Os desafios dos projetos de grande vulto

Enviado por Joaquim Aragão

Do Imagine Brasil

Projetos de Grande Vulto: Um desafio para a gestão pública

Joaquim José Guilherme de Aragão e Yaeko Yamashita

O que são projetos de grande vulto (PGV)?

Em economias contemporâneas, progressivamente mais complexas, os governos são instados a prover projetos de grande vulto (PGV). A definição desse termo ainda não é consolidada, tanto no que tange a característica física e funcional, quanto aos valores envolvidos.

No nosso direito, pelo art. 10 da  Lei no. 11.563/2008 (Lei do PPA 2008-2011), eles são definidos como os de valor superior a 100 milhões de reais; entretanto, no art. 10 da Lei 12.593/2012 (Lei  do PPA 2012-215), rebatizados de projetos de grande porte, seu “valor de referência” passou a ser indeterminado, devendo ser definido pelo Executivo.

No Exterior, os valores variam igualmente. A título de exemplo, na União Européia (Regulation (EU) nº 1303/2013 of The European Parliament and of The Council, art. 100), o valor limiar foi estabelecido em 75 milhões de Euros. Já  na Austrália  (Productivity Commission 2013), vale o piso de 50 milhões de dólares australianos, enquanto que para alguns especialistas de megaprojetos, o limiar mais adequado seria um bilhão de dólares americanos (Flyvberg 2014a).

Se o valor não vem servindo de parâmetro de definição, o que dizer das características físicas e funcionais dos PGVs? Também aqui os operadores lógicos são difusos.

De uma maneira geral, os ditos projetos, aqui e lá denominados de “major projects” ou “megaprojects”, permeiam diversos campos de infra-estruturas “técnicas” (transporte, energia, comunicações etc.) quanto sociais (educação, hospitais, cultura, pesquisa).

Mas eles também abrangem grandes projetos da iniciativa privada (indústrias de base, mineração, centros hoteleiros, resorts, grandes centros comerciais, empresariais e financeiros); da Administração Pública (centros administrativos, prisões, centros de pesquisa); ou grandes projetos de renovação ou construção urbanas e de gestão ambiental (União Européia, 2014; Productivity Commission, 2013; Flyvberg 2014a, Gellert e Lynch 2003, Senado federal 2012).

Algumas características são também avançadas pelos autores citados: eles não apenas se caracterizam pelos altos custos, seu tamanho e sua complexidade, seus períodos longos de implantação e maturação,  mas igualmente envolvem uma multiplicidade de agentes públicos e privados, impactam na vida de vasta população, transformando espaços e territórios. Muitas vezes, sua implantação se revela com oportunidade de desenvolvimento e aplicação de inovações tecnológicas.

PGVs: prós e contras

Tais portes e tais implicações para a sociedade não escapam de avaliações contraditórias. No lado positivo, advocam-se a melhoria da eficiência da economia regional e nacional, assim como da qualidade de vida; e igualmente seus efeitos dinamizadores na economia, sobretudo em momentos de realavancar o crescimento econômico, ao se atrair investimento privado, gerar empregos e ao se promover a competitividade de uma região ou de um país (Wiriyawit, s.d.; Productivity Commission,2013; Keane 1996).

Mas não faltam os alertas, no lado negativo. Primeiramente, dados a sua complexidade e seu porte, assim como os interesses econômicos, financeiros e políticos envolvidos, os PGV são recorrentemente vítimas de consideráveis atrasos e sobrecustos; além disso, os benefícios realmente auferidos muitas vezes não correspondem aos prometidos nos estudos e alardeados pelos políticos e outras partes interessadas.

Em parte, as ineficiências são devidas aos falsos incentivos oferecidos pelos marcos regulatórios dos contratos; mas também a própria dimensão dos projetos leva a custosos acertos nos projetos e na sua execução (Flyvberg 2014b). Por outro lado, não podem ser ignorados casos de pura manipulação e desonestidade pelas partes que protagonizam os PGV, que impõem aos estudos falsos valores favoráveis dos custos e receitas (Flyvberg et al., 2009).

Para além das perdas de eficiência fiscal, a pressão política pela realização dos projetos pode impor grandes danosas populações, como desalojamentos, perda de mobilidade, danos ambientais (Camille, 2013; Gellert e Lynch 2003). No quesito do interesse nacional, o domínio dos investimentos, dos projetos, das obras e da exploração comercial por empresas multinacionais pode também reduzir os ganhos econômicos para o país ou para a região hospedeira (Hishamh, 2010).

E na medida em que os resultados não conseguem alavancar a economia como esperado, políticas lastreadas em PGV realizados com forte participação de agentes externos podem deteriorar mais os desequilíbrios estruturais dos países receptores, em função das obrigações assumidas pelos governos (Wood, 2010).

Evidentemente, esses danos não são inevitáveis na realização de PGV. Medidas que aperfeiçoem a transparência dos projetos, tais como auditagens por organismos e atores não diretamente envolvidos, uma maior autonomia auferida aos servidores públicos, a introdução de procedimentos mais rigorosos de avaliação, assim como a criação de uma agência focada na aprovação e no controle dos projetos, são os remédios mais citados na literatura (Flyvberg et al,. 2009).

Os riscos fiscais dos PGV  

Na presente contribuição, o foco reside nos impactos fiscais dos PGV, e no seu controle. De fato, os vultosos recursos públicos envolvidos nos PGV podem afetar severamente os balancetes de empresas, mas também o balanço de pagamento governamental por anos a fio,  em virtude de uma série de obrigações contingenciais que são assumidas pelo  governo (Flyvbjerg et al. 2003; Tyson s.d.).

Tais riscos são aumentados por diversos fatores, tais como por falhas no desenho do contrato, prevendo uma alocação equivocada dos riscos; falhas no planejamento e na execução das obras; uma avaliação errônea dos parâmetros financeiros, entre outros fatores.

Infelizmente, muitas vezes os governos adotam de forma afoita os projetos e as parcerias, especialmente quando essas lhe aparecem com santo remédio para se fugir das restrições orçamentárias no financiamento de PGV. Entretanto, não fazem mais do que empurrar para o futuro uma série de onerosas obrigações (Mršnik, 2007).

Por fim, o balanço fiscal do projeto é igualmente afetado por oscilações econômicas mundiais, que afetam balanços de pagamento, relações de troca e taxas cambiais (Wiriyawit, s.d). Contudo, apesar de diversas advertências, os governos ainda continuam apostando nos projetos e nas parcerias, assumindo riscos, mesmo passando por cima dos procedimentos de auditagem administrativa (Jennings, 2012).

Algumas propostas para conter efeitos fiscais descontroláveis já são discutidos (Wiriyawit, s.d), incluindo :

  • Conter o tamanho dos projetos, com vistas a que os custos e obrigações do governo não façam escalar o déficit governamental;
  • priorizar projetos que contribuam efetivamente para resolver os principais problemas e reduzir os principais pontos fracos da economia;  assim como que sejam o mais econômicos no uso de recursos públicos, promovendo ao máximo a participação privada;
  • utilizar os projetos como alavanca para a poupança interna;
  • no uso de investimentos internacionais diretos, priorizar aqueles que contribuam para o aumento do capital intelectual; para a estabilização da economia; para a melhoria da governança corporativa; para reforçar a segurança dos outros investimentos nacionais;
  • sintonizar os períodos de retorno dos títulos governamentais emitidos em função dos projetos com a duração dos mesmos.

 Imagine Brasil e PGVs: nossa abordagem

Como elementos constituintes estratégicos de programas territoriais, os PGVs estão merecendo um esforço de pesquisa por parte do movimento Imagine Brasil. Partimos da posição afirmativa de condiderá-los como essenciais para a construção de uma economia nacional forte e competitiva capaz de prover aos cidadãos uma melhor qualidade de vida, sempre assegurando os requisitos de um sustentável. Evidentemente, os riscos alardeados da documentação citada não podem ser deixados de lado, pelo que correspondentes medidas mitigatórias precisam ser prospectadas e implantadas.

Estamos estudando e analisando os mecanismos de auditagem dos impactos econômicos e fiscais já em praxe na experiência internacional, as técnicas de mensuração utilizadas, assim como as formas adotadas para a institucionalização das auditagens compulsórias dos projetos. O nosso objetivo é, a partir daí, desenvolver uma proposta de análise prévia de impactos econômicos dos PGV, a institucionalização de sua obrigatoriedade no nosso contexto jurídico.

Na medida em que tal rigor de auditagem possa encontrar, como é costume em vários países, resistência por parte de atores interessados na realização incondicional dos PGV, explorarmos igualmente a possibilidade de um incentivo (a exceção de seu computo no calculo do déficit governamental) para projetos que apresentem comprovadamente condições de (auto-) sustentabilidade fiscal, medidos por parâmetros aqui apresentados.

 

Literatura consultada

Camille (2013) : Le Petit Livre noir des grands projets inutiles. Le Passager clandestin

Flyvbjerg, Bent, ed.  (2014): Megaproject Planning and Management: Essential Readings, vols. 1-2 (Cheltenham, UK and Northampton, MA: Edward Elgar). Vol. 1

Flyvbjerg, Bent (2014): What You Should Know About Megaprojects and Why: An Overview. Project Management Journal, Vol. 45, No. 2, 6–19

Flyvbjerg, Brent; Bruzelius, Nils; Rothengatter, Werner (2003):Megaprojects and Risk. An Anatomy of Ambition. Cambridge University Press

Flyvbjerg, Bent; Garbuio, Massimo ; Lovallo, Dan (2009): Delusion and Deception in Large Infrastructure Projects: Two Models for Explaining and Preventing Executive Disaster. California Management Review, vol. 51, no. 2, pp. 170-193.

Gellert, Paul K; Lynch, Barbara (2003): Mega-projects as displacements. Oxford: Blackwell Publishing

Hishamh (2010): What’s The Impact Of The 2011 Mega Projects? Economics Malasya. Documento Web (baixado em 30/06/2014):http://econsmalaysia.blogspot.com.br/2010/10/whats-impact-of-2011-mega-projects.html

Jennings, Will (2012): Executive Politics, Risk and the Mega-Project Paradox. In: Lodge, Martin; Wegrich, Kai (Ed.): Executive Politics in Times of Crisis. Palgrave Macmillan

Keane, Thomas F. (1996): The Economic Importance of the National Highway System. Public Roads. Vol. 59· No. 4

Mršnik, Marko (2007): Managing Fiscal Risks—Discussion on the papers by G. Schwartz and R. Monteiro. International Seminar on Strengthening Public Investment and Managing Fiscal Risks from Public-Private Partnerships. Budapest, Hungary

Productivity Commission (2013): Major Project Development Assessment Processes, Research Report, Canberra

Senado Federal (2012): Informações sobre PGV. Portal Orçamento. Documentos do Portal. Documento Web (baixado em 30/06/2014):  http://www12.senado.gov.br/orcamento/documentos/loa/2013/elaboracao/projeto-de-lei/390-proposta-do-executivo/470-projetos-em-andamento-custo-superior-r-20/410-informacoes-sobre-o-a-projetos-de-grande-vulto/view

Tyson, Justin (s.d.): Investment Planning and  Framework for PPPs. Mozambique: Economic Challenges and Opportunities. International Monetary Fund. Apresentação em PowerPoint. Documento Web (Baixado em 01/07/2014): http://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=2&ved=0CDgQFjAB&url=http%3A%2F%2Fsiteresources.worldbank.org%2FINTMOZAMBIQUE%2FResources%2FIMFJustinTysonMozambiqueInvestmentPlanningandPPPsEnglish.pptx&ei=eKSyU9KjPOLgsASt7oDABg&usg=AFQjCNHfXm2X6AtxewYGwcbQ3dN1EspScA&sig2=Rgzl6bzCSW98WosZGchgGA&bvm=bv.69837884,d.cWc&cad=rja

União Européia (2014): Regional POlicy – INFOREGIO. Project Examples. Major Projects. Documento Web (baixado em 20/06/2014): http://ec.europa.eu/regional_policy/projects/major_projects/index_en.cfm

Wiriyawit ,Varang; Sutatam, Sirinipha; Sittichai, Saowanee; Boonyawongvirot, Achara (s.d.): Building Mega Project – How to Maintain Economic Stability? Apresentação em Power Point. Chula Longkorn University. Bangkok, Tailândia. Documento Web (baixado em 30/06/2014):  http://pioneer.netserv.chula.ac.th/~msompraw/Presentation3_MegaProj.ppt

Wood, Colin H (2010): Mozambique and the Mozal Aluminum Project. Perils of Mega Project – led Economic Development. Master of Arts in law and Diplomacy Thesis. Medford (EUA): Tufts Fletcher School

Redação

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