“É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira…”

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Enviado por Assis Ribeiro

Todo filho é pai

” Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.

É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.

É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.

É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.

E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.

Todo filho é pai da morte de seu pai.


Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.

E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.

Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.

Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.

A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.

A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.

Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.

Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?

Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.

E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.

Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.

No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:e

— Deixa que eu ajudo.

Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.

Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.

Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.

Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.

Embalou o pai de um lado para o outro.

Aninhou o pai.

Acalmou o pai.

E apenas dizia, sussurrado:

— Estou aqui, estou aqui, pai!

O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali. “

(autor desconhecido)

http://assisprocura.blogspot.com.br/2014/03/todo-filho-e-pai.html

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

12 Comentários

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  1. sab, 15/03/2014 – 18:07 –

    sab, 15/03/2014 – 18:07 – Atualizado em 15/03/2014 – 18:08

    Enviado por Assis Ribeiro

    Todo filho é pai

    ” Há uma quebra na história familiar onde as idades se acumulam e se sobrepõem e a ordem natural não tem sentido: é quando o filho se torna pai de seu pai.

    É quando o pai envelhece e começa a trotear como se estivesse dentro de uma névoa. Lento, devagar, impreciso.

    É quando aquele pai que segurava com força nossa mão já não tem como se levantar sozinho. É quando aquele pai, outrora firme e instransponível, enfraquece de vez e demora o dobro da respiração para sair de seu lugar.

    É quando aquele pai, que antigamente mandava e ordenava, hoje só suspira, só geme, só procura onde é a porta e onde é a janela – tudo é corredor, tudo é longe.

    É quando aquele pai, antes disposto e trabalhador, fracassa ao tirar sua própria roupa e não lembrará de seus remédios.

    E nós, como filhos, não faremos outra coisa senão trocar de papel e aceitar que somos responsáveis por aquela vida. Aquela vida que nos gerou depende de nossa vida para morrer em paz.

    Todo filho é pai da morte de seu pai.

    Ou, quem sabe, a velhice do pai e da mãe seja curiosamente nossa última gravidez. Nosso último ensinamento. Fase para devolver os cuidados que nos foram confiados ao longo de décadas, de retribuir o amor com a amizade da escolta.

    E assim como mudamos a casa para atender nossos bebês, tapando tomadas e colocando cercadinhos, vamos alterar a rotina dos móveis para criar os nossos pais.

    Uma das primeiras transformações acontece no banheiro.

    Seremos pais de nossos pais na hora de pôr uma barra no box do chuveiro.

    A barra é emblemática. A barra é simbólica. A barra é inaugurar um cotovelo das águas.

    Porque o chuveiro, simples e refrescante, agora é um temporal para os pés idosos de nossos protetores. Não podemos abandoná-los em nenhum momento, inventaremos nossos braços nas paredes.

    A casa de quem cuida dos pais tem braços dos filhos pelas paredes. Nossos braços estarão espalhados, sob a forma de corrimões.

    Pois envelhecer é andar de mãos dadas com os objetos, envelhecer é subir escada mesmo sem degraus.

    Seremos estranhos em nossa residência. Observaremos cada detalhe com pavor e desconhecimento, com dúvida e preocupação. Seremos arquitetos, decoradores, engenheiros frustrados. Como não previmos que os pais adoecem e precisariam da gente?

    Nos arrependeremos dos sofás, das estátuas e do acesso caracol, nos arrependeremos de cada obstáculo e tapete.

    E feliz do filho que é pai de seu pai antes da morte, e triste do filho que aparece somente no enterro e não se despede um pouco por dia.

    Meu amigo José Klein acompanhou o pai até seus derradeiros minutos.

    No hospital, a enfermeira fazia a manobra da cama para a maca, buscando repor os lençóis, quando Zé gritou de sua cadeira:e

    — Deixa que eu ajudo.

    Reuniu suas forças e pegou pela primeira vez seu pai no colo.

    Colocou o rosto de seu pai contra seu peito.

    Ajeitou em seus ombros o pai consumido pelo câncer: pequeno, enrugado, frágil, tremendo.

    Ficou segurando um bom tempo, um tempo equivalente à sua infância, um tempo equivalente à sua adolescência, um bom tempo, um tempo interminável.

    Embalou o pai de um lado para o outro.

    Aninhou o pai.

    Acalmou o pai.

    E apenas dizia, sussurrado:

    — Estou aqui, estou aqui, pai!

    O que um pai quer apenas ouvir no fim de sua vida é que seu filho está ali. “

    (autor desconhecido)

    http://assisprocura.blogspot.com.br/2014/03/todo-filho-e-pai.html

     

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  2. Não é fácil sequer comentar

    Não é fácil sequer comentar sobre o tema. Não sei quem disse que a velhice é a melhor opção. Não sei se é bem isso. Envelhecer é se acabar todos os dia um pouquinho, até que uma das doenças que tem os velhos supera as demais levando-o para o túmulo. Não parece normal que os velhos morram como passarinhos, como se costuma dizer. Mais comum tem sido o idoso primeiramente sofrer em demasia para atingir seu último suspiro. E feliz daquele idoso que encontra um filho que possa dizer que o ama antes de sua passagem. pois o normal é os filhos serem impacientes, incompreensíveis, e até muito ingratos com seus pais no momento em que há essa inversão citada: do filho ser pai.

  3. Embora acompanhando o blog e

    Embora acompanhando o blog e as discussões decorrentes das postagens por mais de ano, abstenho-me de comentar devido a falta de conhecimento e/ou falta de ânimo para discussões virtuais, mas não me contive desta vez, parabéns pelo texto, espetacular até o ponto final !!!

     

  4. trabalho

    um dia, meu pai lamentou o trabalho que estava me dando.

    imediatamente, sem pensar, respondi:

    -poderia ser pior. imagine se fosse o contrário, se fosse eu que estivesse precisando do mesmo tipo de ajuda. …

    ele pensou por um momento e reconhecendo a ordem natural das coisas, permitiu ser ajudado sem tanto constragimento.

     

  5. Assis, bela postagem!

    Me fez recordar momentos que vivi com minha mãe.

    Grandes e inesquecíveis momentos dos quais aprendi muito: dedicação, renúncia, zelo, bondade e gratidão!

     

  6. Obrigada Assis…
    Por falta

    Obrigada Assis…

    Por falta ” momentânea de foco visual”, impedida de tecer mais comentários… :~~~

    Bjs.

  7. Triste quando se está na pele do pai, pai.

    Hoje, aos quase 64 anos, safenado, com um coração que vive dando sustos, mudando hábitos de alimentação e tabagismo, não considerado apto pelo médico do trabalho da empresa, segurado do INSS e vivendo longos dias sozinho sem imaginação para arranjar o que fazer, ainda bem que resta o Nassif para ler e comentar.

    Realmente nesta idade e situação a presença dos filhos é bastante ansiada e querida apesar de todo o constrangimento que em breve possamos vir a causar.

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