Ex-guerrilheiro diz que luta armada foi resistência legítima à ditadura

Da Folha

Luta armada foi resistência legítima à ditadura militar

EX-GUERRILHEIRO QUE PARTICIPOU DE AÇÕES COMO O SEQUESTRO DE EMBAIXADOR AMERICANO DEFENDE QUE TORTURADORES DO REGIME SEJAM JULGADOS

BERNARDO MELLO FRANCODO RIO

Líder estudantil em 1968, o jornalista Cid Benjamin, 65, participou do sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, a mais ousada ação da luta armada.

Ele diz que a guerrilha foi uma forma legítima de resistência à ditadura militar. “Eu me orgulho de ter participado deste movimento.”

Preso e exilado por nove anos, Benjamin hoje atua na Comissão da Verdade do Rio e defende que os torturadores sejam julgados por seus crimes. Lançou suas memórias, “Gracias a la Vida” (José Olympio), em 2013.

Folha – O sr. pertenceu a uma geração que optou pela luta armada após o AI-5. Por quê?
A sociedade, em 1968, já era amplamente contrária à ditadura. Pensávamos que o Brasil estava caminhando para uma guerra revolucionária. O Vietnã e a Revolução Cubana eram coisas muito fortes nas nossas cabeças.
Dado o grau de insatisfação com o regime, a desigualdade e a miséria, pensávamos que um processo de luta armada no campo e na cidade fosse aglutinar mais e mais gente. A longo prazo, constituiríamos um exército popular que poderia fazer a revolução. A história mostrou que nossa perspectiva estava incorreta.

Como foram as primeiras ações armadas e o sequestro do embaixador americano?
Apesar da nossa inexperiência, foram um sucesso. A repressão estava despreparada. Os bancos não tinham portas giratórias. A gente assaltava e levava as armas dos guardinhas. O sequestro surgiu da preocupação com os presos políticos, muitos sob tortura. Um dia, estava com o Franklin Martins [ex-ministro no governo Lula] em uma rua de Botafogo e passou o carro do embaixador americano, com bandeirinhas no capô e sem segurança nenhuma.
A ideia foi usá-lo como moeda de troca por nossos presos, especialmente o Vladimir [Palmeira, líder estudantil de 1968]. A execução foi muito simples, e a devolução, digna de filme de ação americano. Quando nos livramos da perseguição, tomamos uma cerveja para comemorar o êxito da ação.

O que fez depois?
Fiquei dois meses entocado, mas tinha virado a bola da vez. O MR-8 era a organização mais ativa no Rio, e sabiam que eu era o responsável pelo setor armado. Quando fui preso, ouvi no DOI-Codi que era o militante com mais ações armadas no Rio. Desde que entrei, comecei a ser torturado.

Como foram as torturas?
Ao chegar, sangrava muito na cabeça. Chamaram um médico, Amílcar Lobo, que costurou a frio. Depois, foram dias de tortura. Pau de arara, choque elétrico e afogamento eram o cardápio principal.

Em seu livro, o sr. diz que os torturadores não eram monstros. Por quê?
Não havia um só um tipo de torturador. Havia os sádicos, perversos, monstros. Mas também havia jovens oficiais do Exército, imbuídos da luta contra o comunismo da Guerra Fria. Não me surpreenderia se hoje alguns estiverem arrependidos do que fizeram.
Ainda havia os policiais antigos, que eram os melhores torturadores, torturaram bandidos a vida inteira. Eram capazes de sair dali e fazer um churrasco com os amigos, serem bons pais, bons avôs.
Ao dizer isso, não estou passando a mão na cabeça dos torturadores. Estou mostrando como nossa sociedade é atrasada e permite que eles tenham vida social relativamente normal.
O pior da tortura não são os maus-tratos, é que ela tenta desumanizar o ser humano. Através da dor física, procura fazer com que o preso renegue seu sistema de valores, se despersonalize. O objetivo é quebrar o torturado como pessoa.

Os torturadores ainda devem ser julgados por seus crimes?
Um país que não conhece sua história está condenado a repetir seus erros. O Brasil está começando tarde. A ditadura acabou em 1985, e a Comissão da Verdade só foi criada em 2012. Os torturadores devem ser julgados e, se culpados, condenados. Não digo isso porque tenha ódio deles, mas porque acredito que o futuro da tortura está ligado ao futuro dos torturadores. Se eles forem condenados, as pessoas vão pensar duas vezes antes de torturar.

Sem luta armada, a ditadura teria acabado mais cedo?
Fujo dessa armadilha. É como culpar um torturado pela tortura, ou culpar a resistência por barbaridades nazistas em territórios ocupados. A luta armada, embora equivocada politicamente, foi uma parte legítima da resistência. Eu me orgulho de ter feito parte deste movimento.

NA INTERNET
Leia reportagem multimídia sobre a ditadura militar
folha.com/golpe64

 

Redação

19 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. Delicado

    Eu concordo que os torturadores (e quem os mandava torturar, e quem privava a liberdade alheia sem motivos, e tantos outros que deveriam agir pelo povo, mas agiam contrariamente) deveriam ser julgados, mas isso vale para guerrilheiros também.

     

    1. Se não é ignorância, é cinismo

      Meu amigo, me diz aí o nome de um militar torturado pelos guerrilheiros. Um só. Me diz aí qual a diferença entre um aparelho de Estado com destino exclusivo à repressão, a partir de métodos violentos, utilizando tortura e assassinatos sistemáticos, e a ação guerrilheira pontual contra um inimigo único (o governo militar), que assalta bancos com o único fim de financiar as ações de guerrilha?

    2. embora pelas  leis

      embora pelas  leis draconianas impostas pelos milicos,os guerrilheiros foram punidos com anos de prisão e outros com banimento,portanto,meu caro,eles já passaram por um julgamento.

  2. Certo, porém inútil

    Legítima, foi, o problema é que quiseram, mais uma vez, pensar à revelia do Brasil. seguindo diretrizes foquistas, bt Regis Debray, de alcance nulo no Brasil. Na oportunidade, o PCB estava mais correto, embora continuasse pautado por Moscou.

  3. Guerrilheiro nenhum lutou por

    Guerrilheiro nenhum lutou por democracia

    Isso é uma das maiores mentiras do seculo que é propagada pela falta de vergonha na cara tao comum à um pelego

    A guerrilha NUNCA foi LEGALISTA

    Queria trocar uma ditadura por outra, gente homicida e totalitria como o Marighela e Lamarca foram devidamente mortos pois no lugar dos que os mataram teriam feito aquilo e muito mais

    A historia esta ai para consulta , todos os paises que adotaram regimes pelos quais os homicidas do tipo do Lamarca ( que alem de homicida é um desertor e um ladrão ) lutarao foram ou sao ditaduras de partido unico.

    Para a esquerda a historia só conta quando lhe convem…

      1. Tu viu algum relato de alguma

        Tu viu algum relato de alguma vitima da guerrilha esquerdista ?

        Pq não divulgam os crimes dos guerrilheiros?

        A ação dos terroristas foram completamente esclarecidas ou faltam histórias a serem contadas?

         

        1. Questão de peso, medida e caráter

          Vocêzinho deve saber que todas suas perguntas já foram respondidas pelos canalhas de sempre, no geral superdimensionamento os fatos e deturpando-os, mas, tudo bem, esse material, exposto, não chega a 1% daquele já revelado, certificado, comprovado, pela ação da ditadura em seus porões.

  4. Leia de novo

    Rapaz, o que eu disse acima é que tanto guerrilheiros, quanto torturadores devem ser julgados. Em um julgamento que se decide a culpa ou inocência, que se definem atenuantes, etc.

    Uma pena de tortura é muito maior do que a de um assalto a banco (que é crime, não importa a finalidade).

    Em nenhum momento eu disse que existiu algum militar torturado por guerrilheiros. Não sei se existiu ou não.

    1. Leia mais uma vez

      …e julgar guerrilheiros em função de quais crimes cometidos, indivíduo?

      …e equiparar o combate à tirania ao exercício da tirania conduz a que, indivíduo?

      …e dizer que assaltar bancos equivale a cassar milhares de pessoas, caçar milhares de outras, matar centenas, torturar outras centenas, desaparecer com mais centenas, o que isso quer dizer, indivídiuo?

      …e acordar com regimes igualmente militares eautoritários vizinhos para perseguir, torturar e matar oposicionistas pode se comparar em que medida à contrafação dessas ações autoritárias, indivíduo?

  5. Redundancia. Em toda guerra

    Redundancia. Em toda guerra os adversarios se julgam LEGITIMOS em nome de suas causas que consideram as melhores. Na Guerra Civil Espanhola, de extrema violencia, os revoltosos do General Franco se consideravam a parte legitima em nome da Esoanha, a  Republica se considerava legitima porque era o Governo legalista. Na Segunda Guerra o General De Gaulle se considerava a unica voz legitima da França, mesmo quando estava sozinho.

    O x da questão é os TERCEIROS consideraram a causa ser legitima, não o proprio.

    1. Se é assim, legitimatum est

      Terceiros já legitimaram a luta contra a ditadura brasileira no mundo inteiro. O difícil é colocar na cabeça de um brasileiro conservador que a ditadura não atendia ao Brasil impondo um regime autoritário sob justificativas tão ridículas quanto a do fraudulento Plano Cohen.

  6. Depois reclamam quando se

    Depois reclamam quando se afirma que a esquerda é aliada e promove a bandidagem.

    Bandidos unidos jamais serão vencidos!

    1. Bandidagem = resistência à

      Bandidagem = resistência à ditadura

      Ditadura = Anjos salvadores do senhor

      “Sou reacionário. Minha reação me leva a apoiar tudo que não presta” – d’apres Neson Rodrigues

  7.  A Guerrilha no Brasil foi a

     A Guerrilha no Brasil foi a mais ética da Améica do Sul! pois aqui a guerrilha apenas surgiu depois de 1964. Ao contrário do Uruguai,Argentina e Chile que tinham luta armada antes da Ditadura.

  8. Texto anti-hipocrisia
    “Eles seqüestraram, torturaram, mataram, decapitaram. Furaram olhos, afundaram crânios. Quebraram costelas, braços e pernas. Afogaram crianças em banheira. Urinaram em cara de presos amarrados e pendurados em paus-de-arara. Castraram, estupraram, extirparam seios. Introduziram cassetetes em vagina de presas. Com jipe, moeram o corpo de pessoas enterradas na areia de praias. Arrancaram dentes e unhas com alicate. Aviltaram nossa condição humana.” Pinheiro Salles

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador