As variadas cores da vida política de San Tiago Dantas, por Oscar Pilagallo

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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do Valor

As variadas cores da vida política de San Tiago Dantas

Por Oscar Pilagallo

San Tiago Dantas: associou a defesa da liberdade política interna e o combate ao totalitarismo nazista e fascista

O primeiro de dois volumes da biografia de Francisco Clementino de San Tiago Dantas (1911-1964) apresenta o personagem antes do seu protagonismo na política brasileira, que se deu sobretudo durante a primeira metade dos turbulentos anos 60.

Líder parlamentar e jurista de talento reconhecido, Dantas esteve por trás de alguns dos grandes acontecimentos de sua época. Em agosto de 1961, na crise institucional aberta pela renúncia de Jânio Quadros, o deputado pelo PTB integrou a comissão que redigiu o projeto instituindo o parlamentarismo – a solução encontrada para contornar o impasse político provocado pelo veto militar à posse do vice-presidente, João Goulart.

Na sequência, ao assumir o Ministério das Relações Exteriores, Dantas executou uma política externa independente, baseada na autodeterminação dos povos e na ampliação do mercado brasileiro. Durante sua gestão, o Brasil reatou relações com a União Soviética, que haviam sido rompidas em 1947, no início da Guerra Fria.

Com a restauração do regime presidencialista, em 1963, Dantas passou a ocupar a pasta da Fazenda, tendo como meta implantar o Plano Trienal, de Celso Furtado, que tentava resolver a difícil equação de combater a inflação sem comprometer o crescimento.

Quando o plano fez água, em poucos meses, o Brasil já estava na rota da radicalização que levaria ao golpe de 64. Depois de renunciar à pasta, em meados de 1963, Dantas se dedicou à última tarefa de sua vida: articular as esquerdas e as forças que apoiavam Goulart para tentar evitar a quebra da legalidade democrática. Ele morreria cinco meses após o golpe, aos 53 anos, de câncer no pulmão.

Lançado por ocasião do cinquentenário de sua morte, “San Tiago Dantas – A Razão Vencida”, de Pedro Dutra, leva a história até o fim da ditadura do Estado Novo, em 1945, revelando a trajetória do jovem que, embora precoce e brilhante como intelectual e acadêmico, quase nada tem em comum com o homem público que ele se tornaria no fim da vida.

Mais lembrado como defensor da “esquerda positiva” (termo que usava para se opor à “esquerda negativa”, mais radical, de Leonel Brizola), nos anos 30 Dantas abraçara o fascismo, ideologia que seduziu muitos intelectuais de sua geração. Para ele, o regime que Benito Mussolini instituiu na Itália em 1922 era uma resposta concreta à crise da democracia liberal. O nacionalismo exacerbado, o Estado centralizador, o descarte do parlamento, o corporativismo como meio de resolver o conflito entre capital e trabalho, o substrato religioso da nação católica, tudo isso animou Dantas a se tornar um expoente do fascismo brasileiro.

Com menos de 20 anos, Dantas chegou a esboçar, junto com colegas da faculdade de Direito, a criação de um Partido Nacional Fascista. Embora o projeto não tenha vingado, o jovem não deixou de militar nas fileiras conservadoras. Logo em seguida, passou a advogar o ideário de direita nas páginas do jornal “A Razão”, que editava ao lado do futuro líder integralista, Plínio Salgado.

A publicação fora criada em meados de 1931 por Alfredo Egydio, que seria um dos fundadores do Banco Itaú, para respaldar o governo provisório de Getúlio Vargas em São Paulo. Com a iniciativa, o empresário apoiava seu primo, o poderoso ministro da Justiça, Oswaldo Aranha, num ambiente hostil ao governo federal. Assim, Dantas alternava artigos de viés fascista com a defesa do interventor no Estado.

Dutra narra momentos de tensão, quando o jovem jornalista assistiu às cenas de violência que se seguiram ao anúncio da renúncia do governador indicado por Getúlio, o “tenente” João Alberto. Em carta a um amigo, Dantas escreveu: “Estava eu apenas […] impassível mas trêmulo […] heroicamente à porta do jornal […] à espera de um assalto […] com as portas de ferro da oficina corridas e inexpugnáveis”. O assalto viria no ano seguinte, às vésperas da Revolução de 32, quando a sede do jornal foi incendiada, mas na ocasião Dantas já deixara “A Razão”.

A breve permanência no jornal foi suficiente para fazer emergir as divergências que teria com Plínio Salgado. Ao contrário do líder integralista, que defendia uma “revolução benigna, adstrita ao receituário conservador sancionado pela Igreja Católica”, Dantas via no aspecto preponderantemente religioso dessa doutrina sua própria limitação. Para ele, “a moderna obra da reação exigia a incorporação de uma nova realidade”. Era preciso levar em conta também a ascensão da classe média urbana, o fenômeno proletário e a dinâmica do capitalismo incipiente, aspectos não contemplados por Salgado.

A capacidade intelectual de Dantas cresce em comparação ao perfil traçado de seu par. O biógrafo pinta Salgado como autor de formulações simplórias, que acreditava que as forças conservadoras deveriam ser mais contra o “capitalismo internacional” do que contra o próprio comunismo, embora considerasse ambos cruéis, materialistas e desumanos. “Em seu comentário conceitualmente confuso sobre o capitalismo”, escreve Dutra, “Plínio ecoava o ressentimento generalizado que a crise deflagrada pelo craque da Bolsa de Valores de Nova York em 1929 causara.”

Dantas se afastou do movimento integralista pouco antes do fracassado levante armado de 1938, provocado pela decepção com os rumos da ditadura de Getúlio, que, ao contrário da expectativa de Salgado, não abria espaço aos “camisas-verdes”. O rompimento só se concretizaria em 1942, no décimo aniversário de criação da já extinta AIB (Ação Integralista Brasileira). Nessa época, Dantas avaliou que o fascismo que o atraíra anos antes havia sido descaracterizado, deslocando-se para a órbita do nazismo.

Na mesma ocasião, explicita sua guinada ideológica ao propor uma união nacional solidária com os Aliados e comprometida com o regime democrático. Segundo Dutra, “ligar o propósito de defesa da liberdade política interna à causa aliada de combate ao totalitarismo nazista e fascista, como fazia San Tiago, refletia um sentimento verdadeiro, que se converteu imediatamente em uma bandeira de oposição, viva e cativante, a afrontar a ditadura de Getúlio e em especial a sua base militar.”

Nos estertores do Estado Novo, Dantas defendia que só o regime democrático é compatível com o direito, uma afirmação que para muitos parecia mais convicção política do que jurídica. De um jeito ou de outro, esse seria o seu norte até o fim da vida.

Com duzentas páginas só de notas e uma contextualização excessiva (por se demorar em passagens das quais seu personagem foi apenas contemporâneo), o livro do advogado Pedro Dutra, que consumiu duas décadas de trabalho, é uma obra minuciosa que preenche uma lacuna sobre um dos períodos mais estudados da história contemporânea do Brasil, impressão que o segundo volume, que tratará da fase mais importante de San Tiago Dantas, deverá confirmar.

Oscar Pilagallo é jornalista e autor de “História da Imprensa Paulista” e “A Aventura do Dinheiro”

“San Tiago Dantas – A Razão Vencida”

Pedro Dutra. Editora: Singular. 768 págs., R$ 70,00

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

2 Comentários

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  1. Parece excelente biografia. A

    Parece excelente biografia. A Casa do Saber proporcionou duas palestras sobre San Thiago Dantas, proferidas a primeira pelo Embaixador e ex-Ministro da FMarcilio Marques Moreira e a segunda pelo tamebme Embaixador e ex-Ministro da Justiça José Gregori, ambos foram oficiais de gabinete de San Thiago Dantas e participaram de sua trajetoria politica.

    Assisti as duas e foram excelentes pela visão da época e do personagem.

    Se Jango tivesse como seu Primeiro Ministro e homem de confiança San Thiago Dantas, não haveria necessidade da volta ao presidencialismo e Jango terminaria tranquilamente seu mandato. San Thiago Dantas estava pronto para ser Primeiro Ministro e foi vetado por Brizola.

  2. Santiago Dantas

    Lendo o livro “1964 na Visão do Ministro do Trabalho de João Goulart” do Almino Afonso conheci melhor a importância que Santiago Dantas teve naquele momento na história do Brasil. Meu pai, que havia sido integralista e àquela época era udenista, sempre teve por ele uma grande admiração que eu não compreendia. 

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