A Justiça e as sandálias da humildade, por Roberto Livianu

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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da Folha

Roberto Livianu

TENDÊNCIAS/DEBATES

A Justiça e as sandálias da humildade

Para defender a igualdade de todos perante a lei, nós, da Justiça, não temos o direito de achar que estamos acima da lei nem que somos deuses

Desde o Tribunal da Relação na Bahia, em 1609, o MP (Ministério Público) no Brasil passou por profundo processo de transformação, cujo marco histórico é a Constituição Federal de 1988, que o coloca na posição de defensor da ordem jurídica e do regime democrático.

Era o protetor do Estado e hoje é o principal organismo defensor da sociedade, inclusive investindo contra o próprio Estado quando este a desrespeita, e, por essa feição independente, muitos o chamam de quarto Poder.

Recentemente, tive a oportunidade de falar aos novos promotores de Justiça substitutos do Estado do Piauí durante o curso de adaptação, que precede o início do exercício funcional. Às tantas, perguntaram o que seria mais importante levar na mala para a nova comarca. Respondi sem titubear: as sandálias da humildade.

O exercício do poder exige extrema prudência, espírito público e humanista, equilíbrio, serenidade, ética, mas, acima de tudo, simplicidade e humildade. Para defender a igualdade de todos perante a lei, nós, da Justiça, que servimos ao povo, não temos o direito de nos achar acima da lei. Não podemos achar que somos deuses.

Na Suécia, por exemplo, perguntar “você sabe com quem está falando?” caracteriza crime. Isso ocorre na mesma Suécia em que vigora Lei de Acesso à Informação Pública desde 1766 (a do Brasil é de 2011) e que há anos figura no topo do controle da corrupção, segundo a Transparência Internacional.

Temos que endurecer quando necessário para a defesa do interesse público, mas sem jamais perder a ternura de enxergar e respeitar o ser humano que processamos, do qual não temos o direito de nos vingar. Ele pode ter transgredido a lei, mas não deve ser visto como inimigo.

Na área criminal, o promotor de Justiça é o defensor de toda a sociedade, que espera ver o crime investigado e punido, na sua medida exata se comprovada a culpa. Devemos buscar a verdade. Dentro do contraditório, respeitado o devido processo legal, o réu e o advogado ou defensor público que o representa.

O promotor de Justiça dos tempos modernos ouve atentamente o povo que representa no atendimento cotidiano e nas audiências públicas que promove para estabelecer prioridades de atuação. Dialoga. Não se esconde da imprensa –presta contas do que fez, sem exibicionismo e sem assassinato de reputações.

A Constituição, afinal, consagra o princípio da publicidade, instrumento garantidor da transparência, que não pode jamais se transformar em agente para a destruição da imagem de investigados ou réus.

O Ministério Público respeita o magistrado sem ser subserviente a ele. Assim como respeita o advogado, o defensor público, o delegado de polícia. Não é melhor nem pior que nenhum deles. Entende perfeitamente que cada um cumpre seu papel dentro do sistema de Justiça.

Esse MP é estrategista. Emite recomendações visando a prevenção, não demoniza políticos e difunde a cultura de paz. Prioriza a mediação dos conflitos e busca construir o entendimento e a celebração de termos de ajustamento de conduta na defesa do meio ambiente, dos consumidores, dos fracos e oprimidos, das crianças e jovens, idosos, pessoas com deficiência, dentre tantos papeis que desempenha.

Mas, sempre que necessário, investiga e processa os violadores da lei, especialmente aqueles que desrespeitam o patrimônio público, já que, certamente, o combate implacável à corrupção é uma das maiores expectativas sociais em relação à atuação do Ministério Público.

Hoje, dia do Ministério Público de São Paulo, em que se comemoram os 21 anos da Lei Orgânica do Ministério Público no Estado, é dia de relembrar a gravidade da nossa missão. E de cumpri-la todos os dias com seriedade, humildade e coragem!

ROBERTO LIVIANU, 46, promotor de Justiça em São Paulo, é doutor em direito pela USP e presidente do Movimento do Ministério Público Democrático

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

10 Comentários

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  1. A questão

    A questão é que MP e Judiciário, na maioria dos componentes ou seus principais componetes tem posições partidárias e suas decisões são baseadas nelas. Veja o caso do MP de São Paulo, como exemplo, é nitidamente tucano, todos os escândalos que surgem contra o Governo estadual de uma forma ou de outra são abafados, ninguém mais comenta sobre o caso do Metrô e CPTM.

    O MP e Judiciário são constituídos por herdeiros da oligarquia, são setores que inacessíveis ao povo, é urgente uma reforma que democratize esse poder do contrário sempre agirão atendendo aos reclamos e interesses da oligarquia.

    1. belo comentáro João.
      Vide o

      belo comentáro João.

      Vide o caso Metro do sp. O procurador nitidamente tucano sentou no processo até prescrever tudo. O MP da suiça desistiu porque não teve nenhuma respostas do mp paulista. Até hoje nenhuma punição ao promotor prevaricador…

      Agora no caso da Petrobras está ocorrendo o contrario: o MP foi à suiça para investigar tudo.

      A questão é seguinte: Se não tiver petista envolvido, nada anda.

      Os petistas de alto escalão tem que entender isso e começar a mudar essa coisa. Do contrario terminarão todos presos, igualmente aos “mensaleiros”.

      O pior é que o pt não aprende nem com os exemplos: depois de processo totalmente politico, como foi o mensalão, eles não se previnem de nada…dá ódio isso…

      1. Discriminação

        “Os petistas de alto escalão tem que entender isso e começar a mudar essa coisa. Do contrario terminarão todos presos, igualmente aos “mensaleiros”.”

        Para a justiça no julgamento dos corruptos não deve haver petistas nem tucanos .Todos são igualmente ratos.

  2. ótimo texto,
    mas deveria ser


    ótimo texto,

    mas deveria ser feito um estudo mais

    parofundado dos motivos da partidarização do mpf no país.

    não é certamente só em são paulo que o mpf é tucano.

  3. O problema é que.todos nos
    O problema é que.todos nos agentes sao advogados.

    Pornisso defendo que se combata sempre o judiciário, MP, defensoria, enfim, toda a estrutura:

    Sem .combate ATIVO o Brasil não vai avançar!

  4. 4º Poder não… Poder à parte.

    ” O exercício do poder exige extrema prudência, espírito público e humanista, equilíbrio, serenidade, ética, mas, acima de tudo, simplicidade e humildade…”

    (E uma lei elaborada por eles que garanta supersalários e benefícios exclusivos da classe sem nenhuma humildade)

    Ao meu ver, como todo servidor público, o voluntarismo é vocação essencial para defender a sociedade. Mas tudo, tudo mesmo, indica que essas pessoas, com alguma boa intenção, querem é vencer na vida. E levar nas coxambras suas funções apenas pra cumprir tabela e receber seus salários, aposentadoria e benefícios da estabilidade. E ao final, transformar numa tradição longe dos princípios democráticos.

     

  5. Quer falar de humildade mas

    Quer falar de humildade mas logo em seguida vem com a conversa de “Principal Organismo Defensor da Sociedade”… Parei.

    Sociedades não costumam ser suicidas. Todas as instituições de uma maneira ou de outra “funcionam” para sua reprodução e permanência. O MP não é nem mais nem menos do que qualquer outra, portanto. A função dele é clara: fiscalizar a alicação da Lei. E a Lei – é cansativo repetir isso pra juristas – não é A sociedade.

    Um pouco de Renato Treves não faria mal.

    Juízes, Promotores, Defensores, etc matam aula de Sociologia (“não cai em concurso”) pra essas e outras…

    1. Concordo plenamente.
      E outra,

      Concordo plenamente.

      E outra, no estágio dos concursos públicos atuais, encontrar alguma humildade de promotores é algo bem difícil. O fulano acha que porque fez concurso está em um patamar acima, isso acontece com a maioria dos cargos infelizmente. Como se o cargo público fosse propriedade do servidor.

  6. Utopia do possível

    O séc XXI está só começando, e o Brasil é o país do futuro:

    “Na Suécia, por exemplo, perguntar “você sabe com quem está falando?” caracteriza crime. Isso ocorre na mesma Suécia em que vigora Lei de Acesso à Informação Pública desde 1766 (a do Brasil é de 2011) e que há anos figura no topo do controle da corrupção, segundo a Transparência Internacional.”

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