Impeachment é uma cortina de fumaça, por Marcos Nobre

Do Valor

A política em rota suicida
 
Por Marcos Nobre
 
Por que o sistema político não se mexe, seja para que lado for? Por que está limitado à reprise de novelas mais do que conhecidas? Por uma razão bastante simples: porque ninguém sabe ao certo quem está no jogo e quem está fora dele. A fonte da incerteza vem da Operação Lava­ Jato, que não permite razoavelmente prever quem vai para o paredão.

 
Enfim uma fonte de incerteza positiva, para variar. Só que o ineditismo traz também um problema novo. Em uma democracia, o direito impõe que se espere cinco, dez, quinze anos até uma decisão. Quando essa temporalidade longa do Judiciário domina, quando se torna a temporalidade de todo o sistema político, o sistema trava. Com a Lava­ Jato, o tempo do Judiciário se tornou o tempo da política. Esse o nó da situação atual. 
 
Em 2005, no mensalão, conhecia­se com razoável precisão o raio de abrangência das investigações. A crise política não afetou a economia. O tempo do Judiciário não se impôs como a temporalidade dominante. Mesmo tendo sido necessários mais de dois anos até a instauração da ação penal, mesmo decorridos mais de sete anos até o início do julgamento da ação. 
 
Em 2015, a política, a economia e as ruas passaram a medir sua hora pelo relógio da Lava­ Jato. E, até o momento, a operação chegou apenas parcialmente a instâncias superiores. Os procedimentos de leniência de empresas junto ao CADE e à CGU não param de se multiplicar. Indiciamentos, denúncias e mesmo condenações convivem com investigações que estão ainda em seus estágios iniciais. O caminho completo do conjunto de ações penais resultantes da operação deve ser ainda mais longo que o do mensalão. 
 
O distintivo do momento atual é que nada mais bloqueia a visão, nem mesmo o ajuste fiscal de Sísifo que o sistema político produziu. A Lava­ Jato domina, soberana e inconteste, a cena. Mas isso é também indício de que foi alcançado o limite de tolerância para que a política, a economia e as ruas continuem a se submeter à temporalidade do Judiciário. A instabilidade permanente que se vê é o produto direto de um choque estéril entre o tempo longo do Judiciário e o prazo curto dos interesses políticos imediatos. 
 
A necessidade inadiável de uma estabilização do sistema ficou escancarada quando o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, anunciou seu rompimento com o governo. O aspecto racional de suas atitudes é o de alguém que advoga a necessidade da contenção e da limitação da Lava­ Jato para que o sistema político volte a funcionar nos termos em que operou nos últimos vinte anos. Mas, até o momento, Eduardo Cunha não encontrou aliados de peso nessa estratégia de autoproteção radical. 
 
Não apenas porque as investigações estão avançadas demais, tecnicamente impecáveis demais. Porque houve o julgamento do mensalão, em 2012. Porque parte significativa da energia de Junho de 2013 como que se transferiu para a Justiça Federal de Curitiba. Por tudo isso, em vista da impossibilidade de conter politicamente a Lava ­Jato, cresce a probabilidade de que o impeachment se apresente como o último recurso dessa estratégia de autodefesa do sistema político. 
 
O que apenas põe às claras o fato de que a bandeira do impeachment não passa de nova cortina de fumaça a encobrir o que realmente importa, que é, ontem como hoje, a Lava­ Jato. Poderá conferir alguma sobrevida a peças hoje ameaçadas de exclusão imediata do tabuleiro, a começar por Eduardo Cunha. Mas não fará com que o sistema político recupere condição operacional, não afastará o domínio que a temporalidade do Judiciário adquiriu. 
 
Porque o problema não é Dilma e sua popularidade de terceiro volume morto, mas a desorganização judicial do sistema político. As peças se mexem muito, mas sem qualquer estratégia identificável para além da autodefesa descoordenada. Conseguem apenas passar a impressão de que ainda estão no jogo, de que ainda não foram excluídas definitivamente. Giram em falso. E a situação tende a se arrastar assim pelo menos até que se tenha ideia do quadro geral de denunciados. 
 
Seria razão de alento poder identificar nessa crise permanente o horizonte de uma reorganização em patamar superior do sistema político. Mas não há nenhuma indicação nesse sentido até agora, infelizmente. O máximo que se pode razoavelmente esperar nas condições atuais é uma estabilização que recuse tanto o caminho antidemocrático da contenção da Lava ­Jato quanto a via diversionista do impeachment. Esse passo significaria a celebração de um pacto, explicitamente provisório, que pudesse permitir ao sistema político voltar a operar, mesmo que em nível de energia baixo. Um acordo cuja validade expiraria com a aceitação de todas as denúncias contra políticos no âmbito da Lava­ Jato. 
 
Um pacto assim não tem nada que ver com “governabilidade”. A situação é muito mais grave que isso. O que está em causa não é um governo, mas o estabelecimento e a aceitação por parte das forças políticas mais importantes de um programa mínimo. Seus dois primeiros itens seriam necessariamente a garantia de que todas as dimensões da operação Lava­ Jato serão esquadrinhadas com liberdade de ação e o compromisso de abrir mão do recurso ao impeachment. 
 
É claro que as cláusulas de um compromisso como esse podem incluir itens de política econômica ou de proteção social, por exemplo, desde que possível e desejável. Mas o fundamental é garantir o retorno do tempo da política sem que isso prejudique o tempo da Lava­ Jato. Só assim seria possível recompor minimamente a capacidade de negociação dos atores. 
 
O dramático do momento atual é que, tomadas pelo pânico da exclusão do jogo ou pela expectativa de um benefício imediato com o aprofundamento da crise, as principais forças políticas seguem em rota suicida. Políticos não implicados na Lava­Jato aceitam o abraço de afogados que lhes é oferecido pelos futuros indiciados na operação. Seguem paralisados, limitando­se a reencenar as mímicas surradas dos últimos vinte anos. Como se nada tivesse mudado. Como se fosse uma mera crise de governo e não a crise sistêmica que ameaça o país. 
 
Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.
 
Redação

11 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

  1. “porque ninguém sabe ao certo

    “porque ninguém sabe ao certo quem está no jogo e quem está fora dele”

    Como assim não sabe?

    Quem não é corrupto não teme lava jato.

    Fora a inversão de causa e efeito, a causa é a corrupção o efeito é a lava jato não o contrário.

    O impedimento não é solução é o inicio de um processo que a sociedade visa tornar o estado servo de suas necessidades não um espaço de enriquecimento ilicito.

  2. Um juiz de primeira instância

    Um juiz de primeira instância que posa como o rei da cocada preta, e dois bandidos vigaristas que posam como heróis delatores, aliados a uma imprensa pra lá de descarada. Pronto, o País está parado. Se não gostou, teje preso

  3. CEBRAP ?

    Tecnicamente perfeitas demais ??????????

    CEBRAP ???????

    Aquele que recebeu dinheiro da CIA para sustentar academicamente e, depois, por intermédio do seu “prócer” como política de governo ??????

    Quá quá quá quá quá…….

    É o retoro dos mortos sempre muito vivos….

    Kkkkkkkkkkkkkkk

  4. Resposta ao comentário

    Ainda há quem acredite que só os corruptos é quem devem temer a Lava Jato. Após uma das mais brilhantes análises já produzidas sobre o tempo político e econômico que vivemos, um analista de botequim se dá ao luxo de postar essa “pérola” neste blog. Tem que ler, fazer o que…

  5. Marcos Nobre,
    Quem pela

    Marcos Nobre,

    Quem pela abstenção temporal faz a nuvem de fumaça?

    A fonte de incerteza temporal, que nela se encontra o desempenho da Lava-Jato e dos políticos e pode atenuar a complexidade real, não no-la oferece aos economistas que se deleitam com o mal dos nossos sortilégios e devaneios. 

    Não é menos constante, em sua área, que a responsabilidade temporal da economia fique apta à complexidade real por um tratamento filosófico?

  6. O professor apoia o golpe

    Apesar de consistente o professor carece de razoabilidade visto estar afetado pela lógica da mídia, de que a  lava jato, em caixa baixa mesmo, visa a reorganização e a melhoria do país. Começou como uma tentativa de enfraquecimento do governo e evoluiu para desorganização total do país, o que agrada plenamente a mídia, bastante enfraquecida economicamente, que se aproveita para tentar sobreviver mais algum tempo. Os outros atores políticos tentam ocupar postos no governo e na economia e a oposição tenta a retirada do mesmo.

    Parece mais análise da inevitabilidade do golpe, descrito por um antigo brazilianist, agora analista da NSA.

    Mas fica o aleta de como pensam.

  7. Uma prova viva que a justiça é lerda….

    é  a  situação de veículos apreendidos nos postos de policiamento pelo Brasil afora  aguardando o andar dos “devidos ritos legais” !!

    Quando sai o parecer  do juízo-lerdo,  os  carros não servem nem prá sucata  mais !!!

  8. Lava – jato tem essa “importância” só por causa da mídia

    Em 2015, a política, a economia e as ruas passaram a medir sua hora pelo relógio da Lava­ Jato.

    Eu não acompanho a lava-jato como acompanham novelas… Não fico vendo TV Globo o dia inteiro e depois vou pro Facebook falar um monte de lixo reacionário… Eu vivo a vida real como ela é nas ruas. E o que percebo é a enorme dependência que temos da TV e do controle que ela exerce sobre nossas mentes! Se você ficar uma semana sem ver TV o mundo vai se transformar na sua frente e você conseguirá o que realmente significa esta “operação lava-jato”: um NADA . Só que um NADA que a todo dia a TV repete que é tudo e as pessoas acreditam. 

    Obs.: Observe como o comentário do troll Oneide é completamente dentro da lei de quem já nem consegue ver o mundo real, só o mundo da Globo…

  9. Que rota suicida que nada.
    O

    Que rota suicida que nada.

    O que está claro é o esforço de se preservar as estruturas fundamentais do conservadorismo (mesmo que expostas a céu aberto e pra lá de corroídas): o financiamento empresarial de campanha e a posse da comunicação.

    Basta sacrificar o bode expiatório que the good days will be back.

  10. Acho curioso quando alguns

    Acho curioso quando alguns “filósofos” empregam esses termos esotéricos “tempo político”, “tempo jurídico”, “crise sistêmica”. Típica perspectiva academicista no maus sentido, de quem se pretende fora do campo das disputas. Ora, se eu pudesse tirar uma conclusão desse agradável artigo é a de que a sociedade brasileira evoluiu e instâncias institucionais duelam com suas armas. O princípio constitucional deve ser obedecido e aprimorado.

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador