A virulência na rede digital, por Luciano Martins Costa

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Luciano Martins Costa

No Observatório da Imprensa

O cruzamento de algumas leituras do fim de semana e de segunda-feira (18/5) destaca algumas vozes que refletem certa preocupação com os níveis de hostilidade presentes nas relações sociais digitais.

O Estado de S. Paulo, citando a organização de defesa de direitos humanos Safernet, informa que em 2014 foram registradas 189,2 mil denúncias de crimes e abusos na rede, segundo levantamento feito com a participação do Ministério Público e da Polícia Federal. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o sociólogo Manuel Castells afirma que a internet está expressando um perfil naturalmente agressivo dos brasileiros.

Também pode-se colocar na mesma conta o episódio de que foi vítima o secretário municipal de Saúde de São Paulo e ex-ministro Alexandre Padilha, ocorrido na sexta-feira (15/5). Padilha almoçava com amigos de infância quando um cliente se levantou e, batendo com o garfo numa taça, pediu atenção aos presentes para avisar que ali estava o homem que havia criado o programa Mais Médicos cuja conta, segundo ele, cairia nas cabeças dos brasileiros. Padilha achou por bem não polemizar na ocasião, e depois usou as redes sociais para comentar o que chamou de “inaceitáveis instantes de intolerância”.

Pode-se encontrar algumas convergências e certa diversidade nas três citações da imprensa. A primeira, que se refere à preocupação de empresas e entidades civis com o aumento da agressividade nas redes sociais, aponta para um fenômeno mundial que tem sua versão brasileira associada a questões comuns como o preconceito de raça e de origem, o posicionamento político ou a preferência em termos futebolísticos. Especialistas citados na reportagem afirmam que tem havido uma redução da virulência, com outros sinais de amadurecimento do comportamento virtual.

Já Manuel Castells, que dos anos 2000 a 2006 esteve no topo das citações entre intelectuais que estudam a comunicação, com sua interpretação marxista da vida digital, faz uma projeção de teses que contrastam com a ideia equivocada do “brasileiro cordial”. A frase que a Folha escolheu para dar o título à sua entrevista reduz bastante o alcance de suas declarações: “A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba”.

Mas a visão do sociólogo sobre o Brasil atual precisa ser discutida.

A fonte da intolerância

A rigor, o que Castells diz na entrevista é uma repetição de certa obviedade que vem afirmando em suas palestras: o fato de que as pessoas refletem na internet a educação que receberam ou desenvolveram. Se alguém é intolerante na vida social, tende a repetir esse comportamento quando acessa as redes digitais.

Ele acredita que a internet apenas amplifica os conflitos entre os brasileiros, que, na sua opinião, sempre foram agressivos: a internet funciona como um espelho, pondera. “A sociedade brasileira não é simpática – é uma sociedade que se mata”, afirmou, observando que a internet amplia os espaços para a expressão de sentimentos que já estão presentes na vida comum. Portanto, se nas relações virtuais “se articulam formas de violência, racismo, sexismo, é porque isso existe na sociedade”, acrescentou.

Mas Castells não acredita que a rivalidade política esteja mais intensa agora, no Brasil, do que foi antes. É nesse ponto que o sociólogo espanhol parece se distanciar da realidade brasileira: a observação diária autoriza a afirmar que o posicionamento partidário da mídia tradicional estimula radicalismos políticos no campo virtual, que se desdobram em outras formas de intolerância. O incidente que constrangeu o ex-ministro da Saúde é apenas uma das muitas manifestações diárias desse fenômeno, que mostra as classes médias urbanas expondo mais agressivamente seus preconceitos e sua visão de mundo reacionária.

Juntando-se aos dois textos o caso do ex-ministro, fica evidente que a sensação de liberdade do suposto anonimato – ou a possibilidade de uma ação incorpórea – nas redes digitais estimula a manifestação da intolerância que já existia nas camadas mais privilegiadas da sociedade brasileira. E, ao contrário do que diz Manuel Castells, essa rivalidade ideológica, estimulada e amplificada pela imprensa, oferece uma justificativa moral para o comportamento de pessoas como o cidadão que manifestou em voz alta, num restaurante, sua ignorância sobre o programa Mais Médicos.

Ao contrário da crença de Manuel Castells, o Brasil é um país conflagrado politicamente. Mas não se pode culpar a internet ou as redes sociais pela virulência que nasce nas redações.

Colunistas pitbulls e articulistas tendenciosos armam o palanque dos analfabetos políticos que esgrimem suas verdades por aí.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

21 Comentários

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  1. Artigo elucidativo. Os

    Artigo elucidativo. Os analfabetos políticos que vociferam e escrevem besteiras, que desrespeitam figuras públicas como Guido Mantega e Alexandre Padilha, se matricularam em escolas nas quais os “professores” são os colunistas pitbulls e articulistas tendenciosos de que fla LMC. E com professores desse “quilate” já podemos prever que tipos de cidadãos os veículos da mídia comercial estaõ empenhados em de(s)(in)formar.

  2. Na mosca! Realmente,  são as

    Na mosca! Realmente,  são as redações o laboratório onde se misturam ingredientes que fazem explodir o ódio dos desavisados que já não são calmos e só precisam de um pavio que a imprensa “amiga” oferece com “muito amor”.

  3. Que tedio

    Outra coisa que ta ficando manjada demais é esta insistencia de pixar que as mazelas sociais no Brasil é culpa exclusiva desta midia golpista.

    O disco ja esta arranhado, não é hora de trocar?

    O que se sugere contra esta midia golpista?

    Que pais na america latina pode dar algum exemplo?

  4. Mídias mundiais dominadas por

    Mídias mundiais dominadas por extrema direita E a extrema direita cresce.

    Que fenômeno curioso. Quem poderia imaginar que há relação?

    Não!!! Ninguém vai acreditar! É apenas mais uma teoria da conspiração! Obvio que não faz o menor sentido….

  5. Esses jornais só fizeram

    Esses jornais só fizeram canalizar para a Política uma “moda” da agressividade e do medo que já vêm sendo disseminados há algum tempo na nossa sociedade, algo como “bom é ser mau” (qualquer semelhança com a novilíngua do livro “1984”, do Geoge Orwell, não é mera coincidência). O “bad boy” é modelo, funks que cantam os treizotões nas favelas também. Datenizaram, marcelorezendizaram a sociedade… é que uma sociedade em paz consome menos. Que tal se Manuel Castells ou algum outro intelectual celebridade se debruçasse sobre a hipótese de que vivemos um arremedo da sociedade estadunidense e seus franco-atiradores? Como é que fomos criar a cultura da agressividade e do medo? Como é que fazemos para interromper essa cultura? Ela é tão legítima e espontânea quanto, por exemplo, a lenda do Saci? Ou é uma cultura imposta “de cima prá baixo”, pelo detentores dos meios de comunicação de massas através de artificios muito bem calculados? A cultura da violência – da qual deriva, na minha opinião, a “virulência das redes” (Kataguiri discursando na Câmara de Uberlândia) – talvez merecesse estudo sério… Será?

     

    O “pai”, abaixo, foi buscar a mochila do filho, morto na escola em que ocorreu o Massacre do Realengo. Alguém aqui já viu outros símbolos de agressividade e medo tanto entre crianças quanto em camisetas, carros “tunados” etc.?

    1. “O bom é ser mau”

      Taí, gostei. E essa moda não é tão velha assim, se não me engano teve início em meados do século passado, James Dean, por aí. Mas discutí-la é tabú. Discutir qualquer assunto que se relacione com sociedade de consumo é discutir tabús e dogmas, é quase impossível. É mais fácil botar mais violência em cima da que já há, botar a polícia em cima, já que polícia dificilmente atinge os setores mais privilegiados da sociedade, justamente o que mais ganha com a violência. Me lembrei do helicoca… como será que estão os Perrela?

  6. Alternância de poder

    A alternância de poder tem sido saudável na imatura democracia brasileira. Só que a imcompetência ou degeneração total da direita não gerou um alternativa convincente.  Cabe ao governo de continuidade da esquerda corrigir seus próprios excessos e talvez sair fortalecido e amadurecido dessa crise política.

    Uma coisa peculiar das manifestações do público brasileiro em ambientes abertos é que não há a menor pudor em externar ataques gratuitos, preconceitos, e toda sorte de coisas que deveriam ser repreendidas por um mínimo de autocrítica do mensageiro. Faz nos até acreditar que não pode ser  verdade que pessoas pensem assim e se orgulhem disso sendo na verdade  pagos para algum tipo de guerra subliminar de informação.  Não vejo isso em comentários de noticias de jornais de outros países, não que as pessoas sejam menos preconceituosas ou mais educadas somente por isso  mas certamente são menos exibcionistas, ou respeitam um espaço público. È de se lamentar.

    Não alimentem os trolls.

     

  7. ENTREVISTA – MANUEL

    ENTREVISTA – MANUEL CASTELLS

    A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba

    Segundo sociólogo espanhol, a relação entre as pessoas no Brasil sempre foi violenta e, atualmente, a internet apenas expressa isso abertamente

    Está em risco o Estado de Direito no Brasil?

    Do ponto de vista concreto, ele não existe na maioria dos países. No Brasil, não há Estado de Direito, há uma classe política corrupta que utiliza o Estado para seus próprios fins. Há a manipulação do Estado de Direito para manter um Estado patrimonial.

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/219703-a-imagem-mitica-do-brasileiro-simpatico-existe-so-no-samba.shtml

     

     

  8. MANUEL CASTELLS – 2

    No Brasil, a desigualdade diminuiu, mas ainda é muito grande. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso dizia que o Brasil não era pobre, mas, sim, injusto. Concordo. Há uma imensa riqueza, controlada por 1% da população. Como é que a sociedade não vai estar com raiva? E há, também, um grupo de classe média que está descontente porque se tira deles alguns recursos para redistribuir.

    Trata-se de uma classe média profissional, que teme perder seus privilégios e que vive melhor que seus pares nos EUA e na Europa. Quem pode ter dois ou três empregados domésticos permanentes, vivendo em casa, ou constantemente indo e vindo? Nenhuma classe média do mundo

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/219703-a-imagem-mitica-do-brasileiro-simpatico-existe-so-no-samba.shtml

  9. MANUEL CASTELLS – 3

    Em sua opinião, quais as principais diferenças dos protestos no Brasil em 2013 e 2015?

    Em comum têm a denúncia da corrupção e o sentimento de que há demandas que não podem se expressar nos atuais sistemas políticos.

    O movimento de 2013 era popular, jovem e partiu de demandas concretas, mas imediatamente levantou o tema da dignidade. E teve êxito, pois anulou-se o aumento das tarifas. Causou a reação política mais positiva de um governo no mundo.

    A presidente Dilma Rousseff se conectou com ele. Mas o aparato do PT bloqueou a possibilidade de reforma.

  10. Caramba, acho incrível a

    Caramba, acho incrível a autoenganação por parte das pessoas cultas, alfabetizadas politicamente e bastante inteligentes que por aqui passam… dizer que a  agressividade que permeia as redes sociais é fomentada pelo pig é esquecer fenomenos típicos de massa e anonimato tais como os linchamentos… dizer que homofobia, racismo, bullyng não acontece entre os mais pobres, francamente, é não saber o quão conservadoras e fundamentalistas essas pessoas podem ser. Basta conversar um pouquinho com elas. Ainda acho a classe média, com sua heterogeneidade, a salvação intelectual da lavoura…

  11. O artigo é bom, como todos os

    O artigo é bom, como todos os do Luciano. Ainda mais se lido em conjunto com o post anterior sobre o fenômeno da ascenção da extrema-direita no mundo. 

  12. Vale a pena acrescentar à

    Vale a pena acrescentar à discussão a agressividadaqde com que foi brindado o filho de Ricardo Noblat, por usar camisa vermelha.

    Ricardo Noblat é um dos grandes expoentes da agressividade irresponsável da imprensa brasileira para com aqueles que não comem no mesmo prato que ele, o Ricardo.

    A carreira político-jornalística do pernambucano Ricardo Noblat foi valorizada pela Globo a partir da cobertura que ele fez no início das delações de Roberto Jefferson.

    Naquela ocasião, se misturaram figuras conhecidas do sub-mundo da contravenção e da imprensa marrom como Carlinhos Cachoeira, Demóstenes Torres e Policarpo jr, além  do próprio Ricardo Noblat.

    Está na hora de esses colunistas perceberem que o feitiço pode se voltar contra o feiticeiro, como diz o chavão.

     

  13. É a divisão por classes da sociedade

    Repercutimos as redes sociais como sendo amostra da nossa sociedade. Acho uma grande bobagem. Quem atua no segmento Istagram, Whatsap, Twiter, e afins  tem uma origem social e econômica. Não podemos e não devemos pasteurizar os brasileiros dessa forma e daí nos definir. O Brasil e os brasileiros transcendem  o BBB. Uma sociedade tão multifacetada como a nossa não deve ser lida por uma única página. 

  14. É mais fácil apelar ao fígado do que ao cérebro das pessoas…

    É mais fácil apelar ao fígado do que ao cérebro das pessoas. A tática sorrateira empregada pela elite brasileira e amplificada pela mídia golpista é simples: Quer ter o controle das massas? Então aponte para elas um inimigo.

    Sempre foi assim, regimes totalitários dependem de bodes expiatórios para canalizar o ódio de seus rebanhos. Ontem foram os judeus, ciganos, comunistas e negros. Hoje são os esquerdistas, sem terras, gays, maconheiros, petistas…

    Portanto, se a esquerda brasileira não abrir os olhos logo, a serpente do fascismo dará o seu bote mais cedo do que se possa imaginar. Essas manifestações da direita brasileira é um alerta preocupante.

    A nossa sorte é que a direita brasileira ainda não encontrou uma liderança a altura das suas ambições. Mas é algo que pode acontecer a qualquer momento, pois a mídia golpista e o judiciário já estão fazendo a sua parte, falta agora encontrar algum dulce, algum führer para terminar o trabalho. 

  15. Michael Löwy: ‘Só crise

    Michael Löwy: ‘Só crise econômica não explica ascensão da extrema-direita na Europa’

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    Patrícia Dichtchekenian | São Paulo – 18/05/2015 – 06h00De volta ao Brasil para relançar livro, sociólogo radicado em Paris analisa as origens e o impacto de onda ultraconservadora no continente europeu      

    “Acho que é a primeira vez desde os anos 1930 que há uma ascensão espetacular da extrema-direita na Europa, em quase todos os países do continente”, afirma o sociólogo marxista Michael Löwy, em entrevista a Opera Mundi. “E qual é a explicação? Geralmente, se fala na crise econômica. Isso, sem dúvida, é um fator importante, mas a crise não explica tudo”.

    Um dos maiores pesquisadores das obras de intelectuais como Karl Marx, Leon Trotski, Rosa Luxemburgo e György Lukács, o especialista brasileiro radicado na França passou por São Paulo na última semana para promover a reedição do livro Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade (Ed. Boitempo, R$ 57, 288 págs), escrito em coautoria com o professor norte-americano Robert Sayre.

    Leia também:
    Michael Löwy: ‘Duvido que Miami vá colonizar Cuba’

     

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