A insurgência dos rios pantanenses

Rios com vontade própria

Da Fapesp

Por Ricardo Zorzetto

Alterações frequentes de curso deixam cicatrizes na paisagem do Pantanal

No Pantanal, uma das maiores planícies alagáveis do planeta, os rios parecem ter vontade própria. Nascem nos planaltos e descem confinados em leitos bem definidos e quase sempre serpenteantes para as terras planas. Mas logo se insurgem. À medida que avançam na planície, deixam de fluir pelo canal encravado na rocha e traçam outros caminhos, erguendo novas margens com os sedimentos do planalto. Esse redesenhar é contínuo e deixa impressos na paisagem canais, que, hoje abandonados, delineiam figuras em forma de leques gigantescos.

O geólogo Mario Luis Assine estuda os rios do Pantanal desde os anos 1990 e sabe agora que essa remodelagem é um fenômeno característico dali. “Datações feitas em alguns dos canais abandonados, os paleocanais, revelaram idades variadas, de dezenas de anos a dezenas de milhares de anos”, afirma Assine, que, com sua equipe na Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro, tenta reconstruir as transformações nessa paisagem nos últimos 100 mil anos.

Apesar de natural em toda a região, o nomadismo dos rios pantaneiros vem se acelerando. Segundo Assine, é uma consequência da alteração no uso do solo no planalto. “A ocupação humana e a agropecuária não são a causa da alteração no trajeto dos rios”, conta. “Mas elas a aceleram por aumentar o transporte de sedimentos do planalto para a planície.”

Cobertos em parte por cerrado e em parte por floresta amazônica, os planaltos que moldam essa bacia sedimentar estão distantes de 200 a 300 quilômetros do coração do Pantanal, onde ficam as terras que passam até quatro meses por ano submersas. Ao recolher as águas das chuvas no planalto, os rios carregam os sedimentos e os nutrientes que alimentam essa área de quase 150 mil quilômetros quadrados. E as transformações por que a Amazônia e o cerrado passaram nas últimas cinco décadas – perderam, respectivamente, 13% e 40% de sua vegetação para a agricultura e a pecuária – aumentaram o volume de sedimentos que chega ao Pantanal.

Na travessia da planície os sedimentos mais grossos e pesados se acumulam e bloqueiam o leito dos rios. As águas, então, rompem as barrancas e se espalham. Conhecida pelo nome de avulsão fluvial, essa mudança brusca de curso pelo rompimento da margem é comum no trecho final dos rios pantaneiros, onde as terras podem estar de 2 a 4 metros abaixo da calha fluvial.

As avulsões são frequentes e causam grandes mudanças de trajeto em poucas décadas. O primeiro rio pantaneiro em que Assine e seus colegas documentaram esse fenômeno foi o Taquari, que nasce na serra de Caiapó perto da cidade de Coxim, no Mato Grosso do Sul. Suas águas correm no sentido oeste até chegar ao rio Paraguai, próximo à fronteira com a Bolívia. Com quase 800 quilômetros de extensão, o Taquari forma a segunda maior bacia hidrográfica do Pantanal. O constante abandono de canais deixou impresso no terço final do rio um megaleque fluvial que se espalha por quase 50 mil quilômetros quadrados (37% das terras do Pantanal no Brasil).

Esse e outros megaleques da região são o registro de algo que aconteceu no passado e continua a ocorrer. Imagens de satélite analisadas por Assine mostraram que em 1990 ocorreu uma importante avulsão no Taquari, próximo ao sítio Zé da Costa. Naquele ponto, o rio rompeu uma de suas margens – formou um arrombado, como se diz por lá – e se bifurcou. Seis anos mais tarde metade das águas já corria pelo novo canal e em 2001 o curso anterior havia sido abandonado. Em uma década a foz migrou quase 30 quilômetros na direção de Corumbá, abandonando o trecho que desaguava próximo à localidade de Porto da Manga. Hoje o antigo canal está coberto por vegetação e só recebe água no período de cheias, que no sul do Pantanal tem picos em junho e julho.

O fenômeno que Assine observou no Taquari, cujas cabeceiras estão numa região de cerrado bastante alterada pela agricultura, também foi documentado por ele e sua equipe mais ao norte, no São Lourenço, um rio que nasce no planalto dos Guimarães, em Mato Grosso, passa por Rondonópolis e deságua no rio Cuiabá. Depois de estudar imagens de satélite e realizar um sobrevoo na região, Assine, os geógrafos Fabiano Pupim e Fabrício Corradini, na época seus alunos de doutorado, e o geólogo norte-americano Michael McGlue coletaram sedimentos em diferentes pontos do rio.

A datação dos sedimentos demonstrou que as avulsões vêm modificando o curso do São Lourenço há dezenas de milhares de anos, modelando um megaleque de 16 mil quilômetros quadrados. Uma delas ocorreu no início do século passado, bem antes de o Centro-Oeste se tornar uma fronteira agrícola. Essa mudança de curso deslocou a foz algumas dezenas de quilômetros mais para oeste. Como resultado, o rio que desembocava no Piquiri passou a lançar suas águas no Cuiabá. “Essa é uma evidência de que no Pantanal os rios mudam de curso por causas naturais, independentemente da ação humana”, Assine explica.

Ele e seus colaboradores estimavam que essa mudança tivesse ocorrido há no máximo centenas de anos, mas não conseguiam definir com precisão. Só descobriram que aconteceu entre 1900 e 1910 depois de encontrar um documento histórico. Em um artigo publicado em 1942 naRevista Brasileira de Geografia, o engenheiro Virgílio Correia Filho apresenta informações sobre o traçado do São Lourenço desde o século XVIII. Apesar de importante, essa era apenas uma das transformações por que o rio passara. A reconstituição da história do São Lourenço, feita a partir da análise da paisagem e da datação dos sedimentos, revelou um passado de mudanças radicais.

Os pesquisadores associam as transformações na morfologia e na dinâmica do São Lourenço, também observadas em outros rios do Pantanal, às alterações do clima no passado. Antes de 10 mil anos atrás, o São Lourenço não serpenteava como hoje. Era formado por trechos mais retilíneos, que se bifurcavam e depois se reuniam, formando um padrão entrelaçado semelhante ao da bacia do Ganges, na Índia. Em muitos casos, os canais surgidos dessas bifurcações desapareciam na paisagem. “Eram rios que tinham alto fluxo por alguns períodos e depois se dissipavam, típicos de clima semiárido”, conta Assine.

Uma grande mudança veio no fim do último período glacial, entre 15 mil e 12 mil anos atrás, quando a temperatura subiu cerca de 7 graus onde hoje é o centro-sul do Brasil. O aumento da temperatura e da umidade tornaram o São Lourenço perene. Assine, McGlue e outros colaboradores, entre eles Sidney Kuerten, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, e Aguinaldo Silva, da Universidade Federal de Mato Grosso, recuperaram sedimentos de três grandes lagoas – Mandioré, Gaíva e Baía Vermelha – que confirmam as oscilações climáticas no Pantanal nos últimos 20 mil anos, que deram aos rios de lá o perfil atual. “A paisagem dinâmica do Pantanal é reflexo de mudanças que vêm ocorrendo desde o fim do Pleistoceno”, explica Assine. “Essa percepção é fundamental para o uso, a ocupação e a conservação de uma área tão suscetível a mudanças.”

Projeto
Sistemas deposicionais do quaternário (Pleistoceno tardio/Holoceno) da bacia do Pantanal mato-grossense, Centro-Oeste do Brasil (n. 2007/55987-3); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador Responsável Mario Luis Assine (Unesp/Rio Claro); Investimento R$ 262.065,96 (FAPESP).

Artigos científicos
ASSINE, M. L. et al. Channel arrangements and depositional styles in the São Lourenço fluvial megafan, Brazilian Pantanal wetlandSedimentary Geology. 2014.
KUERTEN, S. et al. Sponge spicules indicate Holocene environmental changes on the Nabileque River floodplain, Southern PantanalJournal of Paleolimnology. 2013.
McGLUE, M. et al. Lacustrine records of Holocene flood pulse dynamics in the Upper Paraguay River watershed (Pantanal wetlands, Brazil)Quaternary Research. 2012.

Redação

4 Comentários

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  1. O problema é que nas

    O problema é que nas principais cabeceiras dos rios que desaguam no pantanal estão onde existem enormes plantações de soja, esta cultura acabou com os rios Aquidauna, Coxim, Taquari, Miranda, Piqueri, São Lourenço e agora o Paraguai em suas nascentes, em 1981 o Rio Coxim teve uma enchente que nunca tinha se visto, no ano seguinte ele já estava assoreado, em 1982 uma enorme mortandade de peixes numa extensão de 30 km as margens do rio devido a agrotóxicos, toda esta devastação aconteceu depois que começaram as plantações de soja no município de São Gabriel do Oeste, e esta cultura continua a causar desastres ecologicos no estado do MS pois não é feito um estudo técnico para saber onde pode-se plantar sem afetar os cursos de água do estado, é a mocultura que ainda impera no Brasil e que só serve para exportação, vai para a China engordar os porcos e a cada navio carregado nos dão em pagamento uma bugiganga eletrônica destas vendidas na rua 25 de março em São PAulo – SP.,

  2. “Rios com vontade própria” é coisa de comunista iletrado!

    “Rios com vontade própria” é uma deletéria e mística projeção animista antropocêntrica da natureza e do cosmo…

    “A Natureza é objetiva e não projetiva; porém, a ação humana é muito mais uma atividade projetiva consciente que objetiva”. Jacques Monod, biólogo molecular e pensador francês, Nobel de 1965. 

    Quem será que está no controle?

    a Natureza objetiva de 20 bilhões de anos… na existência de rios, vales, florestas, montanhas, continentes, ilhas, nuvens, oceanos e mares, rochedos e geleiras, planícies, planaltos, ventos, chuvas, climas, desertos, pedras, estrelas e galáxias, energias e luzes, seres vivos, sociedades, inteligências, consciências e que pelo livre jogo de forças físicas e químicas universais a que não podemos atribuir, com certeza, nenhum projeto ou lei geral que seja, divino ou cósmico…

    ou

    os PACs e os projetos Fapesp de uma vida… os projetos de mercado&consumo&ganância; os projetos de governança dos impérios globais de nosso efêmero momentum de ilusão antropocêntrica frente à Natureza objetiva “sem causas finais, nem causas eficientes, senão, o jogo do acaso e da necessidade?” 

     Pela chave científico-conceitual do bioquímico e pensador francês, Prêmio Nobel de 1965, Jacques Monod, a enrascada toda em que se encontra o planeta, a biodiversidade, a espécie humana e a real condição de um cataclisma terrestre de consequências potencialmente incontroláveis, irreversíveis, imprevisíveis… tudo, começou pra valer! com os comunistas, o pensamento e o método comunista. Impressionante os tentáculos políticos-ideológicos presentes desde nosso Código Florestal, mensalão, petróleo e energias fósseis do carbono, Funai, Incra e todo ativismo e revolução de que se tem notícia, estão lá em meio à confusão e vontade de potência… mas esta em que nos meteram, apesar das boas intenções e utopias, é, sem dúvida, a mais crucial enrascada que mexe com todos os seres vivos e o universo tal qual conhecemos; malgrado, todo edifício intelectual construído a partir do século XVIII para um mundo melhor, mais justo, mais igualitário, mais idealizado para todos…

    “A ideia de reencontrar a antiga aliança animista com a natureza ou de fundar uma nova graças a uma teoria universal, segundo a qual a evolução da biosfera até o homem seria contínua, sem ruptura da própria evolução cósmica, não foi descoberta por Teilhard de Chardin. De fato, é a ideia central do progressismo cientista do século XIX. Encontramo-la no cerne do positivismo de Spencer, como no do materialismo dialético de Marx e Engels. A força desconhecida e incognoscível que, segundo Spencer, opera em todo o universo para nele criar variedade, coerência, especialização e ordem, desempenha exatamente o mesmo papel, em definitivo, que a energia “ascendente” de Teilhard: a história humana prolonga a evolução biológica que, por sua vez, faz parte da evolução cósmica. Graças a esse princípio único o homem, enfim, encontra no universo seu lugar eminente e necessário, com a certeza do progresso a que sempre esteve destinado. A força diferenciante de Spencer (como a energia ascendente de Teilhard) representa evidentemente a projeção animista. (são a escola mãe de toda ideologia projetiva antropocêntrica, enquanto a mãe natureza é objetiva e não projetiva). Para dar um sentido à natureza, para que o homem dela não fosse separado por um abismo insondável, para torná-la enfim decifrável e intelegível, era preciso proporcionar-lhe um projeto. Na falta de uma alma que nutrisse tal projeto, inseriu-se então na natureza uma “força” evolutiva, ascendente, o que de fato vem a dar no abandono do postulado de objetividade.

    Entre as ideologias cientistas do século XIX, a mais poderosa, a que em nossos dias ainda exerce uma profunda influência para além do círculo, contudo vasto, de seus adeptos, é evidentemente o marxismo. Por isso, é particularmente revelador constatar que, desejando fundar nas leis da própria natureza o edifício de suas doutrinas sociais, Marx e Engels também recorreram – muito mais clara e deliberadamente que Spencer – à projeção animista.

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    Se todos os acontecimentos, todos os fenômenos, são apenas manifestações parciais de uma ideia que se pensa a si mesma, é legítimo procurar na experiência subjetiva do movimento do pensamento a mais imediata expressão das leis universais. E se o pensamento procede dialeticamente é que, portanto, as leis da dialética governam a natureza toda. Mas conservar essas leis subjetivas tais quais são, para torná-las as de um universo puramente material, é efetuar a projeção animista em toda sua clareza, com todas as suas consequências, a começar pelo abandono do postulado de objetividade.

    Nem Marx, nem Engels analisaram em detalhe, para tentar justificá-la, a lógica dessa inversão da dialética. Mas, conforme  os numerosos exemplos de aplicação que notadamente Engels dela dá (no Anti-Durhing e na Dialética da Natureza), podemos tentar reconstruir o pensamento profundo dos fundadores do materialismo dialético. Suas articulações essenciais seriam as seguintes:

    1. O modo de existência da matéria é o movimento.

    2. O universo, definido como a totalidade da matéria, única existente, se encontra em estado de perpétua evolução.

    3. Todo conhecimento verdadeiro do universo é o que contribuí para a compreensão dessa evolução.

    4. Mas esse conhecimento só é obtido na interação, ela mesma evolutiva e causa de evolução, entre o homem e a matéria (ou mais exatamente o “resto”  da matéria). Portanto, todo conhecimento verdadeiro é “prático”.

    5. A consciência se relaciona com essa interação cognitiva. O pensamento consciente reflete, por conseguinte, o movimento do próprio universo.

    6. Já que o pensamento é parte e reflexo do movimento universal, já que seu movimento é dialético, é preciso que a lei de evolução do próprio universo seja dialética. O que explica e justifica o emprego de termos tais como contradição, afirmação, negação, a propósito de fenômenos naturais.

    7. A dialética é construtiva (graças notadamente à terceira “lei”). Portanto, a própria evolução do universo é ascendente e construtiva. Sua expressão mais alta é a sociedade humana, a consciência, o pensamento, produtos necessários dessa evolução.

    8. Pela ênfase colocada na essência evolutiva das estruturas do universo, o materialismo dialético ultrapassa radicalmente o materialismo do século XVIII que, fundado na lógica clássica, só era capaz de reconhecer interações mecânicas entre objetos supostamente invariantes, e permanecia, portanto, incapaz de pensar a evolução.

    Sem dúvida pode-se contestar essa reconstituição, negar que corresponda ao pensamento autêntico de Marx e Engels. Mas isso em suma é secundário. A influência de uma ideologia se deve à significação que dela permanece no espírito de seus adeptos e que dela fornecem seus epígonos. Vários textos provam que a reconstituição proposta é legítima, pelo menos como representante da “vulgata” do materialismo dialético. Citarei apenas um texto muito significativo, porque seu autor era um ilustre biologista moderno, J. B. S. Haldane. Em seu prefácio à tradução inglesa da Dialética da Natureza, ele escreve:

    “O Marxismo considera a ciência sob dois aspectos. Em primeiro lugar, os marxistas estudam a ciência entre as outras atividades humanas. Mostram como a atividade científica de uma sociedade depende da evolução de suas necessidades, portanto de seus métodos de produção que por sua vez a ciência modifica, como também a evolução de suas necessidades. Mas, em segundo lugar, Marx e Engels não se limitavam a analisar as modificações das sociedades. Na Dialética, descobrem as leis gerais das mudanças, não só na sociedade e no pensamento humano, mas também no mundo exterior, refletido pelo pensamento humano.  O que significa dizer que a dialética pode ser aplicada a problemas de ciência “pura” tanto quanto às relações sociais da ciência”.

    O mundo exterior “refletido pelo pensamento humano”: com efeito está tudo aí. A lógica da inversão evidentemente exige que esse reflexo seja muito mais que uma transposição mais ou menos fiel do mundo exterior. Para o materialismo dialético é indispensável que o “Ding an sich”, a coisa ou o fenômeno em si, chegue até o nível da consciência  sem alteração nem empobrecimento, sem que nenhuma seleção tenha sido operada entre suas propriedades. É preciso que o mundo exterior esteja literalmente presente à consciência na integridade total de suas estruturas e de seu movimento.

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    Para iluminar a lanterna do pobre Duhring que já os denunciava, o próprio Engels propôs numerosos exemplos de interpretação dialética dos fenômenos naturais. Lembremo-nos do célebre exemplo do grão de cevada, dado como ilustração da terceira lei:

    “Se um grão de cevada encontra as condições que lhe são normais, uma transformação específica se opera nele sob a influência do calor e da umidade, e ele germina: o grão desaparece enquanto tal, é negado, substituído pela planta nascida dele, negação do grão. Mas qual é a carreira normal dessa planta? Ela cresce, floresce, fecunda-se e produz novos grãos de cevada, e tão logo estejam maduros, a haste murcha, é negada por sua vez. Como resultado dessa negação da negação, temos novamente o grão de cevada do início, não simples, mas dez, vinte, trinta vezes maior…”

    Assim também acrescenta Engels mais adiante, na matemática: tomemos uma grandeza algébrica qualquer, por exemplo, a. Neguemo-la, teremos -a. Neguemos esta negação multiplicando -a por -a, teremos a”, isto é, a grandeza positiva primitiva, mas num grau superior….”, etc.

    Esses exemplos ilustram sobretudo a amplitude do desastre epistemológico que resulta do uso “científico” das interpretações dialéticas. Os dialéticos materialistas modernos evitam geralmente cair em semelhantes infantilidades. Mas fazer da contradição dialética a “lei fundamental” de todo movimento, de toda evolução, é tentar sistematizar uma interpretação subjetiva da natureza que permita não só descobrir nela um projeto ascendente, construtivo, criador, como também torná-la enfim decifrável e moralmente significante.  Trata-se da “projeção animista” sempre reconhecível, quaisquer que sejam seus desvios.

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    Na raiz desses erros certamente está a ilusão antropocentrista. A teoria heliocêntrica, a noção de inércia, o princípio de objetividade, não podiam bastar para dissipar essa antiga miragem. A teoria da evolução, longe de fazer desaparecer a ilusão, parecia conferir-lhe uma nova realidade tornando o homem não mais o centro, mas o herdeiro desde sempre esperado, natural, do universo todo. Deus enfim podia morrer, substituído por essa nova e grandiosa miragem. Doravante, o esforço último da Ciência será o de formular uma teoria unificada que, fundada num pequeno número de princípios, dará conta da realidade toda, inclusive da biosfera e do homem. Era nessa certeza exaltante que se alimentava o progressismo cientista do século XIX. Teoria unificada que os dialéticos materialistas criam de fato já ter formulado.”

    O Acaso e a Necessidade, de Jacques Monod, 1970  (R$. 1,99 no Sebo do Messias, atrás da Catedral da Sé em meio as trottoir valorosas mulheres de vida fácil pelas antigas ruas decadentes das ilusões perdidas…).

  3. Euclides da Cunha, na Obra  À

    Euclides da Cunha, na Obra  À Margem da História (1909), aborda o tema. Um grande livro. Um grande Autor. Um grande Brasileiro.  

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