder    

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