Michelle Bachelet, Lula e o redesenho da integração latino-americana

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
[email protected]

Frederico Füllgraf

Santiago do Chile

Especial para o Jornal GGN

Dez dias após a realização do primeiro, e faltando menos de vinte dias para o segundo turno da campanha presidencial no Chile, o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva aterrissou em Santiago como palestrante da conferência “América Latina: um compromisso com o futuro”, promovido pela CEPAL-Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

Contudo, mal instalara-se em seu hotel, Lula apressou o passo, dirigindo-se ao cair da noite da última terça-feira à Avenida Itália, endereço que sedia o comando de Michelle Bachelet, candidata que apoia desde o início da campanha com um vídeo gravado pelo Instituto Lula, legendado em espanhol e amplamente explorado na TV chilena por Bachelet,  para agora felicitar pessoalmente a vitoriosa do primeiro turno, renovando seu apoio à candidata de centro-esquerda em seu enfrentamento com Evelyn Matthei, postulante da direita, que ocorrerá no dia 15 de dezembro próximo.

https://www.youtube.com/watch?v=fUd6Fhsy9Ag]

Apoio aberto a Bachelet

 

Bachelet recebeu Lula com efusivo abraço, que o brasileiro, com seu jeitão afetivo e sincero, retribuiu com um beijo na testa da chilena, logo dizendo que não poderia passar por Santiago sem saudar sua amiga. “Se há alguém em nossa região, que sabe de mudanças importantes, esse é o Presidente Lula!”, elogiou-o Bachelet, ajuntando que o ex-presidente ”representa a capacidade de diálogo” e de executar transformações profundas com  governabilidade e justiça social. Em breve discurso diante do comando de campanha de Bachelet e alguns jornalistas, Lula não deixou por menos, retribuindo gentilezas. Primeiro, agradeceu pela solidariedade prestada durante o Governo Allende aos brasileiros perseguidos pela ditadura militar no Brasil. Depois, recordou que o primeiro mandato da colega chilena coincidira com seu próprio segundo mandato, época em que eclodiu a tentativa de desestabilização do Governo Evo Morales na Bolívia. Em 2008, a crise exigira uma ação conjunta dos países sul-americanos, cujo êxito consolidara a Unasul, na qual Bachelet exercia com firmeza a presidência pro-tempore. Enaltecendo o estilo diplomático da chilena, Lula avaliou que seus mandatos  simultâneos foram os melhores momentos da relação bilateral Brasil-Chile, apostando que “a afinidade que já existe entre ela e Dilma resultará numa relação ainda melhor entre os dois países, nos próximos anos”.

Sob aplausos, Bachelet e Lula se despediram do público para um jantar reservado.

[video:https://www.youtube.com/watch?v=hNuSiqiMOFE

 

Novos rumos na política externa do Chile

Não é a primeira vez que Lula faz seu corpo-a-corpo eleitoral em seara alheia, mas ao contrário de Capriles, que na Venezuela repudiara sua “ingerência” pró-Hugo Chávez em 2012, a direita chilena o assimilou sem protestos dignos de nota. E isso pelo motivo lembrado por Bachelet: Lula é a encarnação do animal político. Intuitivo, ele senta para conversar, seus adversários o levam a sério, porque os ouve e não os atropela com surtos messiânicos, é firme na defesa de seus interesses, mas conciliador na justa medida para não ameaçar consensos. Jornais chilenos lembraram que durante seu primeiro governo, Michelle Bachelet se esforçara em estreitar laços com o Governo Lula para estabelecer um “contrapeso” ao estilo “panzer” de Hugo Chávez, mas sem dúvida para reduzir a forte influência norte-americana sobre a política externa chilena, herdada da ditadura Pinochet.

Não por acaso, Lula lembrou que com Michelle Bachelet o Chile se aproximara do Mercosul, aproximação abandonada por seu sucessor, Sebastián Piñera, que priorizou o estreitamento de laços com o México e a Colômbia, expoentes do  bloco conservador das Américas, mas também naus-capitâneas da nova Aliança do Pacífico, criada por iniciativa do ex-presidente peruano Alan García com a Declaração de Lima, de abril de 2011. “De costas para o Mercosul”, Piñera contribuiu notávelmente para o esfriamento da relação com o Brasil, o que explicaria por que Dilma Rousseff teria desdenhado vários convites para uma visita oficial ao Chile. Ao apoiar firmemente a candidatura do Brasil a uma vaga no Conselho de Segurança da ONU, avalia-se que em final de mandato a administração Piñera se esforça para aparar algumas arestas.

Contudo, o cientista político Raúl Bernal Meza, da Universidade Arturo Prat, de Santiago, minimiza o voto chileno pelo Brasil, “porque, hoje, em Brasília, ninguém pensa no Chile como um ator chave de uma percepção de segurança já abandonada e que se baseava no clássico ´equilíbrio de poder´ sul-americano. Pelo contrário, a Argentina é – ainda para os críticos de sua política exterior – o sócio fundamental do Brasil na América do Sul”.

Pensando grande, no comando de campanha de Michelle Bachelet instalou-se um think tank – integrado pelo ex-secretário executivo da OIT, Juan Somavía, o ex-chanceler Mariano Fernández e o ex-ministro Sergio Bitar- para configurar as linhas mestras da futura política exterior da virtual candidata vitoriosa. Seu lema é “recuperar as relações de entendimento e cooperação” com o Brasil e a Argentina, com especial ênfase ao primeiro.

Reconhecendo implicitamente a condição de país com múltiplas disputas e relacionamento não propriamente amigável com seus vizinhos desde a Guerra do Salitre, no final do séc. XIX, e recomendando a criação de um “Escritório de Prospectiva Internacional” para viabilizar os novos rumos da diplomacia chilena, o arrazoado esboçado pelos assessores de Bachelet recomenda “especial atenção ao melhoramento de nossa política vecinal com Argentina, Peru e Bolivia”, estabelecendo como prioridade em política externa a inserção econômica e política do Chile na América Latina.

Uma releitura da Aliança do Pacífico

A rigor, a inclusão de Lula na lista de oradores da conferência da Cepal foi um criativo despiste para o principal objetivo da visita de Lula ao Chile, que não deveria ocorrer de supetão e ser interpretado como “ingerência” na campanha presidencial. Por isso, até segunda-feira, 25, a visita do ex-presidente foi tratada de forma especialmente reservada.

A ideia, segundo fontes do comando de Bachelet, vinha sendo acalentada desde janeiro, durante encontro do chileno Luis Maira com Lula em São Paulo, e articulada a partir de julho por José Goñi. A luz verde foi finalmente acionada em 17 de novembro, data da vitória de Michelle Bachelet no primeiro turno, quando Luiz Dulci, diretor do Instituto Lula, a visitou no Hotel Plaza San Francisco, em Santiago.

O convite dos socialistas chilenos a Lula se reveste de relação privilegiada. Ao que tudo indica, antes de dar partida à nova política externa do Chile, Bachelet e seu comando pretendiam ouvir e atrair o ex-presidente para o cenário agora esboçado.

Não porque atualmente o Brasil alberga 3,0 bilhões de dólares em investimentos chilenos, em sua maioria “sujos”, porque concentrados em atividades de alto impacto ambiental, como monocultivos madeireiros e produção de celulose. Mas porque não é segredo que a futura presidenta do Chile também pretende continuar investindo energicamente nas relações comerciais com o mercado que garante 60% do faturamento chileno: o Pacífico.

Com o Mercosul em arrastada crise, em grande parte devida às travas argentinas, a Aliança do Pacífico, recebida com grande reserva pelos governos progressistas do Continente, desponta como bloco comercial exitoso. Auto-definindos-se como “sexta economia do mundo”, com 200 milhões de habitantes, o bloco da Aliança – integrado por Peru, Chile, Colômbia, Panamá e México, com Costa Rica em processo de integração e o Uruguai de José Mujica em condição de namoro – aporta 40% do PIB da América Latina e é responsável por 55 % das exportações da região. Segundo cálculos da OMC-Organização Mundial do Comércio, em 2010 os países da Aliança exportaram em conjunto cerca de 445 bilhões de dólares, valor 60 % superior às exportações do Mercosul no mesmo período.

Desde sua fundação, porém, Lula não se cansou de advertir para o virtual desvirtuamento geopolítico da Aliança, incentivado ativamente pelo governo Barack Obama com o objetivo de fragilizar o Mercosul, voltando a defender perante a Cepal o fortalecimento da Unasul e da Celac como instrumentos da genuína integração.

Na mesma linha de argumentação e no mesmo dia, mas em uma conferência em Washington, o ex-presidente Ricardo Lagos, antecessor de Michelle Bachelet durante os 20 anos de governos da Concertación, deu o mote: “A geografia mudou…Quero dizer com todas as letras que não aceito esta nova forma de ver as coisas, com uns mirando ao Pacífico e otros ao Atlântico… Isso significa retroceder ao Tratado de Tordesillas, de 500 anos atrás”.

Lagos advertiu que a fixação unilateral de grande número de países latino-americanos no Pacífico poderá detonar uma divisão em sentido leste-oeste da região e lesar a integração.

 

“Incidente diplomático”

Abraçada a amiga e nova virtual mandatária do Chile, foi a vez de Camila Vallejo, deputada federal recém-eleita pelo Partido Comunista, de receber os mimos de Lula, no plenário da Cepal.

“Quero saudar uma jovem promessa chilena – Camila Vallejo! Não quero criar um problema diplomático”, ajuntou o ex-presidente em seu ilustre tom jocoso e sutil referência ao papel de liderança de Vallejo durante as ruidosas e multitudinárias manifestações do movimento estudantil em sua luta pelo ensino público gratuito, que em 2011 desgastaram o governo Sebastián Piñera e pautaram o programa de governo de Michelle Bachelet com as reivindicações dos movimentos sociais.

“Penso que ela representa não apenas as mulheres, mas também um pensamento novo para a política latino-americana“, celebrou Lula, que em seguida foi abraçar a altiva líder estudantil, a quem, sem dúvida nenhuma, cobrou apoio ao futuro Governo Bachelet.

 

 

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

13 Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

    1. A Aliança do Pacífico já

      A Aliança do Pacífico já possui tarifas baixas, dentro do esquema da ALADI, esse ponto do livre-comércio é só retórica vazia para enganar os incautos, no começo do ano, o México(defensor do livre-comércio)recusou a oferta de um tratado de livre comércio com a China, o que deixa claro o quão vazio são os rococós neoliberais dos mexicanos.

      Na verdade, a Aliança é mero instrumento de retórico para promover a reinserção desses países na política latino americana, principalmente o México, que ficou isolado com a formação de blocos regionais(chegou a protestar contra a formação da UNASUL). O resultado dessas opções são claros: no início do milênio, os PIBs de Brasil e México eram equivalentes, após mais de uma década de “Mercosul ideológico” de um lado e “livre-comércio pragmático” do outro, o PIB brasileiro é o dobro do mexicano, deixando transparente quem fez a opção correta. Procure os dados no FMI.

      A única proposta concreta de integração da Aliança é a integração bursátil, mas qual seria o interesse do Brasil – maior exportador de capitais e detentor da maior bolsa de valores na América Latina – em fazer parte disso?

      Na minha opinião, essa integração bursátil pode ser apenas um relançamento da velha política latino americana de “desenvolvimento pelo endividamento”, aplicada com esmo pelo governo FHC, e, desde de sua independência, tantas economias arruinou na história da região.

      1. ALIANÇA COM OS GRINGOS? ME ENGANA QUE EU GOSTO.

         

        Nada a ver  Daytona.

        Vosmicê deve ser muito novo, e, naturalmente não deve lembrar que a Aliança para o Progresso foi outro programa excelente, na linha engana-otário, muito valioso pros bestas americanófilos.

        Orlando

  1. Na America se constituiram

    Na America se constituiram dois blodos de integração: o MERCOSUL, que saiu de uma plataforma de livre comercio para uma coalização ideologica e a ALIANÇA DO PACIFICO, bloco de livre comercio. De qual outra integração esta se falando?  Integração não se faz em palanque eleitoral e sim por negociações com alguma coerencia economica.

    O Brasil seria sempre bem vindo na Aliança do Pacifico mas não a Venezuela, em menor escala tambem a Argentina não é bem aceita. O Brasil escolheu os piores companheiros para se integrar e vai ter que pagar por isso.

    1. O Mercosul multiplicou o

      O Mercosul multiplicou o comércio intra-bloco, não há nada de ideológico nisso. O que os membros da Aliança para o Pacífico exportam uns para os outros?

      A defesa do livre-comércio por si só, sem objetvios concretos, como a busca pelo desenvolvimento, é que é eivada de uma ideologia das mais destrutivas, do tipo que foi aplicada na América Latina por Fujimori, Salinas, Collor, Menem, FHC, todos presidentes que não deixaram saudades.

      Nos princípios do milênio, os PIBs de Brasile  México eram equivalentes, hoje, o PIB brasileiro é o dobro do mexicano. Isso porque o Brasil foi “ideológico”, e se aprofundou o Mercosul, e o México foi “pragmático” com seu tratado de livre comércio com os EUA e Canadá.

      1. Exatamente, quem quer o apoio

        Exatamente, quem quer o apoio dele?

        O próprio PSDB o esconde durante campanhas eleitorais, mostra do quanto a população latino americana repudia esses presidentes seguidores do Consenso de WA.

    1. O OURO AFUNDA NO MAR. MADEIRA FICA POR CIMA

       

      Oxente JPedro!!!? O Fernandinho, não me refiro ao Beira Mar, sempre deu o “maiorapoio” ao Fujimore. Inclusive, pespegou-lhe ao peito valiosa medalha brasileira. Comenda que anteriormente era conferida apenas a personalidades descentes, e, a ilustres mandatários de países amigos.

      O FHC, dentre outros capachos latino-americanos do imperio, dedicava carinho especial a outro governante de merda, o tal Menem, canalha que enterrou a Argentina num buraco difícil de sair. O gajo argentino foi muito paparicado pelo nosso intelectual de merda FHC.

      Claro! Né JPedro, malvisto como era e é. O ex-professor Cardoso sempre foi evitado, escondido por baixo do tapete, ou, dormitando em profundas gavetas, assim como fazia com as inúmeras falcatruas de seu governo. Ninguém era besta de desejar tê-lo por perto. Se os seus próprios correligionários, Alckimin e Zé Serra queriam o diabo ao lado mas, o Fernadinho? Nem revestido em ouro 18 k.

      Orlando

  2. Lula dancando a Cumbia!

    O Lula faz a diferença ao Brasil e no Mundo.

    A diferença e a visão são tão grandes na politica. A liderança politica forjada e a sua intuição despojada de preconceito, já que é o próprio preconceito, e sem a educação formal dirigida pela falácia elitista que fizeram sua liderança tão ampla que os outros são os outros, fraquinhos.

    Os raciocínios são tão limitados que os Latinos da América do sul se acham Brancos. O Brasileiro se definindo gosta de se afastar dos Hispanos e ai vem o MERCOSUL sem preconceitos envolvendo economias e politicas não é admirável! Quando se uni irmãos tão próximos para o melhor dos seus povos.

    Não deixa o samba morrer, não deixa a bachata acabar e enquanto houver o merengue, na salsa e do tango com a cumbia vamos dançar.

  3. Errata

    Durante a edição do texto, às pressas, não apaguei fragmento de frase sobre Ricardo Lagos em Washiington, o que induz o leitor a erro. Ricardo Lagos na verdade foi um dos palesntrates da conferência da ;Cepal em Santiago.

    Queiram perdoar, e grato pela compreensão.

     

     

Você pode fazer o Jornal GGN ser cada vez melhor.

Apoie e faça parte desta caminhada para que ele se torne um veículo cada vez mais respeitado e forte.

Seja um apoiador