As chuvas de verão e o cenário para o Sistema Cantareira, por Bill

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Conforme já mencionado aqui por especialistas, e de acordo com as curvas de risco utilizadas pela própria Sabesp para definir as vazões mensais de captação no cantareira (obtidas no site da ANA), o racionamento na RMSP deveria ter sido implementado no início de dezembro, conforme indica o ponto A da figura abaixo. Do ponto de vista da segurança hídrica, a linha verde (que mostra o volume útil do sistema) deveria permanecer sempre acima da primeira linha pontilhada em azul. No início de dezembro a redução da captação de água do cantareira já deveria ter sido implementada visando atender essa premissa de risco mínimo.

Não o fazendo, o sistema colapsou (do ponto de vista técnico) no início de fevereiro (ponto B da figura acima), culminando com o esgotamento do volume útil do sistema em julho (ponto C). A Sabesp tinha todas as informações e ferramentas para evitar que a situação chegasse ao ponto em que chegou, pois possui imensa massa de dados hidrológicos e o funcionamento do sistema é razoavelmente previsível.

Tanto que no início de maio postei comentário aqui, com a previsão da evolução do armazenamento de água do cantareira, que fiz a partir dos poucos dados disponíveis em sites diversos (ana, sabesp, etc). Vejam a boa aderência da evolução da previsão feita à época (% acima da linha) com os dados reais até o momento (% abaixo da linha), no gráfico a seguir:

Mas a recente redução de vazão acordada pela Sabesp, noticiada aqui no blog, alterou as condicionantes de retirada de água do sistema. Em contrapartida, os parâmetros de afluência dos últimos meses se agravaram. Refiz a simulação feita em maio utilizando esses novos parâmetros de retirada e de afluência, e incluí cenários de pouca a muita chuva. As projeções encontradas apontam uma piora considerável no quadro atual quando comparado com as projeções feitas em maio, conformese observa na figura a seguir.

Observa-se que mantidas as vazões (recém acordadas) durante um ano, será necessário chover 20% acima da média histórica em todos os 12 meses vindouros para que fiquemos, em setembro de 2015, com o mesmo volume de água disponível hoje de 102,5 hm3 (102,5 bilhões de litros), que representa os 8,2% negativos em relação ao volume útil do sistema. Somente se chover 40% acima da média é que, por uns 4 meses em 2015, não usaremos a água do volume morto.

É possível que chova 120% ou mais em relação aos valores históricos? Sim, é plenamente possível, mas a tendência mais provável não é essa. A média histórica da precipitação acumulada na região do cantareira é de 1.580 mm anuais (janeiro a dezembro). Desde 2003, apenas em 2009 choveu mais que 120% da média. Em todos os outros anos a média histórica não foi ultrapassada. Também a afluência anual não tem atingido a sua média histórica no último decênio, conforme indica gráfico abaixo.

 Não há como não caracterizar a atual situação do abastecimento da RMSP, de iminente colapso, como sendo resultante de interesses eleitorais. Sem dúvida que há uma situação atípica de baixa precipitação, mas desde dezembro o racionamento já deveria ter sido implementado, progressivamente, visando ajustar o volume útil do sistema às curvas de risco aceitáveis. O problema não foi e não está sendo enfrentado com o rigor que a situação exige. O caminho trilhado irá comprometer, por um bom período, a disponibilidade hídrica de milhões de pessoas e de milhares de empresas.   

Espero que a realidade “derrube” algum dos parâmetros utilizados nas projeções que fiz. Só vou poder verificar no ano que vem, pois caso eles venham a se confirmar, significa que não há mais margem de manobra: o abastecimento de água da RMSP, para os próximos anos, está por conta da benevolência de São Pedro. 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

9 Comentários

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  1. Como em BH estávamos ( e

    Como em BH estávamos ( e estamos, por enquanto), até certo ponto, sem muitos problemas de abastecimento dágua, minha preocupação era com geração de energia. Eu até que procurei o post onde criticavam a imprensa – vá lá que tivessem alguma razão- e agora assistimos aos que antes criticavam a imprensa alarmista, criticando o governo de SP, com razão. Mas, só para curtir, como palpiteiro estou melhor que muito asponi.

    O impacto da ausência de chuvas nas usinas térmicas

    Enviado por luisnassif, ter, 19/03/2013 – 20:28

    Por evandro condé de lima

    Prezado Nassif, no início do ano, em post sobre a utilização das usinas térmicas e ausência de chuvas, não faltaram comentários sobre como a imprensa, desinformada, desinformava a população sobre os futuros riscos de apagão, etc. (estou sendo breve); bem como comentavam que as chuvas, que caiam em janeiro, estavam regularizando os reservatórios.

    Eu, aqui em BH, acostumado a maioria das vezes com chuvas que começam em outubro e vão até janeiro, achava que havia alguma coisa errada com os comentários, ainda mais sabendo que a caixa dágua está no sudeste. Ou em bom português: se não chover em Minas devemos ficar alertas.

    Pois bem, conversando com um engenheiro da área, ele confirmou minhas hipóteses (vamos passar um riscado este ano) e me enviou ao site (http://www.ons.org.br/avaliacao_condicao/curva_aversao.aspx) para confirmar, ou não; mais ainda, segundo ele já passou da hora do governo ser mais claro e alertar a todos que devemos tentar gastar menos, pois se formos necessitar de mais energia as térmicas vão ter de rodar a muito. Estaremos enganados?

     

  2. Bill, brilhante post, meus

    Bill, brilhante post, meus parabéns. 

    Temo que a SABESP venha a querer não cumprir o estabelecido pelo GTAG nessa última reunião. Nesse caso, necessariamente veremos o uso do “volume morto II” ainda em Novembro (acho que só teremos superávit de água em Janeiro, i.e., mais de 20 m3/s de afluência diária, o que poderá ser absolutamente trágico). As previsões da Climatempo, há cerca de 1 mês, indicaram chuvas abaixo da média, talvez 30% a menos do que o habitual. Nessas condições, não haverá bomba flutuante no mundo capaz de dar conta da profundidade das reservas do sistema daqui a um ano. O ponto é, como vc colocou, é que mesmo nos prognósticos mais conservadores e otimistas (e irreais, historicamente, dada a excepcionalidade de 2009), passaríamos um par de meses sem desfrutarmos do volume morto do sistema. Tudo graças a uma das mais infelizes e minúsculas decisões de política pública que algum Chefe de Estado tomou na história deste país.

    1. Sergio, creio que vão cumprir

      Sergio, creio que vão cumprir sim, pois a primeira redução é para final de setembro, quase não afetará a eleição. E a segunda redução será depois do eventual 2º turno. Aliás, creio que após as eleições o racionamento virá bem forte. A situação como está é insustentável. E jogarão a culpa na ANA. Aguarde. Quanto ao volume morto II, creio que provavelmente tenham de usá-lo por questões operacionais. No ponto de captação do jaguari/jacareí, pelas fotos que divulgam, me parece que não estão conseguindo mais captar o que precisariam.

  3. Chuchu

    Água?

    O governador de todos os paulistas tinha algo mais importante para se preocupar!

    A greve da USP já dura tres meses!

    Além do que ele precisava escolher um vice para sua campanha de reeleição!

    Quem vai se preocupar com água numa hora desta?

    Tem mais: Para enrolar coxinha NÃO precisa de água.

  4. E vemos que não estão fazendo nada…

    Não estão fazendo os reparos da rede de água dos municípios;

    Não estão construíndo sistemas de tratamento de esgoto;

    Não existe qualquer programa de incentivo ao armazenamento das águas da chuva, nem do reuso de água nos domicílios;

    Única decisão será o aumento da conta de água.

    Triste a situação dos nossos governantes.

  5. Outorga da SABESP

    A outorga de “exploração” dos recursos hídrícos – ou da falta deles – foi prorrogado pela ANA até outubro de 2015. essa outorga venceu no mês de agosto de 2014.

    Num exercício de futurologia, o justo seria a SABESP “rodar” e perder tal direito de outorga.

  6. Errata – Correção da última figura do post.

    A correta é essa abaixo. Havia uma incorreção na coluna “2014 até agosto” relativa à afluência acumulada do período.

  7. Politicagem bandida

    Pode ser teoria da conspiração, ou de como o brasielrio é otário. Mas a única explicação para a falta d’água em São Paulo, com água sobrando na Serra e na Baixada Santista é que o dono da água da Serra do Mar é um e o dono da água da Serra Mantiqueira é outro e eles não aceitam perder grana e o segundo está chantageando.

    Assim a população, que é quem realmente têm o direito de usar a água que cai do céu em benefício próprio, acaba pagando o pato pela desinteligência dos dois grupos rivais.

    O pior é que o acordo é nas sombras, matreiro e sorrateiro, escondido do povo e do público, assim só suas consequências malignas e malévolas são percebidas, a real motivação fica escondida e camuflada na cara de pau de políticos corruptos e inescrupulosos e empresários mesquinhos, sovinas e mau caráter.

    Até quando a população vai aguentar esta pouca vergonha sem tomar nenhuma providência?

    Mentes curiosas querem saber?

  8. ouvi na cbnhoje d manhã algo

    ouvi na cbnhoje d manhã algo que me parceu inacreditável.

    no bloco liberdade e expressão (onde aparece o famoso escritor cony e mais dois  e o apresentador  que desconheço e não lembro os nomes), os caras conseguiramum malabarismo verbal para quase  ciriminalizarem ogoverno federal – sem citá-lo, são sutis essas figuras – pelo desmatamento da amaonia, que seria responsável pela falta dágua em são paulo e rio de janeiro.

    só um ingenuo não veria nisso uma jogada para beneficiar a candidata mbientalista marina silva.

    só depois de meia hora, depois de  protestos dos  ouvintes,o apresentador veio com uma conversa mole de que teria se equivocado ao dizer que a amazonia era ainda o pulmão do mundo.

    o próprio bill já comentou que o governo de são paulo tenderá a culpar a ana

    sim,  a jenny culpada de todos os equívocos tucanos e da inércia política do psdb depois de vinte anos de poder hegemonico em são paulo.

     

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