Os resultados de 20 anos de Nafta para o México

Sugerido por Assis Ribeiro

Da Carta Capital

O mariachi paga a conta do Nafta duas décadas depois
 
Carlos Drummond
 
Após implementação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte, o México bate recordes de pobreza e tem pouco a comemorar em razão da medida
 
Pouco a comemorar, muito a lamentar. A síntese parece apropriada para definir os resultados de 20 anos de implementação do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta, em inglês) entre Estados Unidos, México e Canadá, especialmente para o país latino. Assinado em 1992 pelos presidentes George H. W. Bush e Carlos Salinas de Gortari e o primeiro-ministro Brian Mulroney, foi apresentado como o maior acordo comercial do mundo em termos de paridade de poder de compra. A eliminação de barreiras comerciais e financeiras iniciada em 1994 abriria um caminho de prosperidade para as sociedades dos três países, previam os seus proponentes. O Instituto Peterson de Economia Internacional, think tank de Washington, projetava a partir do Nafta a produção de um superávit comercial para os Estados Unidos e de “grandes benefícios” à economia mexicana.
 
A realidade não confirmou esse otimismo, dizem Mark Weisbrot, Stephan Lefebvre e Joseph Sammut, do Centro de Pesquisas em Economia e Política, dos Estados Unidos, no texto “Terá o Nafta ajudado o México? Uma avaliação após 20 anos”. O crescimento do PIB per capita real, a medida mais básica do padrão de vida, caiu de 98,7% no período desenvolvimentista de 1960 a 1980 para 18,6% nos últimos 20 anos. O desempenho pífio corresponde a cerca de metade do restante da América Latina. Segundo estatísticas do governo mexicano, a taxa de pobreza de 52,3% em 2012 (último ano com dados disponíveis) é praticamente a mesma de 1994. O resultado são mais 14,3 milhões mexicanos abaixo da linha de pobreza desde a implantação do acordo.

 
A remuneração real dos assalariados estagnou. Em 2012, os salários, descontada a inflação, eram praticamente os mesmos pagos em 1994. O desemprego passou de 3,1% entre 1990 e 1994 para 5% hoje. No campo, o resultado é desolador. O milho e outros produtos agrícolas produzidos com altíssima tecnologia em megapropriedades dos Estados Unidos invadiram o território mexicano e varreram 4,9 milhões de agricultores dedicados à produção para o sustento de suas famílias. Desprovidos do seu meio de vida e da tradição sociocultural ligada ao cultivo de diversas espécies de milho, associado às do feijão e da abóbora, restou a esses indivíduos disputar trabalho temporário nas agroindústrias voltadas para a exportação. Mas esse setor absorveu só 3 milhões deles em ocupações sazonais e o 1,9 milhão restante viu-se obrigado a migrar para as cidades em busca de empregos em geral de baixa qualidade, bicos, ou tentar a sorte nos Estados Unidos. O número de emigrantes aumentou 79% entre 1994 e 2000 e a quantidade de mexicanos residentes nesse país saltou de 4,5 milhões, em 1990, para 12,6 milhões, em 2009.
 
A decisão de atrelar o destino da economia e da sociedade mexicanas ao do país mais poderoso do mundo teve custos adicionais em resultado tanto de crises econômico-financeiras quanto do aumento da participação da China no comércio mundial nas últimas duas décadas. A elevação das taxas de juro pelo Federal Reserve em 1994 fez o PIB mexicano cair 9,5%. Entre 2000 e 2002, o México foi um dos países mais afetados pelo estouro da bolha das empresas pontocom, de internet e tecnologia, e mergulhou em uma recessão. Voltou a desabar em 2008, na maior crise desde a Grande Depressão dos anos 1930 e saiu com um PIB 6,7% menor. Em maio de 2013, quando o FED anunciou a futura reversão da política de aumento da liquidez da economia (quantitative easing), investidores estrangeiros temeram a repetição da crise do peso de 1994 e interromperam bruscamente a canalização de recursos para o país. O FMI alertou para o risco de o México atrair capitais especulativos de curto prazo, se houvesse turbulência financeira mundial, e tornar-se suscetível a crises por contágio. “Uma vulnerabilidade resultante de políticas que o Nafta foi desenhando para facilitar”, disseram Weisbrot, Lefebvre e Sammut a respeito da avaliação do FMI.
 
 
 
As vulnerabilidades trazidas pelo acordo acentuaram-se a partir de 2001, quando a China ingressou na OMC e passou a usufruir de facilidades semelhantes àquelas do país latino-americano no comércio com os Estados Unidos. Em 2009, a China ganhava e o México perdia mercado em relação a 84% das manufaturas exportadas para aquele país, concluíram Devin Gallagher, da Universidade de Boston, e Enrique Dussel, professor da Universidade Autônoma do México, em um estudo intitulado “Como a China acabou com a festa do Nafta”. Em 2000, China e México supriam 5% do mercado de computadores dos EUA. Em 2009, os chineses dominavam mais da metade das exportações do produto e a fatia dos mexicanos era igual a zero. A cadeia de produção de vestuário “está simbolicamente perdendo mais de 50% dos seus empregos desde 2000” e a situação nos setores de móveis e brinquedos é semelhante. A exceção é a exportação de automóveis, favorecida, entre outros motivos, pelo fato de a China absorver sua produção e não ter, no momento, grande poder de fogo para vender a outros países.
 
 
 
Maiores perdedores, o México e os mexicanos não são os únicos prejudicados com o acordo, mostra um balanço feito por Carlos Salas, da Universidade Autônoma do México, Robert E. Scott, do Instituto de Política Econômica dos Estados Unidos, e Bruce Campbell, do Centro Canadense para Políticas Alternativas. Os pesquisadores analisaram os resultados do Nafta para os trabalhadores dos três países até 2006. Em todos eles, a parcela dessa parte da sociedade nos ganhos de produtividade diminuiu e a proporção do lucro e da riqueza apropriada pelos situados no topo da pirâmide cresceu. Nos Estados Unidos, ao contrário do prometido pelo governo, não houve criação de empregos em grande quantidade. Ocorreu o oposto: em consequência do tratado, foram eliminados 1 milhão de postos de trabalho. No Canadá, exceto para os situados na faixa de renda mais alta, os ganhos reais estagnaram. As regras do acordo protegem os interesses dos investidores, de grandes corporações e reduzem os direitos trabalhistas, a proteção ao meio ambiente e os direitos democráticos, concluíram os pesquisadores.
 
O risco de uma experiência semelhante rondou o Brasil. Empolgados com a assinatura do Nafta, os Estados Unidos propuseram no mesmo ano um pacto semelhante para a criação da Área de Livre Comércio das Américas, com eliminação das barreiras tarifárias entre os 34 países do continente. A proposta americana apresentada pelo presidente Bill Clinton não empolgou. No caso do Brasil, as exportações aumentariam em 1,2 bilhão de dólares, mas as importações cresceriam em 2,2 bilhões, concluíram os pesquisadores Honório Kume e Guida Piani em estudo do Ipea. Outros países chegaram a conclusões semelhantes e em 2005, na 4ª Cúpula das Américas, a proposta foi retirada de pauta.
 
Na história do Nafta, o México foi também vítima de si próprio. “A iniciativa do tratado não foi dos Estados Unidos nem do Canadá, mas do governo mexicano, que se aproximou do americano no início dos anos 1990 para discutir essa possibilidade”, diz Carlos Salas, hoje aposentado da Unam, professor do Instituto de Economia da Unicamp e integrante do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho. O acordo acentuou a dependência econômica dos Estados Unidos e dificultou a quebra da hegemonia política conservadora no México. A produção industrial aumentou, mas isso não abriu caminho para o desenvolvimento. “Muitos da nossa geração provêm da classe média baixa ou de famílias de trabalhadores e ascenderam socialmente. Para nossos filhos e netos, essa possibilidade é quase nula. Há uma perda de esperança da população.”
 
Um tratado inspirado em acordos europeus, como os realizados por Itália, Irlanda, Espanha, Portugal e Polônia entre as décadas de 1960 e 1990, teria funcionado melhor para o México, afirma Jorge G. Castañeda, professor da Universidade de Nova York, ex-ministro do Exterior e, quem diria, um dos entusiastas do neoliberalismo dos anos 1990.
Redação

19 Comentários

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  1. Esse negocio eh estranho

    Esse negocio eh estranho porque o Motta escreve dizendo uma coisa, o Gunter esceve dizendo a mesma coisa que o Motta, o professor da UFRF escreve dizendo a mesma coisa que o post atual e o post atual escreve uma coia diferente de Motta e Gunter. Ora, o Mexico tah ou nao tah a maravilha que o Motta e o Gunter dizem? Eles escrevem no sentido de nos fazer crer que o NAFTA foi soh love.

    1. O México tá uma maravilha

      O México tá uma maravilha sim, apesar da falta de rios(causa de seus problemas, segundo o grande analista econômico Motta Araújo).

      Esse artigo é pura propaganda russa, seu autor e o blog que o divulga são agentes pagos pelo Putin, o Gunter já explicou tudo em outro tópico.

      1. Como Daytona

        ainda não demonstrou nenhuma vantagem para o povo russo e para o Mundo com a política externa russa, bom, sobra o mimimi.

        Na verdade há uma vantagem sim: ensina-se ao Mundo o que NÃO se deve fazer. 

        http://www.quadradodosloucos.com.br/4202/dilma-putin-e-tea-party-estranha-atracao/

        Aproveito para divulgar um outro post, este meu:

        http://www.jornalggn.com.br/blog/gunter-zibell-sp/a-russia-podera-seguir-os-passos-da-ucrania

        E você pode continuar no seu mundo de fantasia (e com sua agressividade) à vontade. É restrito a áreas de comentários de blogs mesmo.

    2. Eu não sei. Só sei que esses

      Eu não sei. Só sei que esses dois são especialistas em todos os assuntos. Fico impressionado com a sapiência deles.

    3. ” o Mexico tah ou nao tah a

      ” o Mexico tah ou nao tah a maravilha que o Motta e o Gunter dizem?”

      A pergunta deveria ser o méxico esta melhor que o Brasil?

      Sim em qualquer aspecto que se compare, GINI, PIB percapita, violência, educação etc.

      1. … e o que mostra isso?

        … mostra a miséria em que o Brasil vivia anteriormente… mesmo com a queda brutal do México pela associação com os ianques, mesmo com a queda da Argentina com as politicas neo-liberais, ainda assim esses países mostram indices socio-economicos melhores que o Brasil… 

    4. Depende…

      RESPOSTA:

      Depende do ponto de vista dos interesses de quem faz a análise.

      Se quem está explorando o desgraçado e ganhando dinheiro à custa do sofrimento dele, a coisa vai maravilhosamente bem.

      Se quem analisa é o desgraçado que ta “sifu” e não enxerga qualquer perspectiva, a coisa ta horrível.

      Esses argumentos também valem para os que fazem a propaganda contra e a favor.

      A melhor resposta é buscar informação confiável de ambos os lados para concluir.

    5. é mais ou menos o seguinte

      Os defensores do intervencionismo na América do Sul notaram que de 2007 a 2013 o México cresceu menos que o Brasil. E isso virou sustentação de discurso.

      Mas o México se beneficiou de maior crescimento antes. E as estatísticas sobre pobreza não são comparáveis, o que se chama de pobre no México é nova classe C no Brasil. A concentração de renda ainda é menor lá (e a trajetória de desconcentração é semelhante à do Brasil) e a renda média ainda é maior (sempre foi.)

      Repare. Se a renda média no México é inequivocamente maior (pode ser 12%, conforme o Banco Mundial, ou 26%, conforme o FMI) e se o índice de Gini é menor (0,41 versus 0,50) não tem cabimento nenhum esse falatório sobre pobreza mexicana ser maior que a brasileira. (Muito menos cabimento tem falar dos 50 milhões de pobres norte-americanos, mas já se sabe como o discurso panfletário distorce tudo.)

      Os artigos que se escreve no Brasil sobre o México são viesados. Procuram apresentar apenas os indicadores onde o Brasil está melhor (como atração de Investimentos Estrangeiros Diretos.) Mas omitem o contrário: como a menor desindustrialização do México, o menor déficit em transações correntes (que é explosivo no Brasil), a maior abertura comercial e as melhores projeções para o período 2014-2019.

      Também se fixam no méxico como parâmetro de insucesso (novamente pelo período 2007-2012, esquecendo do passado, já que se o México foi prejudicado pela recessão americana de 2007-2009, foi favorecido pelo boom de 1983-2000) e também se esquecendo de Chile, Perú e Colômbia.

      Mas, tirando o México, a maioria dos países latinoamericanos cresceu mais que o Brasil desde 2003. E isso o discurso ufanista brasileiro não gosta de apresentar. Por que não se apresentam mais artigos sob o ponto de vista mexicano?

      Nem o México nem o Brasil estão uma maravilha. Estão mais ou menos na mesma há muito tempo. Só que parece que para os próximos anos o México apresentará resultado melhor e no Brasil se está escondendo o problema da inflação contida aqui pelos preços defasados de energia e também não se fala da deterioração das contas externas.

      E se a imprensa abordar isso, bom, você já sabe como o discurso ufanista nunca é autocrítico.

      Quem deve dizer, no fundo e em última instância, se os países estão bem são suas populações em eleições.

      Em 2012 os mexicanos optarem pelo retorno do PRI, após 12 anos de PAN. O que no fundo não mudou muita coisa.

      E em 2014 veremos o que o Brasil optará após 12 anos de gestão PT.

      Simples, na verdade. O resto é propaganda.

       

       

  2. É por isso que os EUA querem o PSDB no governo

    VOCÊ MEXICANO É O CULPADO.

    OS EUA FIZERAM TUDO DE BOM PARA VOCÊS.

    MAS VOCÊS NÃO SOUBERAM APROVEITAR

    NÓS SOMOS BONZINHOS

     

     

    O AECINHO VAI SABER FAZER

  3. https://www.cia.gov/library/p

    https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/geos/mx.html

    Não vi ninguem aqui dizer que o México está uma maravilha, expressão que só leigos de mesa de bar usam para se referir a uma economia. A economia é a ciencia da escassez e nenhuma economia nunca estará uma maravilha, o que analisa é o estado de uma economia em um determinado momento. Como diz o Gunther,  Brasil e Mexico tem ciclos, condições e contextos diferentes mas no geral são paises emergentes de perfil de renda parecido, embora nos ultimos anos a renda per capita do Médico seja um pouco maior.

    O QUE NÃO TEM CABIMENTO E É RIDICULO SÃO UFANISTAS VIREM AQUI DESDENHAR DO MEXICO PORQUE O BRASIL É O BACANA DA VEZ. Não é, nunca foi, tem uma imensa miséria em infra-estrutura, pais que tem mais da metade das casas sem esgoto, é pais atrasado, péssimo sistema de saude, más escolas básicas, milhões de jovens sem escolaridae e sem o primeiro emprego, o México tambem é, nenhum pode usar salto alto com o outro.

    1. Pois eu já li neste blog, que

      Pois eu já li neste blog, que a terra há de comer, que o México era o novo Tigre das américas, assim como oParaguai. Já o tigre americano está cada vez mais manso. kkkkk

  4. Consumindo a gordura.


    Historicamente o México tinha indicadores melhores do que o Brasil, mas nos últimos anos esta diferença está diminuindo. Se continuarmos neste ritmo (se alguns abobados não atrapalharem) ultrapassaremos o México na maioria dos indicadores econômicos e sociais. O que me interessa é a melhoria nas condições de vida do povo brasileiro, e com certeza estes acordos comerciais não nos ajudarão em nada.

  5. E não esqueçamos que…

    … junto com Chaves e Lula – na reunão de Mar de Plata, na cara do Bush Filhote – o Presidente Nestor Kirchner, jogou a Alca no lixo.

  6. Os resultados de 20 anos de Nafta para o México

    A tão sonhada dependência de FHC, que ele externou em um dos seus esquecidos livros, foi barrada pela chegada ao poder do Analfabeto Lula da Silva!  Mas eles não perderam as esperanças, vão tentar de novo, até entregarem tudo ao “Grande Irmão do Norte”!

  7. O que mostra isto?
    Na

    O que mostra isto?

    Na política assim como nas amizades, as melhores amizades são aquelas que fazemos com quem realmente precisa de nós. Os EUA nunca precisaram do México, era apenas mais um país para o Imperio explorar.

    Certo está o Brasil, que fez vinculos com países que realmente precisam de nós, como os do Mercosul, muito menos ricos do que o nosso.

    O que mostra isto?

    Que tem os partidos neoliberais no Brasil, que querem reinaugurar o a ALCA (uma versão do NFTA para toda a América Latina) aqui no Brasil fazendo parceria entre Brasil e os EUA, como foi no México.

    Que os partidos de esquerda que são contra a ALCA, e a favor do MERCOSUL  sejam  premiados por sua lucidez no dia da eleição, estes são os meus votos.

  8. O Mexico não era o novo

    O Mexico não era o novo queridinho do fluxo de capitais da sigla “Mint”, os new old boys emergentes missão 2 ?

    Pensei que lá havia novidades melhora na economia e pleno emprego. Que Pasa.

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