Como adaptações literárias e redes sociais podem tornar livros clássicos mais populares?

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Como as adaptações literárias e as redes sociais podem tornar livros clássicos mais populares?

Roman Jakbson acreditava que “toda experiência cognitiva pode ser traduzida e classificada em qualquer língua existente.”

Por Andressa Monteiro

Riobaldo Tatarana, que percorreu o sertão de São Francisco na obra “Grande Sertão: Veredas”, de João Guimarães Rosa, foi transformado em personagem de história em quadrinhos. Sua trajetória, conhecida e uma obra clássica e célebre da literatura, ganhou adaptação para uma graphic novel, com roteiro de Eloar Guazzelli e arte de Rodrigo Rosa.

Mas será que o novo formato cumpre o papel de mostrar aos leitores a riqueza de detalhes da narrativa, a importância da obra à sociedade e ao contexto histórico cultural, sem deixar de lado a fidelidade aos fatos e acontecimentos da trama?

“É uma obra de 600 páginas, e eu tive que cometer o pecado de cortar, cortar e cortar e me ater à essência. É um tratado antropológico, filosófico e uma das obras mais importantes sobre ser brasileiro. Procurei ser fiel e traduzir os mais belos momentos de algumas frases.”, explica Eloar em entrevista ao site “Divirta-se”.

Trabalhar a obra de Guimarães sem ser redundante foi um desafio, de acordo com a roteirista. “Procurei brechas que permitissem o dialogo. Li o livro e anotei as coisas que me pareciam interessantes graficamente. Fiz pesquisa sobre a região, os costumes, tudo o que pode ser acrescentado, no aspecto visual”, recorda.

Se a preocupação com a adaptação acontecer e o resultado for de qualidade para todas as partes envolvidas, isto é: autores, adaptadores e público, por que não tornar a linguagem de livros tão importantes mais acessível e de fácil entendimento? Principalmente para o público infanto-juvenil e para aqueles que iniciaram suas leituras de grandes clássicos somente na vida adulta.

 

“Grande Sertão: Veredas” – Guimarães Rosa – Graphic Novel

No livro “Linguística e Comunicação”, de Roman Jakobson, o autor defende a ideia de que não existe “uma língua dos intelectuais, dos escritores, das pessoas doutas, opressivamente controlada pela gramática, como o falar de todos os dias, cujos trocadilhos, cujas invenções verbais, notadamente suas figuras de linguagem, nos revelam as estruturas subliminares (patterns) a que recorre o povo”.

Ele ainda complementa: “Os antropólogos têm sempre afirmado e provado que a linguagem e a cultura se implicam mutuamente, que a linguagem deve ser concebida como uma parte integrante da vida social, que a Linguística está estreitamente ligada à Antropologia Cultural.”

Por isso, é interessante pensar na hipótese de adaptação de linguagens de livros clássicos como uma ferramenta de acessibilidade e integração cultural. Ela  deve ser feita, inclusive, nas escolas, onde não é incomum ouvir histórias de alunos que debatem para definir quais autores brasileiros são “menos chatos”, como: Machado de Assis, José de Alencar, Monteiro Lobato, entre outros.

Gabriela Rodella, doutora em Educação pela USP e autora da tese “As práticas de leitura literária de adolescentes e a Escola: Tensões e Influências” conta em entrevista a Revista Galileu que, durante oito anos investigou por meio de questionários e entrevistas mais de 80 professores e 290 alunos sobre suas práticas de leitura literária.

“O cenário é preocupante. Na maioria das aulas, o trabalho com o texto é substituído pela memorização dos períodos históricos literários e das características de época. Além disso, a leitura dos clássicos, difícil sem uma mediação adequada, dá lugar à leitura de resumos, que obviamente não dão conta dos romances estudados”, explica Rodella.

Por outro lado, a mesma pesquisa constatou que os alunos leem mais do que nós achamos. Aventura, ação e livros que dão origem a seriados, filmes, videogames e livros romântico estão entre a lista dos mais populares. Para Gabriela, “essa ‘literatura de entretenimento’ fica fora da sala de aula, sem direito a discussão ou reflexão.”

Essa não seria uma forma de atrair hábitos de leitura e debate em classe, tornando uma aula mais agradável e excitante aos alunos? Se fossem trabalhadas as impressões dessas histórias, as estruturas das narrativas, os repertórios construídos. Entender os motivos desses livros serem tão populares, pensando sobre o ensino como uma prática da leitura constante e livre, talvez, a garantia dos estudantes começarem a ler textos mais complexos, com vocabulário mais rebuscado e conceitos mais profundos seria maior.

Eles não seriam apresentados tão “bruscamente” a um mundo de literatura que não escolheram por si próprios e/ou ainda não tiveram a bagagem cultural e de vivência para assimilarem com sabedoria e maior facilidade.

 

O mesmo acontece nas redes sociais. Por que não estudar e aproveitar um fenômeno cada vez mais presente na Web: os memes de literatura virais? 

 

Posts da página “Clarice Lispector” no Facebook, com mais de 900 mil seguidores.

 

Fabio Malini, coordenador do Laboratório de Pesquisas sobre Imagem e Cibercultura, da Universidade Federal do Espírito Santo, em sua pesquisa “Literatura, Twitter e Facebook: A Economia dos Likes e dos Rts dos Usuários de Literatura Brasileira nas Redes Sociais”, aponta, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, que certos autores brasileiros movem e muito a literatura na internet, mesmo que os livros e textos sejam vistos em pequenas frases e trechos.

“Os perfis desses autores brasileiros já falecidos geralmente são administrados por literatos ou escritores. Daí a cultura do remix literário, ou seja, a liberdade que esses administradores de fan pages têm em assumir características marcantes do autor e criar suas próprias frases, numa espécie de emulação. Citações que têm algo de autoajuda quando tiradas de seu contexto fazem muito sucesso. Em alguns casos, servem como indiretas ao serem compartilhadas”.

A escritora Clarice Lispector chega a mobilizar 743 mil seguidores no Facebook, Caio Fernando Abreu, 373 mil, Carlos Drummond de Andrade, 108 mil, Machado de Assis 38 mil e Paulo Leminski 32 mil. “Para os autores mortos, eles têm um papel de reavivar um certo tipo de leitura que até então não se tinha”, complementa o pesquisador.

Se tantas pessoas que lêem esses conteúdos recortados, será que nenhuma delas não se sente inclinada em ler esse mesmo conteúdo no livro em sua totalidade, seja ele no formato físico ou em e-book?

Foi o que aconteceu com o escritor curitibano Paulo Leminski. Na época das manifestações do “Passe Livre”, que tomaram as ruas do país em junho de 2013, ele começou a ser citado frequentemente no Facebook com seus poemas. O resultado foi visto nas prateleiras das livrarias. A antologia “Toda poesia” passou diversas semanas na lista dos mais vendidos, superando até o fenômeno da trilogia “Cinqüenta Tons de Cinza”, segundo matéria no Portal IG.

“Esses jovens leitores não são só leitores. Eles têm uma relação de fã com os livros, com as séries, com os autores. E o livro, nessa história, é quase como um objeto de desejo: além de ler, eles querem colecionar, colocar na estante, organizar.” — analisa a editora-executiva do selo Galera Record, Ana Lima, em entrevista ao site O Globo.

A web cresce, alimenta e ajuda a sustentar as vendas de livros físicos para adolescentes. As editoras se aproveitam da tendência e enviam exemplares para esses “críticos digitais”, que compartilham suas experiências de leitura e atraem mais seguidores.

Até o estimulo de troca de livros e a compra de obras são boas opções. A rede social literária “Orelha de Livro”, em parceria com o classificado on-line OLX, faz isso. Boa parte do acervo disponível encontra-se em ótimo estado. Obras de Machado de Assis custam até R$ 10, passando por autores estrangeiros novos, como Nícholas Sparks, que saem por R$ 15.

O Facebook, o Twitter e o Instagram podem ser considerados um ponto de encontro de leitores, autores, críticos e mediadores da literatura digital, em tempo real, destacando a obra de importantes escritores e gerações. 

“É impressionante o que as redes sociais têm feito pela popularização da poesia brasileira, gênero historicamente renegado. É reducionista acusar a rede de gerar um consumo fácil e rápido de literatura, assim como é simplista acreditar que só o livro oferece leitura de qualidade. As redes sociais são portas de entrada para leitores, escritores e críticos, democratizando o consumo e a produção literária.”, acredita Malini.

 

Referências

JAKOBSON, Roman. Linguística e comunicação. Cultrix. 2001.

JAKOBSON, Roman. Linguística poética, cinema. Editora Perspectiva. 1970.

RODELLA, Gabriela: A literatura não tem de partir dos clássicos. Revista Galileu, São Paulo, 2014. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/07/literatura-nao-tem-de-partir-dos-classicos.html. Acesso em: 2 de janeiro de 2015.

CAVALCANTI, Mayra: Redes sociais ajudam a popularizar literatura. Mundo Bit, São Paulo, 2014. Disponível em: http://blogs.ne10.uol.com.br/mundobit/2014/07/31/redes-sociais-ajudam-popularizar-literatura/. Acesso em: 2 de janeiro de 2015.

BRUN, Liciane: Grupos formados em redes sociais estimulam a troca e venda de livros pela internet. Diário de Santa Maria, São Paulo, 2013. Disponível em: http://diariodesantamaria.clicrbs.com.br/rs/noticia/2013/02/grupos-formados-em-redes-sociais-estimulam-a-troca-e-venda-de-livros-pela-internet-4055575.html. Acesso em: 2 de fevereiro de 2015.

MEIRELLES, Maurício: Pelas redes sociais, leitores influenciam produção de livros. O Globo, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/pelas-redes-sociais-leitores-influenciam-producao-de-livros-11143634. Acesso em: 2 de fevereiro de 2015.

FISCHBERG, Josy: Adolescentes brasileiros formam legião de leitores-fãs e impulsionam as vendas das editoras. O Globo, Rio de Janeiro,  2014. Disponível em:http://oglobo.globo.com/cultura/livros/adolescentes-brasileiros-formam-legiao-de-leitores-fas-impulsionam-as-vendas-das-editoras-13281868. Acesso em: 3 de fevereiro de 2015.

ABOS, Márcio: Consumo de literatura é mediado pelas redes sociais. O Globo, Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: http://oglobo.globo.com/cultura/livros/consumo-da-literatura-mediado-pelas-redes-sociais-13431075. Acesso em: 3 de fevereiro de 2015.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

5 Comentários

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  1. Trocar o Inferno 1 pelo Inferno 2

    Do texto:

    ” ‘O cenário é preocupante. Na maioria das aulas, o trabalho com o texto é substituído pela memorização dos períodos históricos literários e das características de época. Além disso, a leitura dos clássicos, difícil sem uma mediação adequada, dá lugar à leitura de resumos, que obviamente não dão conta dos romances estudados’, explica Rodella.”

     

    Mas eu não creio que tal situação seja superada pelas adaptações dos clássicos a histórias em quadrinhos. 

    Uma adaptação do gênero empobrece o que em si é fonte viva de conhecimento e de inteligência: a leitura a partir do texto, que é infinitamente superior em gozo à sua simplificação. E não se espantem por favor do que pode parecer uma afirmação sectária: adaptar a literatura a outras formas é simplificá-la. É a pior das traduções, pelo que ela perde de alumbramento e significados. Em outra ponta de versão, pense-se no cinema, pense-se no fracasso (como sensibilidade e descoberta do mundo) de Guerra e Paz nas telas. Ou do ridículo que foi Em Busca do Tempo Perdido nas telas.

     

    Entendam. Nada contra o papel dos quadrinhos até como ferramenta de aprendizagem da leitura. De viva experiência, lembro que na infância aprendi a ler para ler aquelas figurinhas e o que elas falavam. Mas não posso nem devo aceitar que em nome de facilidades se aceitem coisas como “os alunos percebem que uma mesma mensagem pode ser transmitida de diferentes maneiras e que não há uma mais nobre que a outra”, como tenho lido aqui e ali. Essa indiferente tradutibilidade, uma palavra feia, é falsa, diria até, danosa. Todos podemos dar versões, aproximações, mas é perigosa a crença de que Shakespeare no palco é o mesmo Shakespeare em HQ, por exemplo. Quem assim acredita age como o personagem da anedota em que Einstein foi solicitado por um repórter, que insistente lhe pedia A Teoria da Relatividade de modo mais compreensível. O paciente cientista se pôs então a explicar a sua teoria em palavras mais simples, recorrendo a imagens do cotidiano. E perguntava:

     

    – Entendeu?

     

    E o repórter respondia:

     

    – Doutor Einstein, eu, sim. Mas os leitores… não haverá um modo mais simples na Relatividade?

     

    E o cientista voltava com novos recursos de imagens, para perguntar depois de bom tempo:

     

    – Entendeu?

     

    E o repórter, finalmente satisfeito:

     

    – Sim, agora, sim.

     

    E o grande Einstein desalentado:

     

    – É, mas agora já não é a Teoria da Relatividade.

     

    As HQs e o cinema apenas deixam a impressão de que se conhece um clássico a partir da sua versão. (Em alguns casos, autênticas aversões.)

     

    Mas notem. É curioso como todos compreendemos que uma pintura ou uma obra musical não se substituem por uma narração em prosa. Substituir Vivaldi, por exemplo, por um livro que refletisse Vivaldi. Ou até as imagens, na tela, que substituam a visão do quadro mesmo, como me senti em relação às gravuras de Goya, quando mergulhei numa arrebentação íntima, com aquelas suas gravuras sobre a guerra. Isso compreendemos. No entanto, a maioria aceita que uma narração venha a ser substituída por uma HQ ou um filme. Não é tragicômico? As HQs e o cinema são expressões de arte autônoma, que podem (e devem) dialogar com outras expressões. Mas daí não se tire a conclusão de que podemos conhecer um romance por sua recriação em meios tão limitados. Esta é a palavra, limitados. O que na expressão literária é um oceano de sentidos, nas demais vemos piscinas, piscininhas, que nos dão a ilusão de que “o mar pode ser visto nesta porção de água”.

     

    Para ser mais claro, enfim, pense-se nas obras recontadas, como o Dom Quixote, que mais de uma boa intenção achou por bem recontar em livrinho não faz muito tempo. Todo jovem, toda criança que ler esse resumo pensará que conhece o Dom Quixote. Se assim é de um texto ocêanico para um textinho de riacho, riacho temporário, já se vê, imagine-se A Divina Comédia em HQ (já se fez)….

     

    Por último e por fim. De Goethe, no livro Poesia e Verdade, guardei:

     

    “Como distinguir o que eu pusera de minha vida e de meus sofrimentos nessa composição, se jovem e despercebido eu vivera se não no mistério, pelo menos na obscuridade?”. Assim o fundamental poeta refletiu sobre a recepção do Werther na Europa. Fico a imaginar como seria pôr essa luminosidade em um balãozinho.

  2. vou na linha do comentário do

    vou na linha do comentário do mota…

    literatura é a o ritmo das palavras e das frases….

    cresci  – e até não esqueço – lendo gibi, buck rogers, nyoka, capitão américa, marvel, etc e o escambau,

    pilhas e pilhas varando madrugadas….

    valeu….

    mas nada como pegar o grande sertão e navegar na linguagem misteriosa

    do sertão e de rosa, filosófica, meio zen, meio hinduista, sanscrita,

    uma mistura de linguas na criação de palavras…

    hq é outra obra, se menor, não sei….

    ideias  sobre deus -ou frases tipo – viver é perigoso…

    o demonio no meio do redemoinho.

    voce inventa o mundo com o autor. 

    o cara só vai curtir literatura se se identificar com uma história…

    por isso o cara demora pra entender machado de assis…

    é preciso orientação do professor, claro.

  3. Os jovens têm se interessado

    Os jovens têm se interessado por livros clássicos, por conta de “um fenômeno cada vez mais presente na Web: os memes de literatura virais”.

    “Na época das manifestações do “Passe Livre”, que tomaram as ruas do país em junho de 2013, Paulo Leminski começou a ser citado frequentemente no Facebook com seus poemas. O resultado foi visto nas prateleiras das livrarias. A antologia “Toda poesia” passou diversas semanas na lista dos mais vendidos, superando até o fenômeno da trilogia ‘Cinqüenta Tons de Cinza’.”

    Muito bom.

    Enquanto isso, na grande mídia global, Pedro Bial, participante da Câmara de Curadores e Fundadores do Instituto Milleniun (http://www.institutomillenium.org.br/institucional/quem-somos/) órgão que se pretende “referência e agente de divulgação de valores para melhorar a prosperidade e o desenvolvimento humano” (http://www.institutomillenium.org.br/institucional/missao-visao-valores/ comanda a 15ª edição do Big Brother, programa que promove a desculturalização, o exibicionismo, a exploração da sensualidade,  enfim tudo que faz manter os jovens, principalmente das camadas mais baixas, alienados da realidade do país e emburrecidos. 

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