Como se equivocar na economia, por Paul Krugman

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Paul Krugman
 
NYTimes.com e traduzido por O Estado de S. Paulo
 
Sobreposição de erros compromete performance econômica global
 
Na semana passada, participei de uma conferência organizada pelo Rethinking Economics, um grupo conduzido por estudantes para promover – adivinhe – reconsiderações sobre a economia. E Mamom (figura que personifica o dinheiro e a avareza) sabe que a economia precisa ser repensada depois uma crise desastrosa, que não foi prevenida, sequer prevista.
 
Acho importante lembrar, porém, que amargamos vários fracassos intelectuais nos últimos anos, em diversos níveis. Não há dúvida de que a economia como disciplina tomou rumos equivocados durante anos – ou décadas -, e facilitou a crise. Mas as falhas na economia foram consideravelmente agravadas pelos pecados dos economistas – que frequentemente deixam o favoritismo ou o autoengrandecimento prevalecerem sobre o profissionalismo. Por último, mas não menos importante, os responsáveis por políticas econômicas escolhem sistematicamente ouvir apenas o que lhes interessa. A sobreposição de equívocos em diversos níveis – e não apenas a inadequação do discurso econômico – é a responsável pela terrível performance da economia ocidental desde 2008.
 
Em que sentido a economia tomou rumos equivocados? Quase ninguém previu a crise de 2008, embora esse lapso seja compreensível em um mundo tão complexo. Por outro lado, é assustadora a convicção dos economistas de que uma crise como essa não poderia acontecer. Nas entrelinhas dessa complacência, reside a idealização de um capitalismo no qual os indivíduos são sempre racionais, e os mercados funcionam perfeitamente.
 
Modelos ideais desempenham um papel importante no estudo da economia (e, claro, em qualquer disciplina), clareiam o pensamento. Mas a partir dos anos 1980, tornou-se cada vez mais difícil questionar o modelo econômico idealizado nos grandes meios de comunicação. Economistas que tentam levar em conta as imperfeições do sistema enfrentam o que Kenneth Rogoff – figura nada radical de Harvard (e com quem tenho divergências) – chamou de “nova repressão neoclássica”. E deveria ser desnecessário dizer que negligenciar a irracionalidade e os equívocos do mercado significou fechar os olhos para a possibilidade de uma catástrofe econômica como a que assolou o mundo desenvolvido há seis anos.
 
Alguns economistas especializados sustentaram uma visão de mundo mais realista, debruçaram-se sobre textos de macroeconomia e, apesar de não terem previsto a crise, realizaram um bom trabalho ao prever cenários de contenção para os desdobramentos da crise. Medidas como a baixa nas taxas de juros para enfrentar grandes déficits orçamentários, a redução da inflação para lidar com o crescimento da oferta monetária, e o arrocho econômico em vários países com a imposição de políticas de austeridade fiscal surpreenderam âncoras da TV, mas tratam-se de resoluções fundamentadas em modelos básicos de cenários pós-crise.
 
Se esses modelos não desempenharam tão mal o papel de mitigar a crise, muitos economistas influentes não corresponderam às expectativas: recusaram-se a assumir seus erros, deixaram favoritismos explícitos influenciar suas análises, ou encarnaram as duas atitudes. “Ei! Afirmei que outra grande depressão jamais aconteceria novamente, e não estava errado. O problema é que a economia está reagindo ao fracasso anunciado do Obamacare.”
 
Pode-se dizer que essa é a natureza humana, pois enquanto economistas conservadores cometiam equívocos intelectuais chocantes, alguns pares mais à esquerda também pareciam mais interessados em defender seu quinhão e condenar homólogos rivais do que em prever e prevenir a crise. De qualquer forma, o comportamento dos dois lados pareceu descabido, especialmente aos que acreditaram que realmente estavam debatendo questões de economia.
 
Mas se os economistas tivessem se comportado melhor, teria sido diferente? Ou os líderes no poder teriam feito exatamente as mesmas coisas?
 
Os responsáveis por políticas econômicas não passaram os últimos cinco ou seis anos submetidos a ortodoxias econômicas, ao contrário do que se poderia pensar. Ao tomar decisões importantes, foram altamente receptivos a inovações, heterodoxias e ideias econômicas novas – que muitas vezes se revelaram equivocadas, mas ofereceram justificativas para as medidas tomadas.
 
A grande maioria dos economistas especializados em política econômica acredita que o aumento dos gastos públicos em períodos de depressão estimula a criação de empregos, enquanto os cortes orçamentários produzem o efeito contrário. Mas líderes europeus e estadunidenses decidiram acreditar na palavra de um punhado de economistas que dissertam o oposto. Nem a teoria, nem a história justificam o pânico em relação aos níveis atuais de déficit orçamentário, mas os políticos insistiram em entrar em pânico, usando como justificativa uma pesquisa pouco fundamentada (que revelou-se também enganosa).
 
Não estou dizendo que a economia está em forma, ou que seus desvios não importam. Sim, importam, e sou a favor de repensar e reformular esse campo.
 
O grande problema da política econômica, porém, não é o fato da economia convencional não dizer o que deve ser feito. Em realidade, o mundo estaria muito melhor se as medidas econômicas tomadas no mundo real refletissem as lições da Econ 101. Se destroçamos tudo, a culpa não está nos textos, e sim em nós mesmos. / Tradução de Livia Almendary
Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

11 Comentários

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  1. Um adendo

    A grande maioria dos economistas especializados em política econômica acredita que o aumento dos gastos públicos em períodos de depressão estimula a criação de empregos, enquanto os cortes orçamentários produzem o efeito contrário. Mas líderes europeus e estadunidenses decidiram acreditar na palavra de um punhado de economistas que dissertam o oposto.

    O problema não é o punhado de economistas.

    Governos se submeteram ao que foi determinado pela grande imprensa e seus especialistas comentaristas imbatíveis, atendendo as ordens dos que formam o 1% da pirâmide.

  2. Uma das “táticas de

    Uma das “táticas de imobilização” de “nova repressão neoclássica” e taxar qualquer crítica ao modelito simlório de liberalismo deles de “esquerdismo”, “marxismo”, “intervencionismo”, etc. É assim que se interdita o debate; com essas falácias. O que é tipico, aliás, de todo modelo dogmático.

    Isso acontece também com religiões e candidaturas….

    1. “Uma das “táticas de

      “Uma das “táticas de imobilização” de “nova repressão neoclássica” e taxar qualquer crítica ao estatismo de fascista, o que é uma contradição, o que defende o estado máximo acusar os criticos de fascista.

      1. Eu reconheço seu direito de

        Eu reconheço seu direito de acreditar que possa dizer algo acrescentador, mas tenha a certeza de que pra mim é o contrario. Não vou aqui ser hipócrita ao ponto de dizer, pra casos como o seu, que “sempre é possível aprender algo”. Pra mim você não passa de um provocador barato.
        Não perca tempo com meus comentários; da mesma forma que não costumo e nem quero voltar a perder com os seus.

  3.  
    Na semana passada,

     

    Na semana passada, participei de uma conferência organizada pelo Rethinking Economics, um grupo conduzido por estudantes para promover – adivinhe – reconsiderações sobre a economia. E Mamom (figura que personifica o dinheiro e a avareza) sabe que a economia precisa ser repensada depois uma crise desastrosa, que não foi prevenida, sequer prevista.krugman previu toda essa crise economica promovida na verdadepelo uso modelo neonliberal quea candidata marina silva quer retomar aqui no brasil,o que gerará certamente uma comédia de erroscomo ocorreu e ocorre na europa e nos eua.

    ou uma tragicomédia de erros ?

    fuino google para ver o significado de mamom,

    olha só aí pra ver se nào aponta 

    para verdades que caracterizam a candidata do psb

    com víes francamente neonliberal que beneficiará os donos do dinheiro .

    Mamon é um termo, derivado da Bíblia, usado para descrever riqueza material ou cobiça, na maioria das vezes, mas nem sempre, personificado como uma divindade. A própria palavra é uma transliteração da palavra hebraica “Mamom” (מָמוֹן), que significa literalmente “dinheiro”. Como ser, Mamon representa o terceiro pecado, a Ganância ou Avareza, também o anticristo, devorador de almas, e um dos sete príncipes do Inferno. Sua aparência é normalmente relacionada a um nobre de aparência deformada, que carrega um grande saco de moedas de ouro, e “suborna” os humanos para obter suas almas. Em outros casos é visto com uma espécie de pássaro negro (semelhante ao Abutre), porém com dentes capazes de estraçalhar as almas humanas que comprara.

  4. Questão e que a maioria dos

    Questão e que a maioria dos que comentam são funcionários publicos, que lógicamente não vão defender o fim dos seus empregos.

    Dai parece que existe uma redução dos gastos do governo coisa que nunca existiu na realidade.

    E só terror , show de pragmáticos.

    Quem trabalha e produz sabe que a realidade especialmente em nosso país é outra , o intervencionismo nunca se reduziu.

  5. Crise ? Onde? Por que? Pra quem?

    Ora, ora,ora,

    agora um nobel  está reconhecendo a FRAUDE econômica.

    Qual foi mesmo o nobel  marxista? Opa, opa, ai não né. Estamos falando de nobel…

    Economia, com o máximo de respeito aos pensadores econômicos de boa-fé, não passa de INSTRUMENTO para enganar os otários! Como já disse aqui várias vezes, há pensadores econômicos que merecem todo o nosso aplauso e respeito. Gente de boa-fé que procura encontrar alguma forma de apaziguar os CONFLITOS SOCIAIS. In casu, conflito de distribuição. Quanto  a estes não remeto qualquer crítica, mas sim, apenas uma sugestão: deixem de ser românticos…

    Tratemos da  mão boba e invisível que venceu a queda de braço em 1989 ( só para citar um data qualquer)

    Trata-se de uma CORDA ou barbante  que amarra marionetes – na mão boba e invisível – visando  manejá-lhos do que jeito que bem entender. Caso queiram, fórmulas e mais fórmulas econométricas poderão lhe servir de apoio, de fundamento, de base científica. Evidentemente, tudo  para enganar os otários.

    Primeiro engana. Depois, assume algum erro que levou a uma certa crise e por ai vai. Enfim, aquele “papinho de aranha” de sempre. 

    E os marionetes são os “administrados” que , de um lado, geram tributos, do outro lucro. Bando de otários desacordados.

    A mão boba e invisível é tão ‘competente” que acaricia os marionetes para que estes durmam o sono profundo. Ato contínuo, vocês imaginam as duas mãos: uma mais fechada e a outra aberta de tal forma que a aberta se encontra com a mão fechada naquele golpe característico. Compreenderam? Pois é. Essa é a mão boba e invisível ( na verdade são duas)  muito longe de concorrência perfeita ( nada no mundo pode ser perfeito, quiça, nem mesmo o criador) E já imaginou tudo isso coeteris paribus?

    Francamente… 

    O bom mesmo é o seguinte:

    Você possuir a mão boba e invisível. Isso mesmo! Possua a mão boba!  Ai sim, é o melhor dos mundos. 

    Você, ao possuir a mão boba, isto é, a  propriedade privada( no brasil , melhor ainda, aquela oriunda da HERANÇA NADA MERITOSA) passa  a defender o homem natural meritoso.

    Mesmo hetero, você vai desejar aquele  homem natural meritoso. Aquele que “entrega resultados” para a “mão boba e invisível ( bem escondida lá atrás do CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO).

    Você contará com a ajuda dos “gurus” da administração. Estes, aliás, são parceiros dos economistas!

    Daí, você pode contratar um “CEO” para propagar babaquices do tipo:

    Responsabilidade social, ética, respeito aos “direitos humanos”, busca de um “meio ambiente equilibrado”, enfim, toda aquela enganação apregoada mundo afora. 

    Mas, é claro, você, anônimo,  estará lá. Lá no paraíso. Melhor dizendo, lá no paraíso fiscal feliz por ter “empregado” várias pessoas!

    E a crise? Ah!… deixa pra lá. Crises acontecem… Trata-se de um momento de “oportunidade”.

     

    Saudações

     

  6. Crise ? Onde? Por que? Pra quem? AHAM…

    Mogisenio,

    Krugman não reconhece que a teoria econômica é uma fraude. Pelo contrário, o que ele afirma é que grande parte dos problemas contemporâneos são responsabilidades dos economistas (e não da teoria econômica), independente da matiz ideológica. Senão, podemos dizer que a engenharia é uma fraude quando um prédio cai…

    1. Respeitando e discordando

      Caro Guilherme,

      acho que lhe compreendi e , evidentemente, estou discordando de sua opinião pelas razões a seguir expostas entre outras:

      Você está separando o sujeito do objeto.   Você está dizendo que “os economistas ” estão desviculados do objeto de estudo “teoria econômica”. Daí a sua afirmação: 

      ” o que ele afirma é que grande parte dos problemas contemporâneos são responsabilidades dos economistas (e não da teoria econômica.”

       

      Na sequência, você compara  “ciência econômica”  com  uma  ciência, digamos,  pragmática, produto das ciências duras como a física, a matemática etc. A aplicação da razão nos recursos naturais em prol dos interesses humanos.

      Para facilitar estou excluindo o homem da natureza. ( mas sabemos que ele é também natureza, e portanto, pode ser recurso) 

      A engenharia tem por objeto a “natureza” baseada nos paradígmas “naturais”  mais rígidos ( porém não imutáveis) . A mudança destes paradígmas – que também podem, incrivelmente sofrer pressões políticas – são mais difíceis. Talvez, a mais significativa dos últimos séculos  seria a  mudança de hipóteses fundamentais de  Newton para Eistein.

      Mas, isso, além de aparente digressão, já seria uma longa história.

      Voltemos.

      Na ciência econômica – ciência NÃO dura  e  também por isso  SOCIAL  –  o OBJETO de estudo sofree influência direta da CONDUTA HUMANA, isto é , do proprío SUJEITO. Alguns vão falar em praxis. Mas nao é nem um pouco razoável comparar conduta humana com 2=2=4.

      A conduta humana pode ser a  mistura de sujeito e objeto que, por sua vez, se mistura com a emoção e a cultura, a ética , a moral, ou com o dado e a informaçao ou falta dela  e por ai vai

      Por essas e por outras  razões , o que um SUJEITO ( economista) diz sobre um OBJETO de estudo qualquer da ciência econômica pode, ou melhor, é recorrentemente NEGADO ou contrariado por outro SUJEITO ( economista)

      É incrível como a ciência – com seus princípios e postulados – comporta variações diárias para o mesmo FATO-OBJETO DE ESTUDO. É solar a clareza do erro de sua comparação entre teoria econômica e  engenharia.

      Ademais,  mesmo diante de tudo isso considerando-se a BOA-FÉ de um SUJEITO QUALQUER, pode haver variações dramáticas na interpretação de um mesmo OBJETO.  

      Todavia, considerando-se , o contrário, ou o subcontrário,  opiniões enviesadas  com pitadas de MÁ´-FÉ, mormente, ao se aproximar dos diversos CONFLITOS DE INTERESSES, podem e devem ocorrer diariamente.  Neste caso, caro debatedor , não há como deixar de falar em FRAUDE ECONÔMICA.

      E minha tese sobre fraude econômica se aproxima disso, respeitando-se aqueles “sujeitos” de boa-fé que, certamente, existem e procuram desenvolver algum estudo MULTIDISCIPLINAR no campo econòmico.

      Agora, se você segue a corrente de pensamento econômico que se fundamenta na   atemporalidade, racional   e natural inerente ao  SER HUMANO como , talvez, tenha pretendido a cosmologia grega, então, não há o que debater. Há só possibilidade de convencimento. Basta apontar os erros pois tudo já está previamente definido.

      Eu não sigo essa corrente, logo, nem tudo está previamente definido. Portanto, a premissa é falsa. 

      E ficaremos nessa. Premissas falsas com conclusões aparentemente verdadeiras, porém, falsas, sem qualquer outro debate.

      Porém, nem tudo estará perdido. Resta-nos a política para defender nossos interesses, com as nossas teses, cooptando a maioria , respeitando-se os direitos fundamentais de todos( também da minoria)

      Boa sorte

       

       

       

       

  7. Tradução Completamente Errada

    A tradução de um parágrafo inverte completamente seu sentido. Ele não está tratando de medidas, mas sim falando das consequências da crise. Com a essa tradução parece que ele está defendendo as medidas as quais sempre foi contrário, como a política de austeridade. Segue uma melhor tradução:

    “Baixas taxas de juros em face a grande deficits orçamentários, baixa inflação em face ao crescimento da oferta orçamentária e a contração economica de paises impondo austeridade fiscal podem vir como surpresa para os âncoras da TV, mas eram exatemente o que previam os modelos básicos sob as condições que prevaleceram no pós-creise.

    No original:

    “Low interest rates in the face of big budget deficits, low inflation in the face of a rapidly growing money supply, and sharp economic contraction in countries imposing fiscal austerity came as surprises to the talking heads on TV, but they were just what the basic models predicted under the conditions that prevailed postcrisis.”

    E essa é a passagem na tradução do Estadão:

    “Medidas como a baixa nas taxas de juros para enfrentar grandes déficits orçamentários, a redução da inflação para lidar com o crescimento da oferta monetária, e o arrocho econômico em vários países com a imposição de políticas de austeridade fiscal surpreenderam âncoras da TV, mas tratam-se de resoluções fundamentadas em modelos básicos de cenários pós-crise.”

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