92 anos de Sérgio Stanislaw Ponte Porto Preta

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Enviado por Mara L. Baraúna

Sérgio Marcus Rangel Porto (Rio de Janeiro, 11 de janeiro de 1923 — 30 de setembro de 1968)

Filho de Américo Pereira da Silva Porto e de D. Dulce Julieta Rangel Porto, Sérgio Marcos Rangel Porto nasceu numa casa de Copacabana, na Rua Leopoldo Miguez, 53, e lá continuou morando depois que a casa foi substituída por um edifício.

Menino de peladas na praia, pegava no gol e tinha o apelido de Bolão. Por chutar bola dentro da sala de aula, foi expulso do Colégio Mallet Soares, onde fez o primário.

Mais taludo, sempre no gol, foi várias vezes campeão da areia, ao lado de Heleno de Freitas, o craque, Sandro Moreira, João Saldanha, três botafoguenses de temperamento. Mas Sérgio sempre foi do Fluminense, onde jogou basquete e voleibol. Nos últimos anos praticamente só comparecia ao Maracanã nos jogos do tricolor. Só durante os 90 minutos do jogo do seu time (ou da seleção brasileira) ele perdia totalmente a graça, de rosto afogueado e unha do indicador entre os dentes.

O estudante de Arquitetura não passou do terceiro ano, depois do ginásio no Ottati e pré-vestibular no Juruena. Entrou para o Banco do Brasil e começou a beliscar no jornalismo, escrevendo crítica de cinema no Jornal do Povo, onde ficava de ouvido atento às piadas do Barão de Itararé, dono do jornal.

Sérgio Porto foi o grande precursor da sátira, da irreverência e do deboche. Era um reconhecido criador de tipos populares e frasista nato

Ao escrever crônicas para a imprensa carioca imaginou parodiar o nome do personagem título do romance Serafim Ponte Grande, personagem satírico de Oswald de Andrade.  Mas, advertido de que o autor  pudesse não gostar, resolveria trocar para Stanislaw. A partir daí, com o ilustrador Tomás Santa Rosa, deixaria de assinar Sérgio Porto, fixando-se em Stanislaw Ponte Preta nos livros publicados e na sua vasta produção de crônicas em jornais como a Tribuna da Imprensa, Diário da Noite e Última Hora e nas revistas Manchete, Fatos & Fotos e O Cruzeiro.

Uma comprovação de que as crônicas de Sérgio Porto apresentam grande apelo popular é a ligação das mesmas com o que Stanislaw Ponte Preta denomina de “Pretapress”, para ele uma agência informativa. Nesse espaço, são divulgadas as cartas de leitores das mais diversas partes do país, cujo conteúdo é quase sempre relativo à situação política, apresentando denúncias do comportamento das autoridades eou comentários jocosos sobre situações inusitadas ocorridas, como a determinação do Secretário da Segurança de Minas Gerais na época, José Monteiro de Castro, proibindo as mulheres de se exibirem com pernas de fora em bailes carnavalescos. Fato que, para o leitor informante, deveria figurar no festival de besteiras que assolava o país.

Caso especial na história do humorismo brasileiro, apesar da popularidade do heterônimo, seus leitores sabiam que Stanislaw era Sérgio Porto. Ele administrou, simultaneamente, duas carreiras. Como Stanislaw, Sérgio parodiava os colunistas sociais, que faziam tanto sucesso nas décadas de 1950 e 1960, principalmente Ibrahim Sued, que para ele representava o colunismo à antiga, frívolo e irresponsável.

Ele se propôs a  fazer uma coluna “diferente” e começou a apresentar questões culturais, opiniões políticas, situações do subúrbio – e humor, muito humor. Aos poucos, foi inventando personagens que representavam as contradições do Rio de Janeiro e do Brasil. Elas foram ganhando vida própria, a coluna foi tomando forma de crônica e se tornou um dos maiores sucessos da história da imprensa nacional. O cronista lírico, sem deixar de ser engraçado, do início de sua carreira, foi aos poucos desaparecendo, deixando lugar para o hilariante clã dos Ponte Preta: Tia Zulmira (uma velha senhora, sábia, com um conhecimento de mundo amplo e que explicava o inexplicável), Primo Altamirando (cínico e gozador), Rosamundo e Bonifácio Ponte Preta (o patriota da família), moradores de um casarão suburbano na Boca do Mato.

 

Aos poucos, Stanislaw ficou tão conhecido do grande público que ganhou autonomia literária. Sérgio não se fez de rogado: a maioria de seus livros levou a assinatura de Stanislaw. O próprio autor brincava com isso, dizendo que Stanislaw era “incomparável”, de tão “petulante”, “perspicaz” e “criativo”. Sérgio costumava dizer que Stanislaw roubara todos os seus empregos.

Em 1954, o jornalista Jacinto de Thormes publicou na revista Manchete a lista das “Mulheres Mais Bem Vestidas do Ano”. Stanislaw, que escrevia na mesma revista sobre teatro-rebolado, não quis ficar por baixo e inventou a lista das “Mulheres Mais Bem Despidas do Ano”. Com a grita das mães das vedetes, passou a usar uma expressão ouvida de seu pai — “Olha só que moça mais certa” — e estavam, assim, criadas as “certinhas” do Lalau. De 1954 a 1968 foram 142 as selecionadas.

Uma das muitas contribuições de Sérgio Porto, sobrinho do crítico musical Lúcio Rangel, foi a recuperação para a vida artística de um sambista do porte de Cartola. Cartola, para não morrer de fome, acabara por se tornar lavador de carros em um estacionamento em Ipanema, no Rio de Janeiro, em 1956. Quis o acaso que ao passar pelo local o reconhecesse e o trouxesse de volta para o samba, para grande enriquecimento de nosso patrimônio cultural.

O jornalista tentou reintegrá-lo ao ambiente musical, decidiu ajudá-lo, começando por divulgar a redescoberta, que fizera do sambista. Àquela altura, Cartola era dado como desaparecido ou mesmo morto por muitos de seus conhecidos e admiradores. O reencontro com o jornalista foi definitivo para a retomada de sua carreira como músico e compositor.

Escreveu seu primeiro livro de crônicas, O Homem ao Lado, publicado em 1958 pela Livraria José Olympio. São textos escritos para o jornal Diário Carioca e a revista Manchete,  que agora reaparecem editado pela Companhia das Letras.

Em 1959, trabalhando feito louco, teve seu primeiro enfarte aos 36 anos.

Além das atividades jornalísticas, Sérgio atuou como redator de programas humorísticos, tanto no rádio e televisão, quanto no teatro, na década de 60. Entre estas participações se destacam os shows escritos juntamente com Nestor do Holanda e Antonio Maria para atores cômicos como Ronald Golias e Chico Anísio, que então iniciavam suas carreiras na televisão. O mais famoso desses shows foi, certamente, Times Square, na TV Rio. Discorria sobre Louis Armstrong e organizava shows de Aracy de Almeida. Escrevia com lirismo sobre a desfiguração de Copacabana e era de uma implicância inenarrável – tão boba quanto divertida – ao falar de Niterói, onde segundo ele “galinha cisca pra frente” e “urubu voa de costas”

É pioneira a presença do cronista Sérgio Porto, por meio de Stanislaw Ponte Preta, nas páginas esportivas da imprensa brasileira. Em Bola na rede : a batalha do bi estão suas crônicas escritas sobre a Copa do Mundo de 1962, disputada no Chile, e Stanislaw refere que era contratado por vários jornais: “Estas páginas vêm sendo escritas no correr dos jogos mesmo. A pressa em remetê-las para o Brasil e a obrigação de escrever para vários jornais, me obriga a isto”.

Descobriu Maria Rosa Canellas, em 1963, e a apresentou a Baden Powell e Aloysio de Oliveira, na boate Au Bon Gourmet. Deu a ela o nome de Rosinha de Valença, esclarecendo: “Elogiar Rosinha eu não posso, sou padrinho da moça. Quando ela chegou ao Rio, vinda de Valença, fui eu quem a levou, pela primeira vez, para se apresentar em público. O sucesso foi enorme. Escolhi nesse dia o seu nome de Rosinha de Valença porque achei que ela toca por uma cidade inteira”.

Foi com seu Festival de Besteira que Assola o País — FEBEAPÁ, que ele alcançou seu grande sucesso. Impressionado com a truculência da nova situação, mas ao mesmo tempo tolhido pela censura, iniciou um inteligente processo de noticiar as agruras do povo brasileiro sob o novo regime. Com esse recurso em que ficava implícita sua desaprovação ao regime militar, Stanislaw noticiava e comentava com seu estilo cáustico os desmandos das novas autoridades. Sob esse título publicou três livros, entre 1964 e 1968, lançado em plena vigência da Redentora, apelido do golpe militar de 1964, além de centenas de crônicas.

Stanislaw afirmava ser difícil precisar o dia em que as besteiras começaram a assolar o Brasil, mas disse ter notado um alastramento desse festival depois que uma inspetora de ensino no interior de São Paulo, portanto uma senhora de nível intelectual mais elevado pouquinha coisa, ao saber que o filho tirara zero numa prova de matemática, embora sabendo tratar-se de um debilóide, não vacilou em apontar às autoridades o professor da criança como perigoso agente comunista.

A partir de 1966, convidado por Ricardo Cravo Albin, primeiro diretor do Museu da Imagem e de Som, ocupou uma das 40 cadeiras de fundador e membro efetivo do Conselho Superior da Música Popular Brasileira, que escolhia os prêmios Golfinho de Ouro e Estácio de Sá, votados pelo MIS e outorgado pelo governo do Estado.

Em 1968, Stanislaw escreveu O Samba do Crioulo Doido, como parte de um quadro do Show Pussy Pussy Cats, produzido por Carlos Machado.  A música é sobre a tradição brasileira de se fazer enredos de escolas de samba com temas históricos, exaltando figuras ou fatos considerados importantes para a memória nacional.

A música ficou tão conhecida que foi feito o Show do Crioulo Doido, também de l968, com a participação do Quarteto em Cy e o próprio autor. Ele explicava à platéia as intenções que o levaram a fazer a música: “A minha idéia inicial era fazer uma crítica ao Departamento de Turismo da Guanabara que obriga as escolas de samba a desfilarem só com músicas inspiradas em fatos históricos. É um samba de potresto, isso não vou negar. Porque é difícil encaixar nomes, datas e acontecimentos passados dentro de uma melodia.

Sérgio morreu nesse mesmo ano de 1968, em 30 de setembro, com apenas 45 anos. O escritor sofreu um fulminante ataque cardíaco, cerca de dois meses antes da decretação do tenebroso AI-5. 

Ao contrário do que parecia ser — um cara folgado, brincalhão, gozador e pouco chegado ao trabalho, Sérgio Porto, por suas inúmeras atribuições, era um lutador. Nos últimos anos de vida tinha uma jornada nunca inferior a 15 horas de trabalho por dia. “Só estou levantando o olho da máquina de escrever pra botar colírio”.

Foi casado com Dirce Pimentel de Araújo, com quem teve três filhas: Gisela, Ângela e Solange.

Em uma crônica do final de 1970, Millôr Fernandes considerou Sérgio Porto o patrono do Pasquim.  Para o cronista, “Sérgio Porto, ao desaparecer jovem, seria um ícone operário de intelectual, sem prejuízo da contradição: era como quase todos os humoristas brasileiros, um terrível trabalhador braçal”

Espaço Cultural Sérgio Porto – “em homenagem aquele que encarnou, quer sob o heterônimo Stanislaw Ponte Preta, quer sob seu próprio nome, a imagem do carioca típico, do homem afável e mordaz, flatteur e político – inaugurado em 21 de outubro de 1986, propõe a revitalização do viver civilizado do Rio”.

Em 2001 o musical Tia Zulmira e nós estreou no CCBB 

Em 2008, foi lançado no Espaço Cultural Sérgio Porto o livro Revista do Lalau, uma reunião de inéditos e dispersos organizada por Luís Pimentel. No livro estão incluídas a Pequena história do jazz, um roteiro nonsense com o título de Flit contra Dr. Nó e o primeiro capítulo de um romance que ele deixou inacabado, além de outros textos. 

Por mais brilhante que tenha sido naquilo que escrevia quando baixava o Stanislaw, Sérgio Porto era em primeiro lugar um sujeito cujos interesses não cabiam em nicho nenhum. Foi jornalista, crítico, cronista, historiador, radialista, teatrólogo, apresentador de televisão e compositor. Sem dúvida, deixou sua marca.

Fontes:

Sérgio Porto no Dicionário Cravo Albin 

Stanislaw Ponte Preta na Enciclopédia Itaú Cultural 

As certinhas do Lalau 

A cidade “ao rés do chão”: os cariocas por Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta, por Cláudia Mesquita 

O fabuloso Stanislaw Ponte Preta, por Lu Gomes  

O futebol e o riso na voz de Stanislaw: a tradição lúdica nas crônicas esportivas de Sérgio Porto, por Regina Helena Pires de Brito  

Meu amigo Sérgio Porto, por Paulo Mendes Campos

“Miss Campeonato”: mistura de futebol e mulheres existe desde 1957, por Marcelo Duarte

A moral e o humor carioca de Sérgio Porto, por Leonardo Magalhães Gomes 

O nosso eterno Festival de besteira que assola o país, por Fernando do Valle 

Um novo Espaço Sérgio Porto no Humaitá

O Samba do Crioulo Doido: a carnavalização do samba-enredo e da História oficial do Brasil, pela Dra. Dislane Zerbinatti Moraes

O satírico nas crônicas de Stanislaw Ponte Preta, por João Batista Ernesto de Moraes     

Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta, por Literatura na Arquibancada 

Sérgio Porto e As Cariocas 

Sérgio Porto sem seu ‘heterônimo’, por Alvaro Costa e Silva

Stanislaw Ponte Preta — 46 anos sem Sérgio Porto  

Stanislaw Ponte Preta, humorista contra a ditadura, por Urariano Mota 

Biografias:

Renato Sérgio escreveu Dupla exposição: Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta

Claudia Mesquita escreveu De Copacabana à Boca do Mato – O Rio de Janeiro de Sérgio Porto e Stanislaw Ponte Preta

Vídeos:

https://www.youtube.com/watch?v=lUIogL_xS7g]

https://www.youtube.com/watch?v=–kTPjk0upo]

https://www.youtube.com/watch?v=SLaRqoRTbVs]

https://www.youtube.com/watch?v=znlxkFLRgQk]

https://www.youtube.com/watch?v=CFxP-9kAVeo]

https://www.youtube.com/watch?v=P8EgacjTL3A

[video:https://www.youtube.com/watch?v=Uv58w9JiELI

[video:https://www.youtube.com/watch?v=Tsj5IikWmjo

[video: https://www.youtube.com/watch?v=ck2J0bFrNak

[video:https://www.youtube.com/watch?v=Qe0cczhopbo

[video:https://www.youtube.com/watch?v=rplAfceAXos

 

 

 

 

 

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

7 Comentários

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  1. Não está indo pro FB

    Olá!! Desde ontem a notícia daqui vai pro FB apenas com “https://jornalggn.com.br/” sem aparecer nem o título, nem a foto! Dá pra solucionar isso?

    Obrigada,

    Abraços

    Mara Baraúna

  2. o febeapá deveriacvoltar, mas

    o febeapá deveriacvoltar, mas não teria, claro,

    o estilo gozador do stanislaw, que influenciou a muitos,

    inclusive o pessoal do pasquim…. 

  3. Stanislaw Ponte Preta

    Mara,

    Escolha melhor, impossível.

    Falar sobre Sergio Porto é chover no molhado, parece que ainda está por aqui. Agora, por exemplo, acabo de saber que ele tirou Cartola do buraco em que se encontrava.

    Como costumo escrever no blog, se SPPreta ainda estivesse vivo já seriam mais de cem edições de Febeapá – possivelmente teriam sido criadas edições personalizadas, por exemplo para Alvaro Dias, Agripino Maia, agora o mineirim aecioporto e seus comparsas, etc…

    Daqueles que melhor encarnou a expressão carioca da gema, SPorto deve ter sido um dos poucos eméritos gozadores e aparente boa vida que trabalhava como louco, personagem insubstituível. 

    Um abraço

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