No limite da irresponsabilidade, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Por Luciano Martins Costa

Do Observatório da Imprensa

Os jornais de terça-feira (26/5) prosseguem em sua saga de conduzir perigosamente o noticiário entre a convicção de que os ajustes propostos pelo governo são imprescindíveis e a aposta numa derrota da presidente no Congresso Nacional.

Oficialmente, a posição da mídia tradicional segue o receituário do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, interpretada textualmente pela revista Época na edição desta semana: “Se as contas públicas não forem colocadas de novo na rota da sustentabilidade a longo prazo, a possibilidade de o Brasil perder o grau de investimento dado pelas agências de classificação pode vir a galope”.

Paralelamente, a imprensa segue o tumultuado processo de reforma política, que ameaça dar à luz um monstrengo capaz de reduzir ainda mais a já precária representatividade dos partidos.

Movido por suas próprias conveniências, o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, resolveu de uma maneira pouco democrática a controvérsia em torno do modelo eleitoral proposto pelo relator da comissão especial que conduziu os debates sobre o assunto: simplesmente cancelou a reunião em que seria aprovado o parecer e decidiu levar a questão diretamente a votação em plenário.

Assim, uma das questões fundamentais para o aperfeiçoamento do sistema criado na Constituição de 1988 vai ser submetida ao processo de aprovação ponto a ponto, sem um texto-base, o que pode produzir um Frankenstein muito conveniente para os parlamentares que já possuem seus currais eleitorais, dificultando o surgimento de novas representações políticas e abortando a possibilidade de futuras lideranças nascidas de forma autêntica nas comunidades.

O perfil de Cunha e a capacidade de articulação que ele proporciona ao chamado “baixo clero” do Congresso fazem supor que serão beneficiados os grupos mais conservadores, como a bancada das igrejas neopentecostais, as celebridades que possuem acesso à mídia e os conglomerados delobbies que se elegem a serviço de setores específicos do mundo dos negócios, quase sempre à revelia da sociedade como um todo.

É nessas confrarias que se mobilizam as principais forças que vêm tentando produzir retrocessos em políticas sociais consagradas pela Constituição há mais de duas décadas.

O jogo da especulação

A rigor, segundo alguns analistas, o que deseja Eduardo Cunha, como intérprete dos habitantes dessa planície política que representa a si mesma, é produzir mudanças pontuais, sem atacar a questão da baixa densidade dos partidos. A questão do financiamento de campanha, por exemplo, tende a continuar igual, com o sistema misto formado pelo financiamento público e doações privadas.

Os reclamos da sociedade, refletidos pela imprensa aqui e ali pela boca de alguns articulistas, seriam parcialmente atendidos na regulamentação da matéria, com uma legislação específica limitando os repasses de empresas a partidos e candidatos.

Como se sabe, há mil e uma maneiras de dissimular o financiamento direto de determinado setor da economia a parlamentares. Os sucessivos escândalos que denunciam a vinculação entre contratos de obras públicas e doações de campanha demonstram como funcionam essas relações viciadas, mas o público em geral fica conhecendo apenas parte das histórias, porque a imprensa decidiu que esse sistema acaba de ser criado. Absolutamente todos os casos de corrupção que envolvem partidos da oposição ao governo federal desapareceram do noticiário.

No caso das propostas de ajuste das contas públicas, os jornais trataram a ausência do ministro Joaquim Levy no anúncio do contingenciamento do orçamento federal, na sexta-feira (22/5), como um sinal de discordância em relação ao valor definido pelo Planalto. Foi preciso que o ministro se apresentasse pessoalmente, garantindo ter aprovado o tamanho do bloqueio, de quase R$ 70 bilhões, para interromper a escalada da especulação e evitar maiores danos.

A pergunta que não quer calar: quem inventou a história de que o ministro da Fazenda se ausentou do evento por discordar da decisão da presidente da República, e que estaria até cogitando se demitir?

Por que essa especulação teve mais credibilidade nas redações do que o fato de o ministro ter se referido a esse corte dias antes, em conversas com empresários registradas pela própria imprensa?

A resposta é simples: em sua cruzada contra o governo, a mídia hegemônica joga perigosamente no limite da irresponsabilidade.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

2 Comentários

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  1. Falsificações, irresponsabilidades, incoerências…

    O Luciano está sendo complacente com a “mídia hegemônica”. Ela já passou do limite da irresponsabilidade há muito. O respaldo que ele fornece a Eduardoi Cunha é uma expressão clara do quanto essa mídia nada tem a favor dos interesses do país, mas apenas de uma classe cujo único projeto é voltar ao poder.

    Esse país, muito por causa da mídia, anda um tanto esquizofrênico. O PSDB vota contra o arrocho fiscal, que se desdobra em monetário e salarial, quando ele mesmo prometia fazê-lo antes da eleição. O PT, que era contra o arrocho, hoje se desdobra para aprová-lo no Congresso, sob críticas acerbas do…PT, cuja posição, aponto mais uma vez, é surreal: ele é incoerente por votar contra o governo que é seu, e incoerente por votar a favor do arrocho, pois sempre se dispÕs contra ele.

    Em meio a isso, um texto que publiquei sobre matéria pertinente às falsificações da história:

    http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-vendedor-de-passados/

     

     

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