A filosofia no Ensino Médio

Enviado por Fiódor Andrade

Último vôo da andorinha solitária

Por Renato Janine Ribeiro

Do Portal do Professor

O futuro da filosofia no ensino médio está na parceria com outras disciplinas

A volta da filosofia ao ensino médio tem história. Em 1976, quando começava a lecionar filosofia na USP, fui dos que defenderam essa bandeira. A matéria constou do currículo até o fim da década de 60, quando o ensino médio – então chamado de “colegial” e dividido em “científico” e “clássico”, sendo que o primeiro tinha mais classes e alunos – sofreu um golpe em sua qualidade. A razão era óbvia. O regime militar não queria que os jovens pensassem. Daí, aliás, o destaque dado aos vestibulares “de cruzinhas”. Mais tarde, vim a saber qual a boa razão para saírem as provas dissertativas e entrarem as questões de múltipla escolha. Respostas em forma de redação eram uma loteria: a nota dependia do que “caísse” na prova. Lembro o medo que tínhamos, crianças, de sair o ponto que conhecíamos menos. Por isso, um exame com maior número de assuntos, cobrindo todo o programa, é mais justo. Gera poucas notas máximas, mas poucas distorções. Hoje, podemos chegar a uma síntese entre os dois modos de prova. O teste é útil para aferir conhecimentos obtidos. A prova dissertativa mede bem a capacidade de reflexão. O risco das múltiplas questões é ficar só na informação: o bom examinador é o que exige, mesmo nelas, um trabalho de reflexão. Já a dissertação é uma bobagem se for usada para avaliar apenas a informação adquirida. Seu melhor uso é quando a pergunta é inesperada – e se vê como o aluno elabora o imprevisto.

Discutíamos o ensino médio opondo conhecimento formativo e meramente informativo. A filosofia, como a sociologia, representava a qualidade. A alternativa seriam informações sem análise. Vendo de longe, estávamos no olho do furacão. A pior repressão se deu entre 1969 e 1974. A filosofia, em 1970, tinha saído das escolas. Mas daí a meros seis anos já víamos o ensino médio como degradado. Uma das causas disso foi, curiosamente, democrática. Existia um “exame de admissão” para entrar no ginásio, isto é, para passar do 4.º para o 5.º ano do primeiro grau. Era cruel: um vestibular feito por crianças de 10 anos. A esse preço, o ensino público era bom. Tínhamos colégios públicos melhores que os privados – mas eram poucos. Na zona sul de São Paulo havia o Alberto Levy, o Ennio Voss, o Alberto Conte. Ora, a ditadura arrebentou essa tranca e deu aos pobres acesso ao ginásio público, mas, degradando sua qualidade, acabou com o papel que ele tinha, de gerar elites.

Nesse quadro, muitos – entre outros, Marilena Chauí – nos mobilizamos pela volta da filosofia ao ensino médio. Queríamos espaço para a reflexão. Quem conhecia bem o assunto era Celso Favaretto, professor da PUC e, depois, da USP. Celso fez uma observação importante – e inquietante: o professor de filosofia, quando bom, tinha-se tornado o professor de reflexão. Mas com isso ele discutia qualquer assunto: cinema, comportamento, MPB. Daí vinha um problema. Embora filosofia seja uma atitude, um estilo, uma simpatia maior pela pergunta do que pela resposta, essa atitude não se constrói no vazio. Supõe um corpus de 2.500 anos. Sem isso, temos só um animador cultural. Mesmo ele, para funcionar, precisa ter adquirido um “estilo” que passa pelos nossos clássicos. Estudar estes últimos, aos 15 anos de idade, não é trivial. Requer cultura. Exige o domínio da língua, não só para ler, mas também para escrever. Quem domina todos esses matizes, quando a educação é degradada? Vivemos esse nó. Ele continua vivo e não é fácil desatá-lo. Por isso, perdi a fé no papel pujante da filosofia no ensino médio. Não adianta querer que os jovens “pensem” em abstrato: é preciso pensarem a partir de uma formação intelectual concreta. Isso não é fácil, quando a mídia deprecia o conhecimento – e quando o discurso escrito destoa tanto do mundo de imagens e sons em que, cada vez mais, vivemos.

Mas isso não quer dizer que a filosofia não tenha papel no ensino médio. Há um problema: dá para ensiná-la sem conteúdos filosóficos? E como evitar que eles sejam pesados e até incompreensíveis? O que defendo é que a filosofia não seja, no ensino médio, uma andorinha solitária. Se os alunos não conhecerem as riquezas da língua, não entenderão a precisão de um texto filosófico. A primeira parceria é, pois, com o professor de português. É parceria de mão dupla, porque a filosofia também pode ajudar, com os conceitos, a estudar a literatura. Como estudar o romantismo sem a filosofia romântica – uma filosofia que vá além das generalidades sobre Madame de Stael visitando a Alemanha?As outras parcerias podem variar. Penso na história,associando a filosofia com a política, a cultura, as descobertas; nas ciências, discutindo o “espírito científico” e suas mudanças no século 20 e 21; até na educação física, pois os filósofos pensaram muito o corpo (e muito contra o corpo…). Podemos desenhar programas de filosofia a partir dessas parcerias. Só receio uma filosofia sem aliados – e isso porque duas ou três horas semanais, o que me parece o mínimo razoável, é pouco, se não ressoarem no resto do ambiente. (Para comparar, no clássico tive três horas de filosofia por semana no 1.º ano, quatro no 2.º e cinco no 3.º.Era a matéria mais presente. No científico, ela aparecia só duas horas semanais, no 2.º ano). Também, desde que se preserve um conteúdo duro que seja filosófico, simpatizo com discussões sobre temas da vida atual. Mas essas discussões, nascendo da política ou da cultura ou do comportamento, não podem dispensar conteúdos filosóficos nem se pulverizar: gosto da idéia de ciclos.

Redação

11 Comentários

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  1. Retirar algumas matérias e por filosofia e sociologia

    Conheci uma chinezinha, uns 16 anos, que em Taiwan ela só estudava o que ela escolhia o que era de interesse e aptidão dela (a vontade). Não lhe perguntei mais detahes, se algumas matérias seriam obrigatórias. Mangabeira Unger é um dos que fala desse absurdo de muitas disciplinas que nada têm a ver com os alunos , que assim logo esquecem o que foram obrigados a estudar. Darcy Ribeiro, num Roda Viva que tá no Youtube, usa palavra, digamos, “forte”  sobre as nossas escolas. Na Finlândia,li ou ouvi no youtube, o excelente e reconhecido mundialmente ensino segue essa direção de mais abrangência no sentido de questões do cotidiano e da realidade vivida no país, e é um únicoprofessor que dá toas as matérias ao longo de vários 4, ou 5 anos à mesma turma (não me parece ser Paulofreiriano, a meu ver equivocado, opinião nao só minha, pouco importam mil títulos universidades afora (quais e por quê, exatamente??) e uma espécie de endeusamento. É comoa experiência de Summerhill válida pra nichos e só nisto. E pelo papel pessoal do carisma  (não à-toa, a barba crescida, imagem que lembra muito a crença num Jesus Cristo, em sociedades de forte influência religiosa). Já vi professora em sala de aula e alunos se apresentarem como segidores de construtivismos e paulofreirianismos, quando a gente vai ver o que apresentam como trabalho de casa ou em equipe, nada tem a ver, apenas é o argumento de autoridade a “validar” sua apresentação, seu dever ou tema que o professor ou professora mandou (interessante e a se refletir é que professores e pedagogos de escolas públicas – principalmente – é profissão majoritariamente feminina. O que isto denota no contexto de uma sociedade machista?… O mesmo quantoa psicologos. A se pensar , sugiro posts-títulos questionadores, não indutores a unanimidades, não inibidores às diversidades. Pois acho que vivemos numa sociedade autoritária, a do homem cordial que se comorta mais pelo coração – emoções de afeto e de ódio, em que a racionalidade fica em muito secundário plano. Isso vemos o podemos ver facilmente a toda hora, em qualquer canto – não me refiro a exceções, preciso dizer que aposto na inteligência dos demais participantes? De que aqui não é um tratado, não é um Ensaio.

  2. Não é esse o foco

    Nâo temos professores de filosofia em número suficiente para suprir as demandas do ensino médio. A maioria dos professores que dão aula de filosofia hoje no ensino médio não têm formação específica na área. Entre os que têm formação específica, a maioria formou-se em faculdades de péssima qualidade, e não têm condições de dar um curso com um mínimo de qualidade. Isto não vale apenas para a Filosofia, é verdade – mas isso só mostra a dimensão do problema com que o professor Renato Janine terá que lidar.

    Uma boa ideia é parar de falar tanto em filosofia para o ensino médio, e coisas do gênero. O foco tem que ser outro. Nossas crianças saem da escola com um domínio precário da língua culta e sem domínio das noções mais elementares de matemática. Ou apresentamos uma solução para isso, ou estamos discursando no vazio. Só lê um texto de filosofia quem é capaz, pelo menos, de ler um texto de jornal compreendendo o que está sendo lido. Estão querendo ensinar o Brasileirinho para um adolescente que não sabe fazer a escala de dó maior. Espero que o Renato, inteligente e bem intencionado como é, perceba que, lá onde chegou, tem que parar de pensar no lugar de que ele saiu. Sua proposta de flexibilizar o currículo pode ser excelente, deste ponto de vista. Cria-se um núcleo duro de disciplinas sobre as quais incidiria um rígido controle centralizado, com exames periódicos, metas de resultado, etc. O resto, cada escola e cada aluno decide como for melhor, mais conveniente, ou simplesmente possível, dadas as características regionais, pessoais, etc. 

    1. Se educação deepesse  da

      Se educação deepesse  da quantidade de docente,  não temosnem mesmo para  disciplinas como matemática, física, etc,  mas  não é. Ou que temos por educação no Brasil, portanto, concepçáo genuinamente nacional,  não depende de tais coisas.  Além disso,  temos tecnologia de dipolomação docente de maior eficiência do mundo,  Capes/MEC aplica no PPARFOR,  pela qual se pode cursar qualquer disciplina com apenas duas semanas de aulas e , portanto, a quantidade que precisar de dipolomados em filosofia, por exemplo, poder ser conseguida em menos de um ano, basta mandar recursos extras para os cursos das universidades públicas

  3. Pedagogia no Brasil pode piorar

    A filosofia, como a sociologia, representava a qualidade.

    Comço meu comentário citando dois ex-presidentes da Capes:

    Cláudio de Moura Castro: “Pedagogia no Brasil é mais ideologia do que ciência.”

    Eunice Durhan: “O Brasil muito ganharia se fechasse todas as suas faculdades de educação.”

    Aí retorno à citação da baboseira que Janine disse, marcada em negrito no início do comentário.  Em que país do mundo filosofia ou sociologia são ensinadas como disciplinas obrigagatórias no ensino médo, Sr. Janine?

    Quando Mercadante assumiu o MEC, uma das suas manifestações foi o espento diantedo fato de que há 13 disciplinas obrigatórias no ensino médio. Prometeu solução para a loucura, mas saiu antes de realizá-la. Nos países com os melhores sistemas educacionais do mundo, nenhum aluno, em nenhum nível de estudo, faz mais do que ums quatro ou cinco disciplinas obrigatórias. Em muitos deles, só são obrigatórias matemática e a lingua pátria. 

    Janine foi diretor de avaliação da Capes, onde deixou triste memória. A avaliação dos cursos de pós-gaduação passou a ser feita sem nenhuma análise subjetiva de qualidade. Simplesmente contam-se publicações em cada título de revista, e cada revista é ponderada por um fator chamado qualis. Uma revista pode ser qualis A em uma área e qualis D em outra, sem que a Capes jamais tenha elucidado a lógica por trás desse desatino. Agora Janine vai assumir o inteiro MEC, cujo aprimoramento é extremamente dasafiador. Vai enfiar os pés pelas mãos e acabar de enfiar nossa educação no buraco.  

     

     

    1. Daniel, visitante! Vivas aos visitantes !

      (Nao sei se voce vai voltar a ler este post – quem for cadastrado rcebe otificação automática, é só pedir, e se nao houver obstaculoos, serah aceito , ha algumas praticididades em ser cadastrado, além do status (assim alguns consideram, é forte impressão minha, de ser um cadastrado): – Me cite as fontes primarias das 2 citações, por gentileza. Meio indiretamente no meu longo post eu concordo com elas. Mas, mais importante, são professores (de senso crítico, mesmo) que abominam pedagogos, pedagogas. 

      1. Resposta parcial ao seu pedido

        Olá Nickname.

        Você pede fontes primárias das minhas citações. Estou cm visitantes e casa, por isso sem tempo para pesquisar.

        Numa busca rápida sobre Eunice Durham, achei uma entrevista às páginas amarelas da Veja, de 2008. A última pergunta sugere que o entrevistador tenha visto el algum lugar Durham sugerindo o ganho com o fechamento das faculdades de pedagogia. Vejam a pergunta e a resposta:

         

        A senhora fecharia as faculdades de pedagogia se pudesse?
        Acho que elas precisam ser inteiramente reformuladas. Repensadas do zero mesmo. Não é preciso ir tão longe para entender por quê. Basta consultar os rankings internacionais de ensino. Neles, o Brasil chama atenção por uma razão para lá de negativa. Está sempre entre os piores países do mundo em educação.

        O Cláudio de Moura Castro fez tantas críticas à nossa pedagogia de ceunho ideológico que fica difícil localizar a citação específica. Mas se você entrar com algumas palavras chave encontrará um montão de coisas equivalentes ao que citei.

        Não pretendo me cadastrar no blog, que visito com alguma frequência e faço comentários. Nunca entendi porque o blog discrimina os não cadastrados.

         

         

    2. Tocou no ponto. A quanti/’/ de disciplinas anula o ensino delas

      E nao há horas na semana de aulas para tantas, cada uma fica com 2 tempos, nao dá para ensinar nada. E se estabelecido um “currículo” de Filosofia nessas condiçoes o ensino vira ensino de clichês: Sócrates e o conhece-te a si mesmo, Platao e o mito da caverna, tudo como no ensino de Literatura, em que os alunos decoram características de escolas mas nao lêem quase nada, ou só “sinopses” de livros. 

      Muito melhor seria a inclusao de ALGUNS TEXTOS de Filosofia, ou Ciências Sociais, para serem lidos e discutidos no ensino de PORTUGUÊS. Menos abrangência, mas mais aprofundamento e reflexao. Se é para isso que se deseja a Filosofia, só assim pode ser conseguido. Mas para isso é preciso mudar em primeiro lugar o ensino de Português. Menos ensino de gramatiquice, e real ênfase na leitura, escrita e DISCUSSAO ORAL dos alunos. 

  4. combo mínimo contra a barbárie

    Sugeri um esquema viável para massificar a filosofia, aqui mesmo no Luis Nassif, em meu blog (zegomes) dêem uma espiada. Filosofia não salva ninguém, vejam Pondé e Olavo, mas pode fazer a diferença!

    Central de whatsapp do governo para liquidar boatos, grande portal de notícias na internet (idéias acho que do Azenha), TV Brasil nos moldes da Telesur, Voz do Brasil nas televisões (cinco minutos diários basta), Filosofia obrigatória no ensino médio, faculdades, nas provas de ENEM, redação inclusive, vestibulares e nos concursos públicos. Já!! Este é um combo mínimo contra a barbárie!

  5. Transversalidade

    Há muito longe das salas de aula – profissionalmente inclusive – observo meus sobrinhos. São adolescentes. E pelo que percebo, a transversalidade, a meu ver, seria mais efetiva do que mais e mais blocos de matéria a que o aluno, de cara, resiste. Vai chegar causando incômodo, ao passo que transversalmente, subjacente às demais disciplinas, seria bem mais efetivo. Além de Português, as incluiria nas aulas de História sempre que possível, complementando o estudo e ampliando horizontes, além de associá-las às camadas de construção social e de cidadania, mundo a fora.

    Filosofia é excelente sob todos os aspectos, mas para entendê-la, assimilá-la e internalizá-la para a vida, para a construção da realidade, é preciso antes de tudo o ferramental, e este, a meu ver, encontra-se na base. Como um aluno que não compreende as nuances de um texto ou o enunciado de um problema de matemática, chega ao ensino médio preparado para um pensamento tão mais abstrato e de maior complexidade, aliado ao fato de que nas redes ele já recebe tudo mastigado (inclusive os trabalhos escolares)?

    Resta ainda tornar factível a associação com as TICs, de tal forma que funcionem como ferramentas de apoio ao processo e não concorrentes de professores e escolas. Se não houver um inteligente plano de consolidação tecnológica e conteúdos, as crianças e jovens prosseguirão com os gadgets, e os professores, que deveriam estimular e amparar a formação, ficarão pelo caminho. A informação terá vencido mais uma vez e a cidadania perdido para o imediato, para o consumo, em detrimento da construção.

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