Nísia Floresta, uma paladina brasileira da educação

Reprodução/Wikimedia Commons

Enviado por Maria Carvalho

Da Carta Maior

Nísia Floresta Brasileira Augusta: o feminismo revolucionário no século XIX

por João Telésforo, do brasilem5.org

postado em: 26/05/2015

Um dos traços evidentes da herança colonial brasileira é o quanto desconhecemos ou menosprezamos intelectuais do Brasil, da América Latina e do “Sul” global. Como consequência, o vício eurocêntrico de reproduzir acriticamente modelos, projetos e discursos pouco enraizados na história do nosso país.

Sem consciência do sangue negro, indígena e feminino que escorre do “moinho de gastar gentes” que formou o capitalismo e o Estado no Brasil, nos perderemos enfrentando moinhos de vento. Sem conhecimento das lutas e dos pensamentos que se articularam para enfrentar esse “moinho” real, dificilmente teremos capacidade de formular um projeto alternativo, de caráter libertador.

O governo fala em “Pátria Educadora”, mas qual é o conteúdo de sua noção de Pátria e de seu projeto de Educação? Para nos armarmos de referenciais da nossa história para refletir sobre essa questão, convido o/a leitor/a a conhecer, então, uma grande intelectual nordestina do século XIX, que pensou o Brasil a partir das lutas de mulheres, abolicionistas e indígenas, e pôs em prática uma pedagogia feminista libertadora. Causas que permanecem, hoje, no centro de qualquer projeto revolucionário que mereça esse nome.

No litoral do Rio Grande do Norte, uma “fértil e charmosa” terra tropical, que nos acolhe com sua quentura úmida, abriga hoje o município de Nísia Floresta. As aspas são do relato de Dionísia Pinto Lisboa, escritora que nasceu ali em 1809 e se tornaria conhecida pelo nome que adotou para si:Nísia Floresta Brasileira Augusta. A exuberância natural do lugar, na região metropolitana de Natal, contrasta com a sua paisagem social. Para citar somente um dado, perversa ironia para a cidade que leva o nome de uma paladina Brasileira da educação: quase um quarto da população do município com mais de 15 anos de idade não é alfabetizada (Censo 2010 do IBGE). Nísia Floresta compreendia as razões para isso. No Opúsculo Humanitário (1853), explica que sem uma “educação esclarecida”, “mais facilmente os homens se submetem ao absolutismo de seus governantes”.

A Brasileira Augusta lutou, em especial, pela educação para as mulheres. Não se contentou com a tradução livre, aos 22 anos, do livro “Direitos das mulheres e injustiça dos homens“. Insatisfeita com a falta de acesso, a má qualidade e a perspectiva patriarcal do ensino para as meninas, criou em 1838 uma escola para elas. Enquanto outras escolas para mulheres preocupavam-se basicamente com costura e boas maneiras, a de Nísia ensinava línguas, ciências naturais e sociais, matemática e artes, além de desenvolver métodos pedagógicos inovadores. Uma afronta à ideologia dominante de que esses saberes caberiam somente aos homens, restando às mulheres aprenderem os cuidados do “lar” e as virtudes morais de uma boa mãe e esposa.

Tal insubordinação rendeu a Nísia não somente críticas pedagógicas, mas também ataques à sua vida pessoal. Artigos nos jornais tentaram desqualificá-la como promíscua nas relações com homens e até mesmo com suas alunas. Mas essa Brasileira não era de baixar a cabeça para as estratégias atávicas do patriarcado. Já no nome que adotou para si e deu à escola, um grito de autonomia contra a moral sexual machista: “Colégio Augusto”, homenagem ao seu companheiro Manoel Augusto, com quem corajosamente viveu e teve dois filhos, enquanto era acusada de adúltera pelo ex-marido, com quem fora obrigada a se casar – tendo-se separado dele no primeiro ano de casamento, aos 13 anos de idade.

Nísia participou das campanhas abolicionista e republicana ao longo de praticamente toda a sua vida. Denunciou também a devastadora opressão colonial contra os povos indígenas, em livros como “A lágrima de um caeté”, de 1849, poema épico de 39 páginas que em sua segunda parte tem como pano de fundo a Revolução Praieira (Pernambuco, 1848-50).

Ao migrar para a Europa, onde morou por quase duas décadas, Nísia continuou escrevendo e publicando livros de literatura e de resistência política. Foi amiga, admiradora e correspondente do filósofo positivista Auguste Comte, mas não absorveu seu determinismo racista. Sempre ostentou o orgulho de sua origem – ressaltada no próprio nome que se deu – e nunca abandonou o compromisso de se somar às lutas pela libertação dos setores oprimidos que formam a maioria social do povo brasileiro.

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João Telésforo vive em Brasília desde 2005, quando iniciou o curso de Direito na UnB, onde também realiza mestrado. Militante de direitos humanos, pesquisa o novo constitucionalismo latino-americano.

Redação

4 Comentários

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  1. Muito interessante.
    “Manoel
    Muito interessante.

    “Manoel Augusto, com quem corajosamente viveu e teve dois filhos, enquanto era acusada de adúltera pelo ex-marido, com quem fora obrigada a se casar – tendo-se separado dele no primeiro ano de casamento, aos 13 anos de idade.”

    Ao invés de uma boa vida de casada no interior de Pernambuco, foi morar em Paris.

    PS. Coloque-a no Wikipedia. Há referências?

  2. Carta Maior sempre trazendo conhecimento a seus leitores

    Muito interessante conhecer mulheres que são pouco conhecidas e até boicotadas devido a suas escolhas conscientes e diferenciadas até.

  3. O enfoque de sempre.

    Proponho aos comentaristas que apenas nos foquemos nos dados dessa “descoberta” a razão da vida de uma brasileira livre no contexto em que viveu. Não para justificarmos os seus gestos, então possíveis, mas para compreendermos a extensão de uma proposta de Nísia Floresta para a mulher e para as nossas atrasadíssimas ações civis no século XXI.

    Afinal João Telésforo não se referiu à biografia de Nísia Floresta, mas à nossa biografia nacional, ainda por ser desvendada e apreendida nas propostas que ainda não formulamos.

    A questão social é a barreira absurda e intransponível, até noje, para mudarmos o brasileiro pela educação pública e comercial, mas culturalmente aguardamos, macunaimicamente, sempre os goverrnos para fazermos deste país uma Nação Educadora. 

     

     

     

     

     

  4. NISIA FLORESTA

    O Projeto Memória apresentou Nísia Floresta, em 2006. Rico material que foi enviado às escolas públicas.

    “Idealizado pela Fundação Banco do Brasil, em parceria com a Petrobras, o Projeto Memória é composto por uma exposição itinerante, que percorre cerca de 800 municípios em todos os estados, e ainda um livro fotobiográfico, um vídeo documentário e um kit pedagógico, que vão para 18 mil escolas e 5 mil bibliotecas de todo o País, além deste website.

    Para 2006, a escolhida foi a escritora e educadora norte-rio-grandense Nísia Floresta.

    Abolicionista, indianista, nacionalista e precursora dos ideais feministas no Brasil, Nísia Floresta é considerada uma das maiores mentes femininas do século XIX, tendo deixado, além de uma obra literária de grande valor, um legado de luta pela valorização do verdadeiro papel da mulher.”

    http://www.projetomemoria.art.br/NisiaFloresta/pro.html

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