Morre o escritor uruguaio Eduardo Galeano

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – Eduardo Galeano, autor do livro “As veias abertas da América Latina”, morreu hoje, aos 74 anos. O escritor e jornalista uruguaio morreu em Montevidéu, sua cidade natal, segundo informações do jornal local Subrayado. A confirmação da morte também foi destacada pelo jornal diário espanhol El País e pelo Europa Press.

Galeano é considerado um dos mais destacados autores da literatura latino-americana. Sua obra se distinguiu por transcender gêneros ortodoxos e combinar com o documental, ficção, jornalismo, análise política e história. Um dos episódios mais complicados de sua vida foi superar um câncer de pulmão e dele sair vitorioso em 2007. Em 1985 regressou ao Uruguai, onde frequentava o café El Brasileiro e dirigia sua editora El Chanchito.

Galeano nasceu no dia 3 de setembro de 1940 em Montevidéu, em uma família católica de classe média. Quando criança queria se tornar jogador de futebol, o que foi retratado em algumas de suas obras, como a “O futebol de sol a sombra”, de 1995.

Galeano iniciou no jornalismo em 1960, como editor do jornal Marcha, que tinha colaboradores como Mario Vargas Llosa e Mario Benedetti. Foi também editor do diário Época, além de editor-chefe do jornal universitário. Em 1971 escreveu o livro considerado uma obra-prima, “As veias abertas da América Latina”.

Em 1973, com o golpe militar no Uruguai, Galeano foi preso e depois forçado a se exilar na Argentina, onde lançou Crisis, uma revista sobre cultura. Em 1976, com o golpe militar na Argentina, liderado por Jorge Videla, Galeano teve seu nome colocado na lista dos esquadrões da morte. Temendo por sua vida exila-se na Espanha, onde  começa a escrever a trilogia “Memória do Fogo”.

Em 1985, Galeano retorna a Montevidéu, após o processo de redemocratização do país.

A vida em suas obras

“As veias abertas da América Latina” é, sem dúvida, a obra mais conhecida de Eduardo Galeano, onde analisa a história da América Latina como um todo, desde o período colonial até a contemporaneidade, argumentando contra a exploração econômica e política feita pela Europa e depois Estados Unidos. O livro tornou-se um clássico para a esquerda do continente.

“Memórias do Fogo” é uma trilogia da história das Américas. Galeano usou, como personagens, figuras históricas, que são retratados em pequenos episódios que refletem o período colonial do continente.

Em “O livro dos abraços” ele preparou uma coleção de histórias curtas e por vezes líricas, presentando sua visão em relação às emoções, arte, política e valores. Além disso, é uma crítica à sociedade capitalista moderna, com Galeano defendendo aquilo que acredita ser a mentalidade ideal para a sociedade.

Fã de futebol,  Galeano escreveu “O futebol ao sol e à sombra”, que revisa a história do esporte. Nele, o autor compara o futebol com a guerra, critica sua aliança profana com corporações globais, bem como os intelectuais de esquerda que rejeitam o jogo.

“Espelhos”, seu livro mais recente, um recontar de episódios que a história oficial camuflou.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

25 Comentários

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  1. Fez diferença e fará falta!!


    Fez diferença e fará falta!! Me sinto mais pobre e triste!! Lá fora faz sol, mas aqui dentro muitas nuvens!

  2. Ele já pertencia ao passado

    Eduardo Galeano era um daqueles personagens que fora do contexto de uma época específica, nada tem de especial. Ele pertencia àquele clima de idealismo e agitação dos anos sessenta latino-americanos, que causaram a liquidação de muitas democracias e lançaram equívocos que até hoje assombram nossas cabeças. Sua obra máxima, As Veias Abertas da América Latina, é um compêndio desses equívocos.

  3. Nobel

    É realmente uma lástima a perda, e uma grave injustiça que ele não tenha ganhado o prêmio nobel de literatura.

    A academia só provê o prêmio a pessoas de esquerda (como Sartre, G. G. Márquez ou Saramago) quando a coisa já fedeu pra ela própria.

     

    De qualquer modo, que a terra lhe seja leve.

  4. “No volvería a leer Las Venas Abiertas de América Latina…

    … porque si lo hiciera me caería desmayado”

    “no tenía los suficientes conocimientos de economia ni de política cuando lo escribí”.

    Um grande exemplo de honestidade intelectual, o autor que admite que o seu livro mais famoso foi escrito sem que tivesse os conhecimentos necessários para tratar dos assuntos abordados.

    Hoje também morreu Günter Grass.

    1. Rebolla

      Tem que separar o joio do trigo. É claro que Galeano recomporia sua obra se fosse hoje, mas os dados, fatos e elementos históricos constantes do livro possuem valor atemporal e servem como testemunhas documentais do que ocorreu no continente.

    2. a sernsibilidade também conta

      meu pai um pedreiro italiano (chegado ainda criança ao Brasil) e que começou a labuta aos 7 anos de idade e só chegou ao terceiro ano primário depois de muitas colas e palmatórias por faltar às aulas, no entanto quando havia que calcular a estrutura de um pilar para suportar uma carga ele o fazia de pronto baseado no seu antropormorfismo e o engenheiro não acreditava e calculava segundo as normas e ficava estupefato com a proximidade dos resultados, portanto poeticamente e mesmo na prática há pessoas uncríveis que conseguem com suas sensibilidades atingirem e relatarem o real e isso é além de lindo muito importante para mostrarmos que a origem do conhecimento e seu desenvolvimento na Humanidade vem de dentro de nós e da sociedade inclusive dos seus conflitos, uma dialética implacável.

  5. Eduardo Galeano:

     

    “A prosa da esquerda tradicional é chatíssima”

    “Eu não leria de novo ‘As Veias Abertas da América Latina'”

    El País | Marina Rossi | São Paulo | 04/05/2015

    Galeano, na Bienal do Livro de Brasília. Fábio R. Pozzebom/Agência Brasil

    Quando foi escrito, em 1971, o livro As Veias Abertas da América Latina do escritor uruguaio Eduardo Galeano, logo se transformou em um clássico da esquerda latino-americana.

    No livro, o escritor fez uma análise da história da América Latina sob o ponto de vista da exploração econômica e da dominação política, desde a colonização europeia até a contemporaneidade da época em que foi lançado. Isso em um período contextualizado pela Guerra Fria (1945-1991), e pelo início de um ciclo de regimes ditatoriais nos países latino-americanos.

    A publicação de Galeano era tão identificada como sendo uma obra revolucionária e de esquerda, que foi banida na Argentina, Chile, Brasil e no Uruguai, durante as ditaduras militares nesses países. Galeano chegou a ser preso em solo uruguaio, e depois obrigado a se exilar, primeiramente na Argentina, e depois, na Espanha.

    Mais de 40 anos depois, Galeano revelou que não leria novamente seu livro de maior sucesso. “Eu não seria capaz de ler de novo. Cairia desmaiado”, disse, durante a 2ª Bienal do Livro de Brasília, realizada entre 11 e 21 de abril na Capital Federal, como noticiaram os jornalistas que fizeram a cobertura do evento. “Para mim, essa prosa da esquerda tradicional é chatíssima. Meu físico não aguentaria. Seria internado no pronto-socorro”, disse o escritor, de 73 anos, durante uma coletiva de imprensa em registro feito por veículos como a Agência Brasil e o blog Socialista Morena.

    O episódio demonstra que Galeano assumiu um tom mais ponderado para analisar o maniqueísmo político de outrora. “Em todo o mundo, experiências de partidos políticos de esquerda no poder às vezes deram certo, às vezes não, mas muitas vezes foram demolidas como castigo por estarem certas, o que deu margem a golpes de Estado, ditaduras militares e períodos prolongados de terror, com sacrifícios e crimes horrorosos cometidos em nome da paz social e do progresso”, disse o escritor. “Em alguns períodos, é a esquerda que comete erros gravíssimos”, completou.

    O livro foi publicado quando Galeano tinha 31 anos e, segundo o próprio escritor, naquela época ele não tinha formação suficiente para realizar essa tarefa. “A Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária”, disse. “Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada”.

    Em 2009, durante a 5ª Cúpula das Américas, o ex-presidente da Venezuela Hugo Chávez deu uma uma cópia do livro de presente ao presidente dos Estados Unidos Barack Obama. Na época, o livro saiu da posição 54.295 da lista dos livros mais populares do site Amazon.com, para a segunda posição em apenas um dia.

    O escritor foi questionado sobre esse episódio, no que respondeu que “Nem Obama e nem Chávez” entenderiam o livro. “Ele (Chávez) entregou a Obama com a melhor intenção do mundo, mas deu de presente a Obama um livro em uma língua que ele não conhece. Então, foi um gesto generoso, mas um pouco cruel”, disse.

                       * * *

                       ‘As Veias Abertas da América Latina’

                        Foi lido, relido e rerelido pelo Minerim que subscreve a sentença do Mestre Galeano:

                       “A prosa da esquerda tradicional é chatíssima”

                        Muuuuuito chata!

  6. Vai em paz

    As Veias Abertas da América Latina livro que marcou aquele periodo latente na vida de quando ou se vai para a esquerda ou se fica na direita mesmo. Alguns, ficam naquela zona confortavel, são como a Suiça, “neutros” a vida toda. 

    Lembra-se agora que Hugo Chaves ofereceu esse emblematico livro a Obama, ao qual, Daniel Restrepo, conselheiro de Obama para assuntos latino-americanos disse: “é um livro que simboliza o passado, que tanto queremos esquecer”. Mas nos não esquecemos, senhor Restrepo.

    E toda uma geração que se apaga pouco a pouco.

  7. O mundo

    Um homem da aldeia de Negu, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.
    — O mundo é isso — revelou — Um montão de gente, um mar de fogueirinhas.
    Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

     

    (O Livro dos Abraços)

  8. Ao mestre com carinho

    Ele escreveu esse poético livro para crianças (que fala de morte e o eterno retorno das coisas), com belas ilustrações.

     

  9. Um perda tão grande quanto Mario Benedetti

    Pra mim, um perda tão grando quanto a de Mario Benedetti. Embora com estilos e idéias diferentes, certamente são grandes construtores da cultura Latino Americana.

     

     

  10. do Livro dos Abraços

    O sistema/1

    Os funcionários não funcionam.
    Os políticos falam mas não dizem.
    Os votantes votam mas não escolhem.
    Os meios de informação desinformam.
    Os centros de ensino ensinam a ignorar.
    Os juízes condenam as vítimas.
    Os militares estão em guerra contra seus compatriotas.
    Os policiais não combatem os crimes, porque estão ocupados cometendo-os.
    As bancarrotas são socializadas, os lucros são privatizados.
    O dinheiro é mais livre que as pessoas.
    As pessoas estão a serviço das coisas.

     

    A televisão/2

    A televisão mostra o que acontece?
    Em nossos países, a televisão mostra o que ela quer que aconteça; e nada acontece se a televisão não mostrar.
    A televisão, essa última luz que te salva da solidão e da noite, é a realidade. Porque a vida é um espetáculo: para os que se comportam bem, o sistema promete uma boa poltrona.

     

    (A televisão/3, p. 152)

    Pela tela desfilam os eleitos e seus símbolos de poder. O sistema, que edifica a pirâmide social escolhendo pelo avesso, recompensa pouca gente. Eis aqui os premiados: são os usurários de boas unhas e os mercadores de dentes bons, os políticos de nariz crescente e os doutores de costas de borracha.

  11. Teologia de Galeano

    Teologia/ 1

     

                O catecismo me ensinou, na infância, a fazer o bem por interesse e não fazer o mal por medo. Deus me oferecia castigos e recompensas, me ameaçava com o inferno e me prometia o céu; e eu temia e acreditava.

                Passaram-se os anos. Eu já não temo nem creio. E, em todo caso – penso – se mereço ser assado cozido no caldeirão do inferno, condenado ao fogo lento e eterno, que assim seja. Assim me salvarei do purgatório, que está cheio de horríveis turistas da classe média; e no final das contas, se fará justiça.

                Sinceramente: merecer, mereço. Nunca matei ninguém, é verdade, mas por falta de coragem ou de tempo, e não por falta de querer. Não vou à missa aos domingos, nem nos dias de guarda. Cobicei quase todas as mulheres de meus próximos, exceto as feias, e assim violei, pelo menos em intenção, a propriedade privada que Deus pessoalmente sacramentou nas tábuas de Moisés: Não cobiçarás a mulher de teu próximo nem seu touro, nem seu asno… E como se fosse pouco, com premeditação e deslealdade cometi o ato do amor sem o nobre propósito de reproduzir a mão-de-obra. Sei muito bem que o pecado carnal não é bem visto no céu; mas desconfio que Deus condena o que ignora.

     

     

    Teologia/ 2

     

                O deus dos cristãos, Deus da minha infância, não faz amor. Talvez o único deus que nunca fez amor, entre todos os deuses de todas as religiões da história humana. Cada vez que penso nisso, sinto pena dele. E então o perdôo por ter sido meu super-pai castigador, chefe de polícia do universo, e penso afinal que Deus também foi meu amigo naqueles velhos tempos, quando eu acreditava Nele e acreditava que Ele acreditava em mim. Então preparo a orelha, na hora dos rumores mágicos, entre o pôr-do-sol e o nascer e subir da noite, e acho que escuto suas melancólicas confidências.

     

     

    Teologia/ 3

     

                Errata: onde o Antigo Testamento diz o que diz, deve dizer aquilo que provavelmente seu principal protagonista me confessou:

                Pena que Adão fosse tão burro. Pena que Eva fosse tão surda. E pena que eu não soube me fazer entender. Adão e Eva eram os primeiros seres humanos que nasciam da minha mão, e reconheço que tinham certos defeitos de estrutura, construção e acabamento. Eles não estavam preparados para escutar, nem para pensar. E eu… bem, eu talvez não estivesse preparado para falar. Antes de Adão e Eva, nunca tinha falado com ninguém. Eu tinha pronunciado belas frases, como “Faça-se a luz”, mas sempre na solidão. E foi assim que, naquela tarde, quando encontrei Adão e Eva na hora da brisa, não fui muito eloqüente. Não tinha prática.

                A primeira coisa que senti foi assombro. Eles acabavam de roubar a fruta da árvore proibida, no centro do Paraíso. Adão tinha posto cara de general que acaba de entregar a espada e Eva olhava para o chão, como se contasse formigas. Mas os dois estavam incrivelmente jovens e belos e radiantes. Me surpreenderam. Eu os tinha feito; mas não sabia que o barro podia ser tão luminoso.

                Depois, reconheço, senti inveja. Como ninguém pode me dar ordens, ignoro a dignidade da desobediência. Tampouco posso conhecer a ousadia do amor, que exige dois. Em em homenagem ao princípio de autoridade, contive a vontade de cumprimentá-los por terem-se feito subitamente sábios em paixões humanas.

                Então, vieram os equívocos. Eles entenderam queda onde falei vôo. Acharam que um pecado merece castigo se for original. Eu disse que quem desama peca: entenderam que quem ama peca. Onde anunciei pradaria em festa, entenderam vale de lágrimas. Eu disse que a dor era o sal que dava gosto à aventura humana: entenderam que eu os estava condenando, ao outorgar-lhes a glória de serem mortais e loucos. Entenderam tudo ao contrário. E acreditaram.

                Ultimamente ando com problemas de insônia. Há alguns milênios custo a dormir. E gosto de dormir, gosto muito, porque quando durmo, sonho. Então me transformo em amante ou amanta, me queimo no fogo fugaz dos amores de passagem, sou palhaço, pescador de alto mar ou cigana adivinhadora da sorte; da árvore proibida devoro até as folhas e bebo e danço até rodar pelo chão…

                Quando acordo, estou sozinho. Não tenho com quem brincar, porque os anjos me levam tão a sério, nem tenho a quem desejar. Estou condenado a me desejar. De estrela em estrela ando vagando, aborrecendo-me no universo vazio. Sinto-me muito cansado, me sinto muito sozinho. Eu estou sozinho, eu sou sozinho, sozinho pelo resto da eternidade.

     

     

                                                   Eduardo Galeano em “O LIVRO DOS ABRAÇOS”.

  12. Tão lindo

    Fazíamos a pergunta todos os dias: “para que servia a utopia? Se é que a utopia servia para alguma coisa…” Então disse: “veja bem, a utopia está no horizonte e se está no horizonte, nunca vamos alcançá-la. Porque se caminho dez passos, a utopia vai se distanciar dez passos e se caminho vinte passos, a utopia vai se colocar vinte passos mais além. Ou seja, sei que jamais vou alcançá-la. Então para que serve? Para isso, para caminhar.

     

    Eduardo Galeano

  13. Menos simbólico que Che, mas mais influente

    “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

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