Ipea terá guinada progressista com Jessé de Souza, futuro presidente

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por André Barrocal

Da CartaCapital

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada terá um novo presidente. Ligado ao Palácio do Planalto, o Ipea será comandado pelo sociólogo potiguar Jessé de Souza, professor da Universidade Federal Fluminense. À frente de um orçamento de 300 milhões de reais, ele estará em condições de ditar o rumo do principal think tank brasileiro. Terá o poder de influenciar a opinião pública com seus pontos de vista e com os estudos priorizados na instituição. Em tempos de furor anticorrupção e de ajuste fiscal, prenuncia-se uma chacoalhada no noticiário.

Acadêmico de inclinação progressista, Souza tem posições polêmicas, como se pode constatar em algumas entrevistas concedidas no ano passado. Por exemplo: ele não acha que o principal mal do País seja a corrupção. “Claro que a corrupção tem de ser combatida, mas é um dado endêmico do capitalismo em todas as partes do mundo. Essa dramatização [da corrupção] tem efeitos políticos. A quem interessa efetivamente que o Estado seja denegrido, dito ineficiente?”, disse em agosto ao programa Jogo do Poder, da rede CNT.

Para ele, esta demonização do setor público tem objetivos mercantis. “Quando você diz que só o mercado é virtuoso e tudo o que o Estado faz está marcado pela ineficiência, o que você está querendo dizer que é esse campo pode ser mercantilizado e transformado em apropriação privada para poucos”, afirmou na mesma entrevista.

O tema da corrupção, pensa o sociólogo, teria se tornado um “espantalho” no País, a indispor as pessoas com o poder público e a barrar o debate de problemas realmente graves, como a elevada desigualdade social e a exploração do trabalhador. “No Brasil, quase 70% da riqueza nacional, e o brasileiro normalmente não sabe, é lucro, juro, aluguel ou renda de capital”, disse Souza ao Canal Futura em julho. “O que diferencia o Brasil de países como EUA, Alemanha, França, que a gente admira tanto” não é o nível de corrupção, mas “o fato de que a gente aceita manter um terço da população numa situação subumana, de que a gente acha legal quando a polícia mata.”

Souza possui uma visão ácida sobre a classe média, celeiro dos protestos anticorrupção. A vê como “tropa de choque dos endinheirados” e predisposta a botar a culpa dos problemas do País “numa elite encrustada no Estado” quando “no fundo essa elite está encrustada no mercado”.

“Ainda que a classe média – e suas frações mais conservadoras – não decida mais eleições majoritárias no Brasil, é ela que detém a hegemonia política e cultural e influencia não só amplos setores das próprias classes populares, mas também decide o que é julgado nos tribunais, o que é publicado nos jornais, dito na TV e o que é discutido nas universidades”, disse em janeiro ao jornal O Estado de S. Paulo. “Ela domina a esfera pública que decide o que é certo e errado na prática cotidiana real e é por isso que temos uma agenda de “políticas públicas informais” que inclui, por exemplo, matança indiscriminada e violência contra os pobres sem que ninguém – salvo em exceções dramatizadas pela mídia como o caso de Amarildo no Rio – seja responsabilizado.”

O acadêmico é partidário da tese de que a ascensão social na década passada produziu uma nova classe trabalhadora, não uma “nova classe média”, visão desenvolvida no livro Batalhadores Brasileiros. Classe média, diz ele, não é definida pela renda, mas pelo tipo de vida, de visão de mundo e de trabalho. São ideias opostas à do economista Marcelo Neri, presidente do Ipea entre setembro de 2012 e maio de 2014 e autor do livro A nova classe média. E semelhantes às do antecessor de Neri, o também economia Márcio Pochmann, dirigente da instituição entre 2007 e 2012 e autor de O mito de grande classe média.

Por suas afinidades com Pochmann e divergências com Neri, Souza tende a promover uma guinada progressista no Ipea. Com Neri, houve uma ascensão de pesquisadores neoliberais e ortodoxos, muitas vezes portadores de ideias contrárias a teses históricas do lulismo. Essa ruptura teria sido a causa da queda da produção e do brilho do Ipea nos últimos tempos, na visão de pesquisadores insatisfeitos com a gestão Neri.

Um dos diretores mais ameaçados é Renato Baumann, da área internacional. Ele defende a criação de uma Área de Livre Comércio das Américas (Alca), ideia sepultada com a ajuda do Brasil no início do governo Lula, e acha que o País não deveria gastar energia com a África, outro xodó da política externa lulista.

Jessé de Souza ainda precisa ser confirmado oficialmente no cargo, mas na prática a transição começou na segunda-feira 23. Ele substituirá o economista Sergei Soares, que teve um mandato tampão na presidência do órgão desde a saída de Neri. O nome do sociólogo já circulava no Palácio do Planalto desde meados de fevereiro, logo após a posse do ministro Roberto Mangabeira Unger na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, pasta ao qual o Ipea é formalmente subordinado.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

19 Comentários

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  1. Como leitor dos textos e

    Como leitor dos textos e publicações do IPEA espero realmente que Souza consiga dar uma guinada no instituto no que se refere a públicações que tragam a sociedade Brasileira no contexto de nação.Neri é passado. Salve Souza.

    1. Na verdade, o Prof. Jessé é

      Na verdade, o Prof. Jessé é Professor da UFJF e do IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do RJ onde está à frente do Laboratório de Estudos sobre Desigualdades. Estou muito contente e espero que se confirme a escolha. Para conhecer melhor a envergadura deste pensador vejam A Construção Social da Subcidadania. Está tudo lá.

  2. Ele vai pra onde?

    “…ele não acha que o principal mal do País seja a corrupção.” E dai?

    “…mas é um dado endêmico do capitalismo em todas as partes do mundo.” Não podemos melhorar?

    ““o fato de que a gente aceita manter um terço da população numa situação subumana, de que a gente acha legal quando a polícia mata.”  Perde para o mal da corrupção?

    Resposta: Intituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

     

  3. Ele sabe?

    Regressão patente

    “De 2000 a 2010, o contingente de pesquisadores atuantes em empresas caiu de 41% do total para 26% (os demais estão no ensino superior e no governo). Na China, a proporção evoluiu de 51% para 61%.A razão disso pode ser encontrada no que Nelson Marconi, da FGV, chama de “regressão produtiva”, segundo reportagem do jornal “Valor Econômico”: a perda de espaço da indústria no PIB é ainda mais acentuada nos setores tecnológicos, em que cresce o suprimento por produtos importados.Em paralelo, amplia-se a participação no PIB do setor terciário tradicional, como serviços pessoais –e não software, design ou logística, mais ligados à indústria.Esse é, provavelmente, o pior legado de um modelo de crescimento da economia baseado mais em consumo do que em produtividade.”

    http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/213901-regressao-patente.shtml

  4. Divergências com Marcelo Neri

    Apesar de ter sido parceira de Marcelo Neri na consultoria que prestávamos ao ex-Ministro Patrus Ananias na implantação do Programa Bolsa Família, quando eu estava na liderança do governo no Senado e ele na FGV, discordava de sua concepção de uma nova classe média. Compartilho das posições de Marcio Pochmann e agora das posições de Jessé de Souza.

  5. Requiem

    Pá de cal no Ipea. E eu achando que o Pochmann era o fundo do poço…

    Enfim, mais um capítulo da estratégia de usar verba pública para a defesa do pártido, tão bem escancarada pelo ex-titular da SECOM (olha que coisa boa, em menos de uma semana já esqueci o nome do infeliz!).

  6. E eu que fiquei contente por

    E eu que fiquei contente por nos termos livrado do Pochman… aparece agora outro “progressista”. Esses que acham que criticar a corrupção é coisa da direita, já sabemos quem são: os mesmos que apoiam ou não dão a mínima para mensalões, petrolões e quetais. O que conta é a “causa”. Vamos de mal a pior, o Brasil parece que não tem jeito, mesmo…

  7. e é exatamente esse o

    e é exatamente esse o problema metodológico analítico na chave tendenciosa manipulativa serviçal:

    afinal, é um instituto de pesquisa do estado ou serve ao governo dilma ou a outro qualquer?

    pesquisa para quê? para comprovar e amparar ideias teimosas do governo ou para

    realizar estudos de economia aplicada para nortear a sociedade brasileira?

    aliás, estamos passando por uma crise do estado ou crise de governo?

  8. e eu achando que pesquisa

    e eu achando que pesquisa devia mostrar realiadade.

    Mas pelo visto ela deve ser ” progressista “

    sabe deus onde isso pode parar, pq pelo visto o objetivo é moldar ideologicamente um fato constatado supostamente por uma pesquisa supostamente séria.

    e depois a esquerda fica falando que as pessoas são paranoicas com sua vontade de aparelhar as coisas…rs 

    1. Leonidas,Para partir de um

      Leonidas,

      Para partir de um ponto específico gostaria de salientar que a pesquisa nunca é neutra.

      Mesmo a pesquisa em ciências naturais sempre é motivada por uma pergunta, e a pergunta é definida através de uma inquietação do pesquisador ou de um incentivo externo (status, dinheiro, qualquer coisa). Nesse sentido, criticar uma pesquisa por ela ter fundamentação ideológica é irrelevante, é o mesmo que criticar alguem que pesquise genética por ser contrária a ideia de que deus é criador da Terra.

      Por fim, no caso específico do IPEA. Uma questão importante é pensar se um órgão de pesquisa do governo deve estudar temas relevantes que ajudem o governo a medir o impacto/necessidade de políticas pública? A minha opinião é que sim, dado que esta é justamente a missão do órgão:

      “Aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro, por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria ao Estado nas suas decisões estratégicas”.

       

       

       

    2. Olá

      Estimado Leonidas.

      A Ciência não “é” progressista; ela escolhe temas a partir de um viés progressista, o que é diferente. quer dizer, traz a tona temas que uma pauta científica pretensamente neutra não traz. Pra mim, isso é fundamental para a produção e circulação de ideias.

  9. Diferenças Básicas…

    Acho que tem gente com dificuldade de diferenciar uma agenda de pesquisa, do resultado final da pesquisa…
    Querendo ou não, com todo choro, Jessé é a esperança progressista que romperá com a agenda liberal de Marcelo Neri.

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