O escritor angolano Valter Hugo Mãe, vencedor do Prêmio José Saramago

Enviado por MiriamL

Da Revista da Cultura

OS FIORDES DE TODOS NÓS

POR: CLARIANA ZANUTTO E GUSTAVO RANIERI   /  01/04/2014

FOTOS NELSON D’AIRES

Quando o poeta gaúcho Mario Quintana escreveu Das utopias (Se as coisas são inatingíveis ora, / Não é motivo para não querê-las / Que tristes os caminhos se não fora / A mágica presença das estrelas!), publicado no livro Espelho mágico, Valter Hugo Mãe ainda não era nascido. Mas tais versos contam muito sobre a personalidade deste escritor angolano de 42 anos, radicado em Portugal desde pequeno e vencedor, em 2007, do importante Prêmio Literário José Saramago. Valter, como não se incomoda de dizer, é um ser utópico. Sim, acredita que evoluiremos como sociedade a caminho de não haver mais disputas e ódios ao redor das relações humanas – “mesmo que leve um milhão de anos”, em suas próprias palavras. Mas essas esperanças convictas não o impedem (e por que impediriam?!) de sentir com demasiada profundidade tristezas e decepções.
Ao mesmo tempo que celebra o lançamento do livro A desumanização – que se soma a mais de 30 títulos, de poesias e romances, já publicados de sua autoria –, chegando ao mercado brasileiro neste mês, ele permanece abalado pela crise econômica e social instaurada em seu país e no resto da Europa. “Nós sabemos ser melhores, sabemos perfeitamente criar uma sociedade melhor, mas nós não fazemos isso. Reincidimos no erro. Isso está levando a uma perda enorme de identidade e, fatalmente, a uma desumanização.”

Na nova publicação, Valter, pela primeira vez, ultrapassa na sua narrativa as fronteiras portuguesas, ao contar uma história toda vivida e sentida na Islândia. De imediato, o leitor se depara com o enterro da criança Sigridur, irmã gêmea de Halla. É essa última que narrará, ao longo do tempo que passa desde o falecimento, o ambiente paranoico que devasta sua família, a ruptura da infância, o contato com a dor e o consequente amadurecimento precoce… Enfim, o que as perdas levam e trazem de volta. “Os meus livros são sempre uma espécie de interpelação ao Criador. Eles são uma tentativa de que Ele se explique, que a natureza se explique”, conta o escritor que, aproveitando o convite da Revista da Cultura, concretizou com o fotógrafo e cumpadre, Nelson d’Aires, o projeto antigo de traduzir em imagens conceituais aspectos de sua essência.

Há muito marcado por referências artísticas islandesas – o livro, por exemplo, é dedicado ao músico e compositor Hilmar Örn Hilmarsson –, foi há quatro anos que Valter pisou no país nórdico pela primeira vez. Para escrever e concluir a trama, ficou por lá, entre indas e vindas, alguns bons meses. “De início, a relação com a Islândia foi tão forte que toda a primeira visão era muito turística. Precisei de uns dias para conseguir escrever alguma coisa que não parecesse o guia turístico de um idiota que teve a oportunidade de viajar. Creio que só ao fim de dez dias que eu tomei nota de uma frase que está no livro: ‘A Islândia pensa’. E isso aconteceu porque eu estava em uma paisagem tremenda, sozinho. E, em vez de achar que via, achei que estava sendo visto. Subitamente, tive a sensação de que aquela natureza não pode ser burra, que aquela natureza deve conter uma inteligência que nos escapa.”

A desumanização é um livro muito denso, bonito. E a sensação que ficou da nossa leitura é que se trata de uma publicação inteira sobre fragilidades. O que as fragilidades contam sobre a sua pessoa?Acho que lido com a fragilidade desde sempre. E lido desta forma, me expondo. Porque achei sempre que morreria muito cedo. Achei sempre que eu era um ser humano muito pouco viável. É verdade que, à semelhança da Halla, dessa menina narradora do livro, eu tive um irmão morto. Tenho um irmão que morreu, e morreu antes de eu próprio nascer. Então, nunca tive a sensação, a ilusão de que a vida é eterna, ou de que a vida é muito longa. Sempre achei a vida muito urgente. E sempre achei que perco tempo. Cresci um pouco com esta ideia estranha de ganhar coragem. Mas, ao mesmo tempo, talvez, também uma ideia de valer pouco a pena, porque vai ser tudo muito rápido e vai terminar tudo da mesma maneira. Acho que sempre assumi muito a minha vulnerabilidade, e acho até que toda vulnerabilidade é o modo como podemos honestamente mostrar a maneira mais genuína de ser gente.

Não seríamos nada sem essas fragilidades?

Seríamos só bichos. Ser gente é exatamente isso, é ser vulnerável. É sermos permeáveis. É rendermo-nos, por exemplo, a questões que vão muito além dos nossos interesses mais egoístas. Fragilizarmo-nos por causa dos outros. Então, acho que sim. Acho que essa sua leitura consegue chegar à minha identidade.

As fragilidades te impulsionam então, te movimentam…

Isso que me move, sim. A forma como nós podemos, subitamente, aceitar estar na mão de alguém. Que é um modo de confiança. Acho que a humanidade é uma porcaria enquanto não for de confiança. Então, quero muito isso! E ser de confiança tem essa espécie de transparência.

É como se a humanidade fosse várias partes de um quase nada, mas que juntas formam o ser humano?

Sim, justifica. Sabe uma das passagens de que mais gosto no livro? É quando o pai da Halla lhe diz que a humanidade começa no outro. Acredito muito nisso. Acho que, se não houver alteridade, se não houver o outro e a expectativa do outro, então nós também não somos gente. Podemos ter a aparência de gente, podemos parecer humanos, mas a humanidade tem de ser dois. E, então, o sentido da vida para mim é o outro. Não existo enquanto ser absoluto. Existo para os outros. Só vale a pena se, efetivamente, nós formos uma espécie de corrente, alguém que participa em uma entidade maior, em um coletivo.

Você até desmente Sartre no livro ao dizer que o inferno não são os outros. Pelo contrário, eles seriam o paraíso. Por que, em sua opinião, é difícil para muitos compreender que o outro é uma ferramenta necessária para a nossa existência?

É uma ferramenta necessária até para a nossa identidade. Não seríamos quem somos sem a presença ou sem a expectativa da presença do outro. Acho que a humanidade vai a meio caminho. Ou melhor, talvez nem a meio caminho… E somos profundamente imperfeitos. Estamos ainda muito perto da dimensão mais animal. Então, todos os erros são possíveis. Vocês aí no Brasil tinham um homem absolutamente maravilhoso, chamado Milton Santos (1926-2001). E ele dizia uma coisa linda: “A humanidade ainda não começou”. Parece uma tragédia, mas não é. É uma posição de profunda esperança. Porque ele achava que, quando a humanidade começasse, ela seria incapaz de atrocidades. Ele não se conforma com essa ideia de que ser gente é ser também mau, é ter um lado terrível, ser capaz de tudo. Ele acha que, um dia, ser gente vai significar exatamente o contrário. Ser gente vai significar a incapacidade da atrocidade. E eu tenho muita esperança nisso. Acho que pode levar uns milhões de anos, mas um dia o pensamento vai ser todo ele consumado a favor do coletivo. Para uma espécie de cuidado absoluto pelo universo. Penso assim, mas sei que vivo perdido em uma utopia. Embora queira achar que não estou sozinho, é muito fácil achar que fiquei louco (risos).

Mas não é justamente de utopias que o mundo é construído?

Acho que sim. E, se vocês querem saber, acho que o mundo está atravessando uma fase depois de uma euforia – e nós, aqui na Europa, sentimos isso muito, é muito nítido. A Europa está ficando fascista, horrorosa, preconceituosa, velha, má. E é muito claro que, depois de uma euforia, com uma espécie de consumismo sem raciocínio, consumismo sem inteligência, o que está acontecendo é que nós estamos, outra vez, perdendo valores. A partir do momento em que falta o emprego, em que falta o dinheiro, falta imediatamente humanidade. Então, as coisas não são nada progressivas. A gente vai progredindo e vai regredindo. Dá um passo em frente, dá dois atrás. Nada é garantido! E é muito claro, para mim, que a Europa ou o mundo, eventualmente, só vai avançar quando aparecer, assim, uma figura inesperada. Uma espécie de [Mahatma] Gandhi. Um Gandhi qualquer, um [Nelson] Mandela. Alguém que, subitamente, apareça quase com a dimensão de um herói. Porque os homens comuns já não podem nada. Acho que só quem tiver uma grande utopia, só quem for capaz de uma utopia vai conseguir ajudar-nos.

 

E como você vê essa crise especificamente em Portugal?

Vocês não podem imaginar a tristeza profunda em que os portugueses estão vivendo. Vocês sabem que – acontece isso comigo, agora –, quando tenho alguma alegria, eu me calo. Não digo nada em respeito à tristeza profunda em que vivem as outras pessoas. E as coisas estão muito difíceis. Estão difíceis com os meus amigos, estão difíceis com a minha família. O que está acontecendo neste momento é uma crise muito maior do que simplesmente financeira, é uma crise de valores, em que as pessoas estão muito perdidas. E o que acontece é que há cada vez menos generosidade. As pessoas vão ficando insensíveis, porque todo mundo passa dificuldade, então, não há como ficar chorando o vizinho, porque toda a gente está igualmente sufocada.

O seu abalo com essa situação atual transparece também com a sua literatura, com tudo o que você faz?

Sim. Ainda que eu possa usar A desumanização para pensar acerca de outras coisas, muito do título serve para fazer a minha crítica. Eventualmente, o livro não seria tão… agressivo, agreste, se o momento em que estamos todos vivendo não fosse agreste também. Há sempre alguma coisa que passa. Assim: a minha família foi sempre uma família muito normal, muito convencional. Sempre no limite do trabalho e do mérito do trabalho e sem nenhuma folga, sem nada grátis. Então, qualquer problema que aconteça ao país, acontece imediatamente à minha família. Não tem como eu deixar de ficar afetado. Fico zangado, porque a construção [da união] europeia foi uma promessa completamente diferente. O que se prometeu foi completamente outra coisa e, neste momento, nós estamos outra vez sendo instrumentalizados pelos interesses da Alemanha. E a Alemanha está outra vez desenvolvendo um pensamento de extrema direita, as ideologias nazistas, as ideologias fascistas estão regressando. E agora os culpados já não são somente os judeus. Os culpados são todos os povos, todos os latinos. E é muito fodido ficar vendo e sentir certa impotência diante do gigante alemão na Europa.

Sente-se uma falta de representação.

É tão demolidor que é o nosso próprio governo que fica instrumentalizado, ou seja, é o nosso próprio governo que vai desenvolvendo o seu pensamento fascista e vai ficando do lado desta usurpação. E nós, enquanto povo, sentimos que não temos defesa, que não estamos representados. Então, ninguém consegue reverter essa situação em favor do povo, e a sensação é de que, efetivamente, há uma meia dúzia de famílias que voltam a recobrar o poder oligárquico que outrora já tiveram e que vão voltar a ter. É muito violento. Percebo muito bem como nós estamos ao pé das guerras outra vez.

Há no livro um trecho que demonstra esse desalento, quando você escreve: “Sem ninguém no presente, nem no futuro, um indivíduo pensa tão sem razão quanto pensam os peixes”. É uma leitura real dessa tristeza com o ser humano contemporâneo?

Muito. Quando recebi o Prêmio [Literário José] Saramago [em 2007], não tive tempo de pensar em um discurso. E aquilo que disse sem bem pensar e sem bem perceber o que estava dizendo é que a escrita, para mim, era um exercício de solidão. O que eu queria dizer e o que penso é que, em última análise, não existe isso da comunicação. É muito frustrante perceber que, por mais esforço que façamos para entender os outros e para sermos entendidos, há uma distância que nunca vai ser percorrida. Então, o esforço é sempre muito ingrato. E a minha utopia, da qual há pouco falávamos, é que ao mesmo tempo o homem possa desenvolver uma capacidade de não se esquecer. Porque nós esquecemos. Nós podemos, em um determinado momento, sentir uma plenitude profunda, experimentando a companhia de alguém ou experimentando uma obra musical, uma viagem, a visão de uma lagoa. Mas, o mais certo é que nós esqueçamos essa plenitude. O mais certo é que essa plenitude nunca traga uma redenção.

Ao falar de comunicação, podemos pensar também que, apesar de tudo o que foi possibilitado nesse sentido pela tecnologia, nenhum homem descobriu ainda com exatidão qual o sentido que se encontra na vida e o que estamos fazendo aqui. E, nesse seu novo título, essa questão volta à tona. É mais agoniante pensar nesse sentido existencial ou é mais agoniante largar mão de buscar uma resposta para a nossa existência?

É muito mais agoniante buscar uma solução. Mas tenho a sensação… Como é que eu digo isso… Creio que o mundo é um problema. E aquilo que somos e como somos é uma tentativa de solução, porque o mundo é esse desafio colocado a cada um de nós, e o modo como somos é uma tentativa de superação desse desafio. Por isso, somos como sabemos, somos como podemos; mas, dentro da medida do possível, somos a solução. Então, é muito mais fácil ignorarmos o mundo como um problema para podermos não ser responsáveis por uma solução. Mas, ao mesmo tempo, depois de termos, de alguma forma, essa percepção, é praticamente impossível voltar ao lugar zero, voltar ao início, voltar à ingenuidade sem obrigação.

A desumanização é o seu primeiro romance que se passa fora de Portugal. Essa vontade de se deslocar, ir para outro lugar é, de alguma forma, relacionada à sua história, ao que você está vivendo aí no país também?
Começa por essa minha vontade de fugir. Há algum tipo de fórmula. Para mim, não é que tenha ficado fácil escrever livros. Se algum dia for fácil escrever um livro, então, é porque deu errado. Mas, para mim, escrever sobre Portugal já era, assim, uma ajuda. Então, quis voltar ao início. Quis voltar, tanto quanto possível, ao início das coisas, colher outras referências, lidar com referências que não fossem as minhas. Então, escolhi a Islândia. A Islândia é um país que eu vinha cobiçando desde muito novo e ela inspirava para mim essa ideia de recôndito, de solidão, de disciplina, de coragem. E parti para a Islândia por isso. É quase uma vontade de fugir, de fugir do óbvio. Vou voltar algum dia, vou voltar a escrever sobre Portugal, histórias portuguesas que vão servir como histórias universais, porque é esse o meu interesse. Mas foi muito importante para mim, de repente, saber menos, partir para um livro sabendo ainda menos do que aquilo que costumo saber.

Os fiordes islandeses são a paisagem comum a toda história de A desumanização. Há, de alguma forma abstrata, um fiorde interno, fazendo você se sentir igual no livro, como uma montanha rígida, mas que dia a dia é invadida pela água e tudo que traz e leva?
Procuro muito enrijecer, nesse sentido de robustecer, fazer com que nem toda água me mude, nem toda água possa estragar tudo. E, ao mesmo tempo, o fiorde é esse espaço de difícil acesso e acho que, nesse sentido, somos todos. Somos todos um espaço de difícil acesso, nessa ideia de que é muito impossível, neste estágio de evolução da humanidade, que os outros nos conheçam verdadeiramente.

Você falou há pouco sobre a urgência da vida. E a morte, de fato, é outro tema muito presente em sua obra. A perenidade humana é o que tanto o instiga em relação ao tema?
Acho frustrante que nós sejamos tão perecíveis e acho que quem morre com 100 anos morre cedo demais. Tenho sempre a sensação de que essa relação do tempo é muito falsa. O que nós temos que procurar é uma relação com a intensidade, uma relação com a entrega, uma espécie de completude, pois  a completude não tem a ver com o tempo. Um indivíduo de 20 anos pode estar muito mais maduro do que um de 100. Pode ter descoberto sobre si e descoberto em si um apaziguamento que um indivíduo com 100 anos não conseguiu. Então, sempre falo da morte como uma espécie de questão de mérito. Gostava de achar que nós só morremos quando merecemos morrer, como se já tivéssemos conquistado essa completude. E quero muito conquistar a minha morte nesse sentido, nessa exceção de, quando ela vier, eu não precisar ter medo nem lamentar, porque estarei completo.

Você se prepara para isso, está sempre atento?
Acho que todos nós nos preparamos para isso. Há um escritor tcheco que vive em Portugal, chamado Jorge Listopad, e ele diz que “quem não morreu está a morrer” e, por isso, só não se prepara para a aceitação da morte quem estiver muito distraído. Porque o tempo é isso. O tempo vai passando e nós não podemos construir a vida baseada nele. Temos de construir a vida na intensidade, na importância de cada coisa.

 

Recentemente, você declarou que esse novo livro, A desumanização, “estragou” a sua forma de escrever na medida em que você não conseguiria voltar a um estilo passado depois dessa publicação. Como é isso?
Há uma coisa que acontece sucessivamente nos meus livros que é: procuro fugir daquilo que fiz e isso tem a ver com alguma construção mental do livro, mas também muito com o modo como as expressões verbais são empregadas. Então, ao final de cada livro, os meus emails são todos parecidos com a obra (risos). Fico enviando torpedos aos amigos e os torpedos parecem coisas antigas, coisas literárias. O modo, às vezes, até como falo com a minha mãe ou com os meus amigos, é assim… Parece um teatro na vida real. E isso é muito assustador. Preciso, para começar outro trabalho, quase desencarnar daquele modo de falar, que durante um tempo é muito vívido, muito efetivo. Isso aconteceu várias vezes. No fim do romance O remorso de Baltazar Serapião foi terrível, porque o processo com a escrita daquele livro foi tão intenso que efetivamente – e, ainda por cima, é um livro que se passa na Idade Média – todo mundo achava que eu era antigo, que parecia uma pessoa medieval. E preciso fugir disso. Então, neste momento, procurando esquecer A desumanização, já estou tentando pensar em outras formas de dizer as coisas.

É natural então?
Uma coisa muito natural. Não saberia fazer de outra forma. Não saberia gostar de mim – e tenho muitos problemas com autoestima – se voltasse a me repetir, se me repetisse demasiado, se virasse um escritor de fórmulas.

A sua literatura também transmite uma imagem sua como um ser humano demasiadamente contemplativo. Você é assim de fato, do tipo que vai aos cafés e passa a tarde simplesmente olhando as pessoas, por exemplo?
Identifico-me com essa hipótese do contemplativo neste sentido: acho que nós primeiro precisamos identificar, para depois poder agir. É o que acho que faço um pouco com os meus livros. Procuro entender aquilo que me impressiona, aquilo que me provoca, aquilo que acho que está desarranjado. Mas o meu cotidiano não permite contemplações. Sou assim um pouco… Uma espécie de bombeiro: sofro de uma síndrome que é o das pessoas a quem todo mundo se confessa. Então, sou aquela visita dos hospitais, sou aquele indivíduo que, quando alguém tem um problema e é internado, normalmente só eu apareço (risos). O que é gratificante, às vezes, perceber que as pessoas esperam isso de mim, mas também é trágico, porque significa que esperam isso de muito pouca gente. Quando os meus amigos se divorciam, sou o primeiro a saber. Sou eu quem recebe eles na minha casa; que fica três horas ao telefone tentando apaziguar os casais; que eventualmente empresta dinheiro e toma conta das crianças. Eu sou, assim, certo bombeiro. Estou apagando fogos [incêndios].

E você gosta de ser dessa forma?
Eu não (risos). Não tenho como ser de outra forma, não consigo. Claro que já frustrei muita gente, claro que já deixei muita gente na mão, mas não fico bem com a minha consciência quando algum amigo confia em mim e espera de mim alguma coisa. Quero muito ser alguém de confiança. E isso tem um preço, que é efetivamente estar à altura da confiança e das expectativas das pessoas. E, então, é um mundo de gente… Às vezes, até gente que nem merece! Mas fico digerindo um bocado e tentando descobrir quem merece e quem não merece. Umas vezes acerto e outras vezes fico bem destruído. Mas prefiro partir do pressuposto de que é melhor confiar nas pessoas do que não confiar em rigorosamente ninguém. Por isso, prefiro acreditar que tenho vários amigos, eventualmente muitos amigos, do que viver a vida absolutamente sem amigo nenhum.

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