Expectativas e retomada do crescimento, por Bráulio Borges

 
Do Valor
 
Expectativas e retomada do crescimento
 
por Bráulio Borges
 
Os indicadores de confiança de consumidores e empresários brasileiros seguiram em tendência de queda nas últimas leituras, atingindo níveis bastante deprimidos, comparáveis somente àqueles observados nas viradas de 1998 para 1999, de 2002 para 2003 e de 2008 para 2009.
 
Nesse quadro de confiança muito baixa e ausência de sinais claros de inflexão do pessimismo, as projeções para o desempenho do PIB continuam sendo revistas para baixo: já há alguns analistas indicando queda superior a 2% neste ano. As projeções para 2016 também vêm acompanhando esse movimento, com algumas instituições sinalizando até mesmo uma nova retração (embora modesta) no ano que vem ­ vale lembrar que uma sequência de dois anos de queda do PIB brasileiro não é vista desde 1930/1931.

 
Em estudo recente feito na LCA, constatamos que uma retomada prévia da confiança não necessariamente precede uma recuperação do PIB brasileiro. Em outras palavras: há uma relação de dupla causalidade entre confiança e atividade. Com efeito, algum choque exógeno que eventualmente gere alguma melhora do PIB -­ como, por exemplo, uma demanda externa mais forte, um quadro hídrico/energético mais favorável ou mesmo uma redução mais consistente dos níveis de estoques indesejados – ­ pode acabar contribuindo para uma melhora posterior da confiança, a qual retroalimentaria esse processo de aceleração do crescimento/melhora do estado de ânimo dos agentes. 
 
A história recente de nossa economia ­ mais precisamente, os períodos de ajustamento 1998/2000 e 2002/2004, que guardam muitas semelhanças com o quadro atual, sobretudo o primeiro deles ­ aponta que a recuperação do PIB foi puxada, em um primeiro momento, pela demanda externa líquida, refletindo, dentre outras coisas, a mudança relevante do patamar da taxa de câmbio real e efetiva observada nesses momentos. Foi só quase um ano depois que a demanda interna passou a apresentar uma dinâmica mais favorável naqueles dois episódios. 
 
É verdade que, no quadro atual, ainda há questionamentos acerca do tamanho do ganho de competitividade propiciado pela correção cambial recente, já que a inflação mais alta corroeu parte da depreciação cambial nominal de pouco mais de 100% desde meados de 2011 (sendo quase metade desse movimento de 2014 para cá). Mas os indícios de que houve uma mudança importante vêm se avolumando: 1­ a última leitura do índice Big Mac/The Economist apontou, pela primeira vez desde 2007, um real claramente mais fraco do que o dólar americano; 2­ o indicador de custo unitário do trabalho em US$, do Banco Central, registrou, em junho, a menor leitura desde o final de 2009; e 3­ o percentual de indústrias relatando um demanda externa forte atingiu, em julho, a maior leitura desde o final de 2013. 
 
Outro ponto relevante a ser levado em consideração nessa discussão sobre o cenário projetado hoje para o PIB brasileiro nos próximos anos é o fato de que, em alguns momentos, as expectativas de crescimento de médio prazo parecem ser demasiadamente influenciadas pelo quadro de curto prazo. Dito de outro modo: há vieses sistemáticos nas expectativas, a depender do estágio do ciclo econômico. É o que mostrou estudo recente, de fevereiro de 2015, dos economistas Jonas Dovern e Nils Jannsen, do Kiel Institute. 
 
Usando dados para 19 países entre 1990 e 2013, eles chegaram às seguintes conclusões: 1­ -em momentos de expansão, as expectativas de crescimento são pouco viesadas (ou seja, em média acertam); 2­- em recessões, geralmente os analistas subestimam o tamanho da queda, revisando lentamente para baixo suas projeções; e 3­ – nas fases de recuperação (sobretudo após recessões mais severas, com queda do PIB em bases anuais), os analistas costumam subestimar o crescimento, dentre outras coisas porque percebem com algum atraso o turning point da atividade.
 
De fato, quando se comparam as projeções feitas nesses períodos de confiança tão baixa como hoje com os dados efetivamente observados, observa­-se um padrão claro de subestimação do crescimento da atividade (ver gráfico). 
 
 
Trata­-se de um comportamento racional, em certa medida, dos agentes: com a confiança muito baixa e incerteza muito elevada, além de excesso de ociosidade, chega a ser quase instintivo fazer projeções bastante conservadoras -­ até mesmo porque eventuais surpresas favoráveis de demanda seriam facilmente atendidas, diante do quadro de folga de capacidade produtiva. Ademais, também é documentado o fato de que as notícias ruins impactam muito mais as atitudes dos agentes do que as notícias boas (conforme estudo de Stuart Soroka, de 2006), o que enseja esse tipo de comportamento das expectativas. 
 
Com efeito, as constatações apontadas acima sugerem que a retomada deverá ser capitaneada pelo setor externo ­- o que certamente não gera uma “sensação térmica” tão favorável como seria com uma recuperação puxada pela demanda interna ­ e que não se pode descartar a possibilidade de uma surpresa favorável do crescimento nos próximos anos, sobretudo caso o atual quadro político não descambe para uma crise institucional disruptiva. 
 
Bráulio Borges, economista­-chefe da LCA Consultores 
Redação

2 Comentários

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  1. Bom texto colocando as expectativas no devido lugar

     

    Bráulio Borges,

    Acompanho com atenção seus textos no Valor Econômico, não sou economista e, assim, a admiração que eu tenho pelos seus escritos nada lhe acrescenta. Algumas vezes eles são reproduzidos aqui no blog de Luis Nassif e quando posso eu os comento. Eu fiz comentários para você diretamente no site do Valor Econômico em dois dos três últimos artigos de sua autoria que foram publicados no Valor Econômico. Os comentários meus consistiam de demandar que você, como economista, analisasse o motivo para a economia brasileira ter tido um giro de 180 graus saindo de um início de retomada com aumento forte dos investimentos para voltar para a recessão com queda dos investimentos no terceiro trimestre de 2013.

    Lembro de ter feito esta demanda primeiramente em comentário que enviei para você junto ao seu artigo “Anatomia de um crescimento baixo”, publicado no Valor Econômico de segunda-feira, 29/09/2014, e que pode ser visto no seguinte endereço, embora com o texto completo só disponível para assinantes:

    http://www.valor.com.br/opiniao/3713996/anatomia-de-um-crescimento-baixo

    E voltei a lhe perguntar as explicações da teoria econômica para o que aconteceu no terceiro trimestre de 2013, fazendo três comentários com dados sobre o PIB naquele período e os colocando junto ao seu artigo “O reducionismo no debate” publicado no Valor de terça-feira, 30/06/2015, e que pode ser visto no seguinte endereço:

    http://www.valor.com.br/opiniao/4114076/o-reducionismo-no-debate

    Bem, com relação ao seu artigo “Expectativas e retomada do crescimento” e que foi reproduzido neste post “Expectativas e retomada do crescimento, por Bráulio Borges” de quinta-feira, 30/07/2015 às 10:23, eu só teria a dizer que no que você disse só há mais motivos para o admirar. E lembrar que esta matéria das expectativas foi de certo modo também bem tratada embora as expectativas tenham ficado mal no artigo de Rodrigo Medeiros “Ressaca econômica?” e que foi publicado aqui no blog de Luis Nassif no post “Ressaca econômica? Por Rodrigo Medeiros” de quarta-feira, 24/06/2015 às 14:53, e que pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/blog/rodrigo-medeiros/ressaca-economica

    E deixo também o link para o post “O uso dos bordões no jornalismo econômico” de quarta-feira, 03/06/2015 às 13:20, aqui no blog de Luis Nassif e de autoria dele comentando uma coluna de Cristiano Romero. O post “O uso dos bordões no jornalismo econômico” pode ser visto no seguinte endereço:

    https://jornalggn.com.br/noticia/o-uso-dos-bordoes-no-jornalismo-economico

    Deixo o link acima porque lá eu faço comentários fazendo referências aos seus textos.

    E é isso as expectativas humanas são racionais, mas as vezes podem ser irracionais e uma como outra vão depender de outras circunstâncias para ocorrerem.

    Como eu disse não sou economista, mas quando Robert Lucas ganhou o Prémio de Ciências Económicas em Memória de Alfred Nobel em 1994, eu disse para um conhecido que era doutor em economia, que esses prêmios na área econômica eram concedidos a economistas que desenvolveram idéias muito surpreendentes mas que se mostraram falíveis.

    Clever Mendes de Oliveira

    BH, 30/07/2015

    1. Há bons artigos de Bráulio Borges em posts sem comentários

       

      Luis Nassif,

      O seu blog fez o bom serviço de trazer este artigo de Bráulio Borges, ainda assim faço este comentário mais para fazer uma crítica ao seu blog. Na ânsia de prender o leitor do site, você acaba enfraquecendo os bons momentos do seu blog. A presença de posts sem importância ou sem um bom arrazoado, mas chamativos, distrai o leitor e acaba afastando-o de bons posts.

      Fiz um comentário junto ao post “A hora do grande acerto de contas nacional” de terça-feira, 28/07/2015 às 00:05, em que eu menciono três textos de sua autoria publicados mais para suscitar visitas e comentários do que para analisar corretamente a realidade brasileira e que devem ter tido o efeito não só de chamar o eleitor para o post como também de os afastar de posts com um conteúdo mais instrutivo ou esclarecedor sobre a realidade brasileira. Os três posts são:

      1) o post “Os cabeças de planilha e as metas de superávit” de sexta-feira, 24/07/2015 às 18:37, possuindo atualmente 47 comentários e que pode ser visto no seguinte endereço:

      https://jornalggn.com.br/noticia/os-cabecas-de-planilha-e-as-metas-de-superavit

      2) o post “O Banco Central e a quadratura do círculo” de sábado, 25/07/2015 às 16:22, contendo também atualmente 47 comentários e que pode ser visto no seguinte endereço:

      https://jornalggn.com.br/noticia/o-banco-central-e-a-quadratura-do-circulo

      3) e o post “A hora do grande acerto de contas nacional” de terça-feira, 28/07/2015 às 00:05, este com 155 comentários e que pode ser visto no seguinte endereço:

      https://jornalggn.com.br/noticia/a-hora-do-grande-acerto-de-contas-nacional

      Em meu comentário enviado segunda-feira, 03/08/2015 às 00:21, para o terceiro dos posts relacionados acima, ou seja, post “A hora do grande acerto de contas nacional”, eu saliento o fato de um post tão sem conteúdo levar a tantos comentários enquanto o artigo “Expectativas e retomada do crescimento” de Bráulio Borges e transformado neste post “Expectativas e retomada do crescimento, por Bráulio Borges” de quinta-feira, 30/07/2015 às 10:23, suscitou só um comentário.

      E trata-se de problema antigo. Ao fazer a pesquisa para este post “Expectativas e retomada do crescimento, por Bráulio Borges”, eu encontrei também referência ao post “Uma leitura responsável sobre o desempenho do PIB em 2013 e perspectivas para 2014” de quinta-feira, 02/801/2014 às 09:08, aqui no seu blog e originado de sugestão de Lukas K para o artigo de Bráulio Borges “Análise: Recuperação da economia global pode ser chave em 2014”. O post “Uma leitura responsável sobre o desempenho do PIB em 2013 e perspectivas para 2014” pode ser visto no seguinte endereço:

      https://jornalggn.com.br/blog/lukas-k/uma-leitura-responsavel-sobre-o-desempenho-do-pib-em-2013-e-perspectivas-para-2014

      O artigo de Bráulio Borges é uma tentativa de compreender o que ocorreu em 2013 que de um ano que parecia tão promissor acabou redundando em um ano pífio economicamente. É uma análise muito boa, mas que coincidentemente não contou com nenhum comentário. Provavelmente os leitores do blog devem ter-se distraídos com posts que embora de conteúdo frágil era bem mais chamativos.

      Clever Mendes de Oliveira

      BH, 03/08/2015

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