A falta de regulamentação das propagandas de cerveja

Enviado por Felis

Da Carta Capital

Propagandas de cerveja: a ressaca da Copa

Uma vez mais, convidamos o Instituto Alana, parceiro do Intervozes, pra tratar de um tema fundamental no debate sobre o setor midiático no país e que, não coincidentemente, segue silenciado: o excesso das propagandas de cerveja nos meios de comunicação de massa.

Por Renato Godoy*

As marcas de cerveja contracenaram com os protagonistas do maior evento esportivo do mundo sob o olhar atento de crianças e jovens. Lojas da Budweiser, abertas a todas as idades, ostentavam um amplo telão nos aeroportos das cidades-sede da Copa do Mundo da Fifa. O solo da Granja Comary, centro de treinamento da seleção brasileira, também foi utilizado para plantar cevada de uma edição especial da Brahma, anunciada pelo então popular Luiz Felipe Scolari.

O estádio com a maior média de gols da Copa foi o da Arena Itaipava, em Salvador. A cervejaria carioca também dá nome ao estádio que recebeu os jogos em Recife. A cada seleção em campo, diferentes marcas de cerveja despontavam nas placas ao redor do gramado. Quilmes para os argentinos, Beck’s para os alemães, Brahma para os brasileiros, Jupiler para belgas e holandeses e Budweiser para as demais praças. Todas pertencentes ao grupo AB Inbev, maior conglomerado do setor de bebidas do mundo, que controla 14% do mercado global de cerveja.

Ao serem filmados nas arquibancadas das arenas da Copa, torcedores exibiam copos de Budweiser ou Brahma, customizados para cada um dos 64 duelos da Copa do Mundo. A venda da bebida no interior dos estádios foi uma das exceções concedidas à Fifa por meio da Lei Geral da Copa.

Nos intervalos das partidas e ao longo de toda a programação televisiva, as demais cervejarias associavam suas marcas à paixão pelo futebol, disseminando valores, no mínimo, questionáveis, como já foi muito bem debatido neste mesmo blog.

Esse esforço publicitário que visa relacionar o esporte preferido dos brasileiros ao consumo de cerveja parece ser bem sucedido: um levantamento recente do Ibopemostrou que, entre aqueles que se declaram “superfãs” do esporte, 62% haviam consumido a bebida nos sete dias que antecederam a pesquisa, aplicada durante o torneio.

Regulamentação

O debate relacionando Copa e cerveja teve destaque durante o torneio. Mas o cerne da discussão se deu em torno de eventuais restrições à venda da bebida no interior dos estádios, como forma de prevenir a violência. Antes do torneio, o secretário-geral da Fifa Jerome Valcke defendeu a comercialização da bebida com a argumentação de que “cerveja não é vodca”. Com o temor de que as rivalidades misturadas com álcool ocasionassem brigas, o mesmo Valcke chegou a admitir a possibilidade de suspender a venda durante os jogos.

Porém, mais do que discutir se o consumo de álcool dentro dos estádios provoca violência, é necessário voltar a debater a liberalidade da qual as empresas do setor gozam no Brasil para anunciar seus produtos em qualquer local e horário. As altas doses diárias de comerciais de cerveja na programação televisiva e em demais comunicações mercadológicas não são uma exceção aberta ao torneio promovido pela Fifa, mas algo permitido pela legislação brasileira, que, incrivelmente, não inclui a cerveja no rol de bebidas alcoólicas.

Fruto de um pesado lobby do setor, a legislação brasileira determina que, para fins de propaganda comercial, somente são consideradas bebidas alcoólicas aquelas com graduação superior a 13 graus Gay Lussac. Assim, não há restrição horária para a veiculação de cervejas e bebidas “ice”, com seus 4,5 graus em média, que são anunciadas sem maiores restrições – enquanto as demais, que excedem a graduação, só podem ser veiculadas entre 21h e 6h. A lei 9294/1996 também determina que bebidas alcoólicas não podem ser associadas à prática esportiva. Mas, ficando abaixo dos 13 graus, as cervejarias escapam das restrições legais para anunciar seus produtos em eventos esportivos.

Cerveja também é álcool

Pesquisas nacionais e internacionais apontam que a exposição à publicidade de cerveja estimula o consumo precoce da bebida por crianças e adolescentes. A pesquisadora da Unifesp Ilana Pinsky cruzou 128 pesquisas internacionais em seu artigo “O impacto da publicidade de bebidas alcoólicas sobre o consumo entre jovens: revisão da literatura internacional”, de 2008. As conclusões do levantamento mostram a forte influência da publicidade no padrão de consumo do álcool por jovens. A publicidade reforça atitudes pró-álcool, pode aumentar o consumo de quem já bebe, influencia a percepção de jovens sobre álcool e as normas para beber e, portanto, estimula os jovens ao consumo antes dos 18 anos.

Passada a Copa do Mundo, a sociedade tem uma boa oportunidade para retomar a discussão em torno dos limites da veiculação da publicidade de cerveja no Brasil. Um passo importante para difundir esse debate é o fortalecimento da campanha “Cerveja Também é Álcool”,encampada pelo Ministério Público de São Paulo. Com mais de 75 mil assinaturas, a petição propõe a alteração do parágrafo único do artigo 1º da Lei Federal 9.294/96, para que as restrições à publicidade passem a abranger toda e qualquer bebida com graduação alcoólica igual ou superior a 0,5 grau Gay-Lussac.

No momento em que se discute o legado do megaevento, também é importante fazer valer a proteção da criança e do adolescente em detrimento de interesses mercadológicos que se utilizam, sem moderação, de estratégias que levam crianças e jovens ao consumo precoce de álcool.

* Renato Godoy é jornalista, sociólogo e pesquisador do Instituto Alana.

Redação

4 Comentários

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  1. Contra esse volume de grana


    Contra esse volume de grana na grama cervejeira e midiática, não há quem enfrente.  Ai, vem aqule “gran finale”, depois de muito tempo da propaganda, como um míssil para quase ninguém perceber -beba com moderação-. Claro que cerveja é bom(prefiro um bom vinho), mas, como o cigarro, tem efeitos colaterais. Matar ou morrer pelo excesso do consumo, é apenas um. E matar por excesso de bebida, não dá nada por aqui..No USA, se causares acidente por consumo de bebida alccolica, tem cadeia e se tiver vítima fatal, o causador pode pegar pena de mais de 10 anos. Tem muita gente que brinca com a irresponsabilidade, porque sabe que não haverá punição se causar vítimas. As vezes, tenho a sensação que muitos  cidadãos brasileiros necessitam ter um fiscal ao seu lado em tempo integral para controlá-lo, para mantê-lo dentro das leis. E são os que mais reclamam dos políticos!

  2. Se parassem com a propaganda enganosa já ajudaria muito

    Nas propagandas, onde o que vale e encanta a mente é o que está subliminar, mostram freezeres lotados, mesas, balções oubandejas de garçons lotadas do produto ou ainda uma ligação direta com uma fonte carregada de um produto que danifica as células, em especial as do cérebro. Cinicamente, mencionam ao final das propagandas: BEBA COM MODERAÇÃO. Ora, muito bem sabem estes senhores que tal droga, o álcool, tem a capacidade de bloquear o senso moral, o discernimento, ou seja a possibilidade de moderar as escolhas. Sobra para o pobre consumidor o arrependimento do dia seguinte, que pode ser acobertado por novas doses da droga. Triste ver que os mais ricos do Brasil são do grupo que produz tal droga que faz males aos relacionamentos, à saúde pública e muitas vezes à segurança pública. Aumentar a taxação e por consequência o preço da droga, apenas fazem a estes se tornarem mais ricos. Oh, mundo pobre este.

  3. Faltou uma parte neste tripé (TV+Cerveja+futebol)

    Na verdade existe um tripé envolvendo CERVEJA, FUTEBOL E TELEVISÃO. Os 3 personagens se beneficiam dele: o futebol ganha destaque na TV, a Tv ganha audiência e vende propagandas de Cerveja, e os fabricantes de cerveja lotam seu caixa com os lucros. Este tripé com as facilidades obtidas com seu looby que alterou as leis de propaganda de alccol traz vários outros malifícios além incentivar o consumo precoce de cerveja. Este tripé é responsável pelo barulho que vai até mais de meia noite nos dias de jogos (pois a TV exige que o futebol nào atrapalhe a novela). Antes as pessoas iam ver o jogo no estádio, hoje são incentivadas a verem o jogo na TV nos bares perto de sua casa. Então toda a confusão que antes era restrita ao entorno dos estádios hoje toma conta da cidade inteira. E também este tripé, pelo menos aqui em Belo Horizonte, foi responsável também pelo fim da música ao vivo em bares, com o apoio da prefeitura, que é tolerante ao barulho do futebol mas hiper rigorosa com o som da música. 

    Sou um grande crítico do futebol porque a tal “paixão nacional” traz consigo milhares de malefícios que são tolerados pelas autoridades e população em geral só por serem relacionadas ao futebol. E aí se inclui a tolerância as propagandas de cerveja pois quase sempre elas estão associadas ao futebol, e para a mídia tudo que está associado ao futebol é permitido (Barulho, desrespeito ao próximo, embriaguez, violência, quase tudo pode!).

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