A teoria da sociedade justa e o modelo da Escandinávia

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
[email protected]

Enviado por Vânia

Do Diário do Centro do Mundo

O melhor teste para descobrir se uma sociedade é justa

O filósofo americano John Rawls (1921-2002) se debruçou sobre esta pergunta. Em 1971, Rawls publicou um livro aclamado: “A Teoria da Justiça”.

A idéia central de Rawls era a seguinte: uma sociedade justa é aquela na qual, por conhecê-la e confiar nela, você aceitaria ser colocado de maneira randômica, aleatória. Você estaria coberto pelo que Rawls chamou de “véu de ignorância” em relação à posição que lhe dariam, mas isso não seria um problema, uma vez que a sociedade é justa.

Mais de quarenta anos depois do lançamento da obra-prima de Rawls, dois acadêmicos americanos usaram sua fórmula para fazer um estudo. Um deles é Dan Ariely, da Universidade Duke, especializado em comportamento econômico. O outro é Mike Norton, professor da Harvard Business School.

Eles ouviram pessoas de diferentes classes sociais. Pediram a elas que imaginassem uma sociedade dividida em cinco fatias de 20%. E perguntaram qual a fatia de riqueza que elas supunham que estava concentrada em cada pedaço.

“As pessoas erraram completamente”, escreveu num artigo Ariely. “A realidade é que os 40% de baixo têm 0,3% da riqueza. Quase nada. Os 20% de cima têm 84%.”

Em seguida, eles aplicaram o “véu de ignorância de Rawls”. Como deveria ser a divisão da riqueza para que eles se sentissem seguros caso fossem colocados ao acaso na sociedade?

Veio então a maior surpresa dos dois acadêmicos: 94% dos entrevistados descreveram uma divisão que corresponde à escandinava, tão criticada pelos conservadores dos Estados Unidos por seu elevado nível de bem-estar social, e não à americana. Na Escandinávia, os 20% de cima têm 32% da riqueza. (Disse algumas vezes já e vou repetir: o modelo escandinavo é o mais interessante que existe no mundo, um tipo de capitalismo extremamente avançado do ponto de vista social.)

“Isso me levou a pensar”, escreveu Ariely. “O que fazer quando num estudo você descobre que as pessoas querem um determinado tipo de sociedade, mas ao olhar para a classe política parece que ninguém quer isso?”

Bem, uma das respostas à questão está na eclosão de protestos nos Estados Unidos. Os “99%” do movimento Ocupe Wall Street estão esperneando por uma sociedade mais justa, que se encaixe na tese do “véu de ignorância” de Rawls.

Os 99% não são representados nem pelos democratas e nem, muito menos, pelos republicanos. Barack Obama e Mitt Romney jamais aceitariam ser colocados aleatoriamente na sociedade americana tal como é. As chances de que eles terminassem num lugar bem diferente daquele que ocupam seriam enormes. Talvez eles tivessem que dormir em carros ou em barracas, depois de perder a casa na crise econômica, como acontece hoje com milhões de americanos.

Para usar o método de Rawls, eis aí a demonstração do que é uma sociedade injusta.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

16 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. É assim quando discutimos

    É assim quando discutimos Estado e/ou Livre iniciativa-Mercado aqui.  Um ministro Barroso e o repetitivos liberais. Queremos sempre explicitar não um socialismo ideal mas um capitalismo como este dos paises escandinavos. Ao ponto: a Noruega emprega o seu pre sal em beneficio de toda a população se firmando como o país mais prospero do planeta enquanto no Brasil se manifestam contra só porque foi proposto pelo Congresso com apoio explicito da esquerda Lula/Dillma

  2. O problema é que nossa elite

    O problema é que nossa elite de origem aristocrática e escravocata,  sem nenhum respeito pelos princípios republicanos, não permite que no Brasil alguém tente fazer o mínimo para se ter uma sociedade econômica e socialmente mais justa.

     

  3. O Post é bem intencionado

    Quem quiser saber mais sobre a Escandinávia, este é o tema principal (quase o úncio, como um samba de uma nota só) do pessoal do diariodocentrodomundo). Mas o desejo de que sigamos tal caminho é o mesmo que acreditar em anjos. Pode servir como modelo pra todo o mundo – mesmo os mais desenvolvidos não o seguem – porque não podemos, porque temos histórias diferentes, populações diferentes, (más) tradições diferentes. O Post é bem intencionado, todavia.

    1. Veja Rodrigo, mas se o

      Veja Rodrigo, mas se o capitalismo serviu – ou serve – para inúmeros países, com ” histórias diferentes, populações diferentes, (más) tradições diferentes”, não vejo porque não seja possível adequar o modelo à qualquer realidade. É claro que leva tempo, dá trabalho e, sobretudo, exige vontade. Mas não é um horizonte impossível, nem tampouco utopia irrealizável. É ou não, um projeto de país e de mundo pelo qual vale a pena lutar?

      1. Nao, pq o capitalismo é inerentemente incompatível com isso

        O país em que a desigualdade mais cresceu na útlima década foi a SUÉCIA. Nao é o país de maior desigualdade, mas foi o em que ela mais aumentou. 

  4. Em tempos em que se discute a

    Em tempos em que se discute a falta de utopias, os escandinavos nos mostram que um mundo melhor é perfeitamente possível, sem projetos mirabolantes, sem subverter cânones, mas apenas considerando o bem coletivo. Tão longe e tão perto.  

    1. Nao mostram nada disso

      Mostram que sao perto da ex-URSS, e que o medo do comunismo após a segunda guerra obrigou os capitalistas de lá a distribuírem melhor a riqueza com o resto da populaçao. Bastou a correlaçao de forças mudar, e a situaçao lá está se invertendo, o país em que a desigualdade mais cresceu nos últimos anos foi a Suécia. 

      1. Os países nórdicos, entre

        Os países nórdicos, entre eles a Suécia, estão entre os países com menor concentração de renda no mundo, com Indice Gini por volta de 0,25, mesmo que com alguma variação por período. Sob qualquer outra perspectiva de desenvolvimento humano, estão sempre no topo dos rankings.

         http://www.oecd.org/els/soc/OECD2013-Inequality-and-Poverty-8p.pdf

        http://www.oecd.org/els/soc/OECDIncomeDistributionQualityReview_PartI.pdf

        http://www.undp.org/content/dam/undp/library/corporate/HDR/2013GlobalHDR/Spanish/HDR2013%20Summary%20Spanish.pdf

        1. Mas é onde a desigualdade ESTÁ AUMENTANDO MAIS

          O que aliás já estava bem claro no meu comentário anterior: a desigualdade ainda nao é das maiores, mas é onde (Suécia) está aumentando mais. Você sabe ler, nao sabe? 

  5. Acredito que o problema é

    Acredito que o problema é nossas elites. Elas estão acostumadas com o poder, tanto aqui como no mundo, o dinheiro é simbolo de poder e status, assim sendo, nunca permitiram uma situação mais justa e igualitária.

    Vivemos em um modelo que faz com que crianças sonhem com riqueza e poder, este modelo é que gera crimes, violência e tudo de ruim da sociedade, mas tudo que querem é ser feliz.

    Todo mundo com quem converso quando falo em uma sociedade justa soltam a expressão isto é UTOPIA. Fico indignado, pois, se todo mundo concorda por que não coloca-la em pratica.

    A desculpa sempre é que para implementar uma sociedade mais justa geraria caos, mas, quem disse que a mesma precisa ser criada de um dia para o outro. A meu ver uma politica para implementar uma sociedade mais justa pode ser feita com politicas de médio e longo prazo. Quando a sociedade perceber, já estará vivendo em um regime mais justo e igualitário.

    Não vejo como o mundo possa sobreviver baseando tudo em dinheiro, acho que em um dado momento da humanidade o dinheiro será banido.

     

  6. É o tipo da coisa que não é

    É o tipo da coisa que não é possível nem de se imaginar no Brasil. 

    Se você tocou fogo em um índio que estava dormindo na rua , espancou uma empregada doméstica que estava no ponto esperando o ônibus , estuprou uma adolescente ou encheu um helicoptero de cocaína – tudo isso apenas pra se divertir um pouco , sair da rotina da vida diária .  

    Independentemente de sua faixa de renda , você tem uma justica tão perfeita no país que não lhe preocupa nem um pouco em que posicão você será colocado na sociedade. Não importa se você nasceu na Rocinha no RJ , no Jardim Angela em SP , ou se é filho de um juiz ,  do empresário Sirotsky ou do senador Perrella . 

    Nessa país imaginário , a  justica é cega e perfeita.

  7. Não sabia que a igualdade na

    Não sabia que a igualdade na Escandinávia chegava a esse ponto.  Fiquei intrigado, agora me senti obrigado a ler um livro sobre o assunto.  Mesmo assim ela é capitalista…  Mas de qualquer jeito, mesmo sendo capitalista, não deve ser um modelo de se descartar, pelo contrário.  O melhor modelo é aquele que funciona na prática, e não utopias impossíveis de se atingir.

    Mas eu me pergunto quanto deste sucesso se deve à cultura e ao comportamento dos escandinavos, ao invés do sistema em si.  Tenho a impressão de que um sistema destes poderia não dar certo no Brasil, onde todo mundo é tão preguiçoso e corrupto.  Todos gostam de discutir sistemas e ideologias, mas na realidade, na prática, o que mais conta são a cultura e as atitudes de um povo.

    Nos EUA 40% da população tem 0,3% da riqueza?  Não imaginava que chegava a esse ponto.  O problema também é que lá só existem dois partidos realmente importantes: o Democrata, que já é um partido de direita, e o Republicano, que é mais de direita ainda!  

    Ainda bem que finalmente um movimento de esquerda está ganhando força por lá, o tal do Tea Party, para contrabalancear um pouco as coisas. *cof cof cof* *cof cof cof*  Hm, desculpa… me enganei em alguma coisa?

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador