Como destruir o capitalismo sem perder a ternura jamais, por J. Carlos de Assis

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por J. Carlos de Assis*


 

O capitalismo contemporâneo caminha para uma situação na qual o emprego tradicional será reservado apenas para as áreas mais tradicionais da produção. Observe que ele não acabará, nem se tornará irrelevante, mas, sobretudo no setor de serviços, os trabalhadores se sentirão mais à vontade num esquema de contrato civil de trabalho, e não no caso coberto pela CLT. É claro que isso deixa ao trabalhador um espaço estreito para negociar salário e relações de trabalho, já que, individualmente, não tem força para encarar o patrão.

Existe, porém, uma fórmula simples para conciliar contrato civil individual de trabalho e força do trabalhador na negociação coletiva. É mais velha que o próprio capitalismo pois é um derivativo das velhas corporações de ofício da Idade Média. Falo de cooperativa de trabalho. Não se aplica, certamente, a todas as profissões, mas certamente a algumas. Entre elas, o trabalho coletivo artístico que vende serviços. Ou mesmo o trabalho numa empresa produtora de bens, desde que se obedeça a uma preliminar fundamental nos dois casos: o trabalho deve ser disciplinado, hierarquizado e especializado, tal como numa empresa capitalista comum, com igualdade de direitos entre trabalhadores mas não de salários.

A receita para esse novo ciclo de superação do capitalismo mediante novas relações de trabalho é simples: juntem-se numa cooperativa. Mas, como dito acima, não é uma cooperativa tradicional geralmente organizada de forma estupidamente democrática. É uma cooperativa organizada como empresa. Isto é, ela deve ter um CEO (diretor executivo), sócios iguais em diretos comuns mas hierarquizados de acordo com qualidades individuais e segundo um processo de ascensão salarial por mérito, mecanismos de cobrança de resultados, disciplina, eleição de dirigentes segundo a qualidade de cada um para o ofício.

Observe que isso é exatamente como funciona uma corporação capitalista de primeira linha. E é justamente por isso que ela funciona bem. A organização democrática de uma cooperativa tem sido a razão principal por seu fracasso no Brasil. Desde que o capitalismo de Estado fracassou na União Soviética, sabemos que o Fordismo, com cobrança de resultados e os melhores salários, é a melhor forma de organizar o trabalho. Claro que ele pode ser humanizado, como no Taylorismo, mas o princípio básico sempre continuará valendo: disciplina e hierarquia. Porém, no caso do capitalismo, super-exploração!

Se, por exemplo, os artistas e auxiliares técnicos de uma grande emissora de televisão se organizarem como uma cooperativa inteligente, eles poderão fazer, por exemplo, novelas e negociarem com a própria Globo, ou então com outra emissora, sua exibição. Claro, haverá risco de fracasso como em qualquer novela comum. Mas a compensação é muito grande. Os artistas ganharão não só salários polpudos, como hoje, mas também o lucro da comercialização da novela e do merchandising etc etc, o qual será distribuído proporcionalmente à participação de cada um no trabalho coletivo. Claro, terão que ter coragem para dar o salto. Mas o risco do desemprego pode empurrá-los. Para os ideólogos do fim do capitalismo, este é um meio eficaz para isso, sem troca de tiros. Uma consequência inevitável desse modelo é a superação definitiva da estrutura sindical sem perdas e, na verdade, com grandes ganhos para os trabalhadores. Como se trata de uma mudança de paradigma ela inicialmente assusta. Mas logo todos perceberão que segue a História.

Outra consequência do cooperativismo expandido seria a extinção dessa verdadeira excrescência da ordem capitalista, a terceirização. Nela, o empresário do trabalho vende um serviço e extrai diretamente seu lucro super-explorando o trabalhador que funciona como capital humano adiantado. É a mais formidável das formas de exploração capitalista. O cooperativismo acabaria com isso na medida em que os trabalhadores se organizassem para vender seu trabalho coletivo gerando lucro para si mesmos, e não para os exploradores.

A forma suprema da organização do trabalho, superando o capitalismo, é a forma que estaremos lançando brevemente através da Aliança pelo Brasil. Nela, os trabalhadores – dizendo mais amplamente, cidadãs e cidadãos – organizarão seu próprio destino social e político estabelecendo mecanismos concretos, por exemplo, para a reversão da contração da economia provocada pelo efeito Levy e pela Lava Jato. Para completarmos o circuito de salvação da economia, será necessário o recurso a instituições confiáveis, o que infelizmente não existe no Brasil atual. Por isso, temos que criar novas instituições ou reformar as antigas. Em razão disso estamos fazendo a Aliança pelo Brasil. Só falta a adesão de cada um a ela, e sua colaboração para divulgação e sucesso.
 
*Economista, professor, doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, autor de “A Razão de Deus”.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

6 Comentários

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  1. Se eu precisar de um pedreiro

    Se eu precisar de um pedreiro, sei que estarei na roça. Sei que vai haver aquela negociação tensa, na qual o cara sabe que estou com urgência e que não tenho a menor ideia do que deve ou não deve ser feito, e de quanto tempo leva para se fazer isto ou aquilo. E chuta o preço lá para cima. Aí, quando você finalmente consegue acertar por um terço do que foi proposto inicialmente, vem a fase do “adiantamento”. Ele quer pelo menos 50% para começar o trabalho que você não tem a menor ideia de como irá ficar. A mesma coisa acontece quando eu preciso de um eletricista, de um encanador, de um marceneiro, de um cara para consertar a minha máquina de lavar ou para instalar o roteador no qual a operadora se recusa a mexer.

    Aí, do outro lado, eu vejo um país que vai passar por um período de desemprego. Vejo um país no qual há uma população carcerária gigantesca que, nos melhores casos, passa o tempo cultivando hortas, costurando bolas de futebol, ou sei lá o quê. Um país onde, como em qualquer país, há garotos que gostam de estudar, mas não teriam capacidade de limpar o sifão da pia para a mãe, e outros garotos que sentem arrepio quando olham para um livro, mas possuem uma habilidade manual incrível, ou uma necessidade muito grande de gastar energia mexendo muito o corpo e pensando (sofisticadamente, às vezes) com as mãos. Aí eu penso por que os governos não aproveitam a crise para dar treinamento, montar equipes, favorecer a criação de cooperativas de trabalhadores que consigam se sustentar.

    Jà pensaram que bacana seria se, aqui em São Paulo, a gente pudesse contar com cooperativas de eletricistas, pedreiros, marceneiros, encanadores, costureiras, faxineiras, etc. com site na internet, tabela de preços, padrão de qualidade no atendimento, etc.? 

  2. Frases fortes, mas cadë as provas

     ..E é justamente por isso que ela funciona bem.

    ”A organização democrática de uma cooperativa tem sido a razão principal por seu fracasso no Brasil

     ”Desde que o capitalismo de Estado fracassou na União Soviética, sabemos que o Fordismo, com cobrança de resultados e os melhores salários, é a melhor forma de organizar o trabalho.

    Fordismo? Fordismo!?

     

    E como esta proposta é uma superação do capitalismo? No máximo representa uma tentativa de base mais ampla no capital das empresas capitalistas (de serviço). E o lucro? Vai ser dividido por igual ou pelos mais iguais?

    E as relações de valor dos serrviços e produtos? Como serão medidos? Pelo mercado? E onde superamos o capitalismo assim?

     

  3. Uma pequena nota

    O modelo pode funcionar, sim. Uma nota: o Taylorismo não é humanizador – Taylor é um refino de Ford (aliás, foi contratato por ele justamente para isso).

    As escolas administrativas mais humanizadas devem ser procuradas, na origem, em Mary Parker Follett e, no apogeu, em Chester Barnard e Herbert Simon.

  4. A Lei das Cooperativas de

    A Lei das Cooperativas de Trabalho, Lei 12690, de 19 de julho de 2012, vitória do Movimento da Economia Solidária, disciplina as relações desse tipo de cooperativismo e exclui definitivamente as “cooper gatas”, isto é, aquelas instituídas por capitalistas para fazer a intermediação da mão de obra, enquanto sonegavam os direitos trabalhistas.

    As cooperativas de trabalho, pela Lei 12690/2012, podem ser constitídas da seguinte forma:

    “Art. 2o. Considera-se Cooperativa de Trabalho a sociedade cosntituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laboratícias ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho.”

    “Art. 4o – A Cooperativa de Trabalh pode ser:

    I – de produção, quando constituída por sócios que contribuam com trabalho para a produção em comum de bens e a cooperativa detêm, a qualquer título, os meios de produção; e

    II – de serviço, quando constituída por sócios para a prestação de serviços especializados a terceiros, sem a presença dos pressupostos de relação de emprego.”

    O Artigo 5o da referida lei determina:

    “Art. 5o. A Cooperativa de Trabalho não pode ser utilizada para a intermediação de mão de obra subordinada.”

    Afastada a hipótese da intermediação de mão de obra, as Cooperativas de Trabalho certamente constituem uma forma de enfrentamento ao capitalismo, ao fantasma do desemprego e do aviltamento das relações de trabalho. Um dos pontos fracos ainda é a carga tributária e o não enquadramento da Cooperativas de Trabalho no Supersimples. Constitui-se portanto, em um dos mais valiosos instrumentos que dispomos para essa revolução pacífica, sem balas e sem derramamento de sangue, contra a opressão capitalista.

  5. Vamos dar nomes aos bois: É

    Vamos dar nomes aos bois: É do exemplo da UNIMED que estamos falando mesmo?

    Ela funciona mesmo para os cooperados e para a sociedade? …

  6. Como destruir os capitalistas sem perder o capitalismo!

     A crise anda tão feia que para salvar o capitalismo tem gente querendo sacrificar os capitalistas….

    O texto descreve a utopia máxima do capital, manter o capitalismo sem capitalistas. Mantem a forma de organização capitalista do trabalho, baseada na disciplina imposta e na hierarquia especializada, com separação de salários e lucros. A forma de distribuição social do produto continua sendo a capitalista, via mercados. A função do capital é produzir lucros, função esta imposta pela concorrência via mercados. Talvez seja por isso que as ‘coopertativas democráticas’ não dão certo, porque não são capitalistas, mas ainda realizam uma produção mercantil! As cooperativas capitalistas só tornariam cada trabalhador um capitalista que visa explorar todos os outros. A hierarquia e disciplina se tornam necesárias não pelo trabalho, mas pela concorrência mercantil. Os capitalistas desaparecem mas sua função permanece; se na URSS isso aconteceu pela via do Estado, nessa utopia se dá pela via do mercado. O desastre do centralismo burocrático da URSS e a sacralização do mercado impede que se pense realmente além do capital, além do Estado e do mercado!

    Se trata de uma utopia, pois nada impede que uma hierarquia gerencial – gerentes especializados e sem mandato eletivo temporário e revogável e cuja função é impor a disciplina – e a concorrência no mercado entre ‘cooperativas capitalistas’ mais produtivas e menos produtivas, acabe por parir capitalistas novamente a partir dos gerentes das cooperativas capitalistas ‘vencedoras’ no mercado. Voltamos das corporações medievais ao capitalismo sem sair dele. Não é porque a história não é linear que precismos voltar a caminhos já percorridos, viajem no tempo só dá filmes interessantes…

     

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