Para Piketty, a desigualdade brasileira é subestimada

Lourdes Nassif
Redatora-chefe no GGN
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Jornal GGN – A Folha de hoje traz uma entrevista com Thomas Piketty, o economista francês autor do tão celebrado “O Capital no Século 21”. Nas declarações dadas ao jornal, o teórico não discutiu as escolhas da presidente Dilma para a equipe econômica e que é um erro pensar que o país precisa de mais mercado e menos intervenção na economia. Leia a entrevista a seguir.

da Folha

Entrevista Thomas Piketty

É um erro achar que país precisa de mais mercado

Economista francês que virou celebridade mundial diz que desigualdade brasileira é subestimada

RODRIGO VIZEU EDITOR-ASSISTENTE DE “MUNDO”

No dia em que o governo brasileiro oficializou um novo ministro da Fazenda simpático ao mercado, o economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século 21”, afirmou considerar um erro pensar que o Brasil precisa de mais mercado e menos intervenção na economia.

Piketty, que está no Brasil para promover o livro que lhe rendeu status de celebridade no debate econômico, não quis discutir especificamente a nova equipe econômica, mas afirmou que “seria um erro pensar que o Brasil fez demais na área social e para reduzir a desigualdade”.

Em seu livro, o francês sustenta que a desigualdade voltou a aumentar nas últimas décadas, beneficiando herdeiros e prejudicando a ascensão social, o que colocaria em risco a democracia.

Em entrevista à Folha, Piketty, que já foi citado em discurso pela presidente Dilma Rousseff, reclamou que dados de má qualidade fazem com que a desigualdade brasileira seja subestimada, e sua redução, alardeada pelo governo, talvez exagerada.

Folha – Recentemente, Dilma disse que o Brasil vai contra a corrente internacional de alta da desigualdade que seu livro aponta. O sr. concorda?

Thomas Piketty – Políticas de educação e transferências sociais como as que foram aplicadas em certa medida no Brasil nestes dez últimos anos podem permitir ir contra a corrente de aumento da desigualdade, mas ela realmente diminuiu?

Não é tão certo, é possível que tudo tenha sido puxado para cima, inclusive os mais pobres, mas não necessariamente em maior proporção que os mais ricos.

A forma como medimos a desigualdade sem dúvida a subestima. No Brasil, ela é sem dúvida ainda mais alta do que muitas estatísticas oficiais dizem porque a maior parte delas se baseia em pesquisas familiares com autodeclaração. O problema dessas pesquisas é que temos tendência a subestimar o topo da distribuição. Infelizmente, tem sido muito difícil acessar os dados fiscais do Brasil.

Falta transparência?

Estudo recente (de pesquisadores da Universidade de Brasília) sugere que, se utilizamos dados fiscais, o nível das desigualdades no Brasil aumenta. Não sabemos muitas coisas sobre a distribuição da renda no Brasil e precisamos de mais transparência para ver melhor em que medida os diferentes grupos sociais se beneficiam do crescimento.

É evidente que todo o mundo se beneficiou do crescimento dos últimos 15 anos. Agora, em qual proporção exatamente os diferentes grupos se beneficiaram dele não sabemos muito bem. É possível que se tenha exagerado um pouco a [divulgação da] redução das desigualdades no Brasil.

Dilma também disse preferir investir em consumo e educação para lutar contra desigualdade a fazer taxação, como o sr. defende. Isso é suficiente?

Também é preciso reforma fiscal, de um imposto progressivo sobre a renda e sobre o patrimônio. Precisamos da reforma fiscal para financiar a educação. Acrescento que uma parte das desigualdades grandes do Brasil se explica pela relativamente baixa progressividade do sistema fiscal.

Como seria a reforma?

A faixa mais alta de Imposto de Renda no Brasil é de 27,5%, inferior à menor dos Estados Unidos. Creio que uma das razões pela qual há muito desigualdade no Brasil é a progressividade de IR relativamente baixa. Há também muitos impostos indiretos, que são regressivos e pesam sobre as camadas populares.

É importante também tratar de forma diferente as rendas anuais de R$ 100 mil e de R$ 1 milhão, R$ 5 milhões e R$ 10 milhões. Poderíamos ter faixas mais elevadas, de 50%, 60%.

Como na sua França natal?

Também como os EUA, o Reino Unido, a Alemanha, que têm taxas que vão até 40%, 50%. É ainda mais impressionante o imposto sobre herança, 4% [na maioria dos Estados] é realmente baixo, muito perto de zero.

É possível ter uma economia dinâmica e sistema capitalista próspero com imposto sobre herança alto. Para as novas gerações que não têm patrimônio familiar e procuram comprar apartamento em São Paulo, é muito difícil se você só tem a renda de seu trabalho. Não é normal que você ganhe R$ 100 mil por ano com seu trabalho e pague muito mais de imposto do que se você recebesse R$ 100 mil de herança de sua família.

O governo oficializou uma nova equipe econômica com um ministro da Fazenda mais ligado ao mercado e vindo de uma escola liberal. Que avaliação o sr. faz disso?

Não conheço o contexto político brasileiro, não posso me pronunciar. Quem quer que seja colocado no comando da política, qualquer que seja a orientação, os níveis de desigualdade muito altos que temos no Brasil devem ser questionados e tratados pelo governo, assim como a baixa progressividade do sistema fiscal.

Mas abordagem liberal e pró-mercado é boa ideia para enfrentar tais desafios?

Precisamos de mercado e também de poder público que tome decisões que permitam a cada um de se beneficiar da globalização e dos mercados.

Eu tento ir além dessas oposições um pouco teóricas e ideológicas. Creio que que seria um erro pensar que o Brasil fez demais na área social, que fez demais para reduzir a desigualdade, que agora é preciso mais mercado, menos intervenção, eu acho que isso seria um erro.

Apesar dos esforços que foram feitos em políticas sociais nos últimos 15 anos, o Brasil continua extraordinariamente desigual. O nível de investimento social, educacional para os desfavorecidos da população brasileira continua insuficiente.

O sr. defende que os estudos em economia levem em conta aspectos históricos, sociais, políticos e culturais. Isso é importante também para a gestão econômica do governo?

Sim, é importante para o governo também. A questão econômica é importante demais para ser deixada para economistas, que às vezes tentam fazer crer que dispõem de uma ciência realmente complicada que os outros não podem compreender e que é preciso deixá-los em paz. Isso é uma piada gigantesca.

O nome de seu livro, que remete a Karl Marx, e algumas de suas opiniões fazem que muitos o considerem anticapitalista.

O problema é que há gente que vive ainda na Guerra Fria e tem necessidade de inimigos anticapitalistas. Não sou esse inimigo. Creio no capitalismo, na propriedade privada e nas forças do mercado.

Nasci tarde demais para ter a menor tentação que seja pelo comunismo de tipo soviético. Isso não me interessa. Ao mesmo tempo, acho que temos necessidade, basta ver a crise de 2008, de instituições públicas muito fortes para regular o mercado financeiro e as desigualdades produzidas pelo capitalismo.

Sua defesa de um imposto global sobre grandes fortunas já foi feita por outros autores e nunca avançou. Não é ingênuo crer que seja realmente possível contrariar tantos interesses contrários?

Não precisamos esperar ter um governo mundial, um imposto unificado mundial para fazer progressos, se não arriscamos esperar um longo tempo. Podemos fazer progresso por etapas e a nível nacional. Há diferentes formas de imposto sobre capital e patrimônio em cada país, que podem ser melhorados de forma mais progressiva. Em seguida podemos progredir na cooperação internacional, como já tem sido feito quanto aos paraísos fiscais.

Como o sr. demonstra, a desigualdade no século 20 só caiu em um contexto de crise e reconstrução das sociedade após duas guerras mundiais. Seria mesmo possível algo tão ambicioso em tempos de paz?

As lições de história são importantes, as elites que não querem pagar mais impostos no Brasil, nos EUA e na Europa devem se lembrar que não é uma boa solução esperar a crise. Todo o mundo precisa de uma globalização que seja mais justa, que beneficie diferentes grupos sociais em proporção equilibrada. Se não, é a própria globalização que arrisca ser questionada.

Lourdes Nassif

Redatora-chefe no GGN

11 Comentários

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  1. “O problema é que há gente

    “O problema é que há gente que vive ainda na Guerra Fria e tem necessidade de inimigos anticapitalistas. Não sou esse inimigo. Creio no capitalismo, na propriedade privada e nas forças do mercado.”

    Ah coitado! Não sabe para quem esta dando entrevista, alguem tem que avisa-lo que a Falha de São Paulo é  exatamente o tipo de gente que ele define como problema.

    1. Também achei engraçada essa

      Também achei engraçada essa parte. A preocupação doo jornal, e dos seus  leitores, é se tem cheiro de Marx, de anticapitalismo, etc.

      … É uma gente muito atrasada…. E que  se acha muito chique, ainda por cima. Por mais que se explique não adianta; não entendem; se acham argutos demais e sempre creem que enxergaram algo oculto… No fundo estão discutindo com o próprio passado; projetam nos outros aquilo que eles eram…

      Mas o pior não é a estultice em si nem suas causas.  Pior são as consequencias: fazem de tudo; todo tipo de babrbaridade para preservar a injustiça. Mesmo com as desigualdades “extraordinariamente altas” no país os reacionários acham que já foi demais. Por isso tanta histeria. Por isso desatam a falar de “bolivarianismo”, “stalinismo”, “cubanização”….

  2. “A faixa mais alta de Imposto

    “A faixa mais alta de Imposto de Renda no Brasil é de 27,5%, inferior à menor dos Estados Unidos. Creio que uma das razões pela qual há muito desigualdade no Brasil é a progressividade de IR relativamente baixa. Há também muitos impostos indiretos, que são regressivos e pesam sobre as camadas populares.”

     

    Nassif

    Lucido, brilhante, e com um minimo de estudo sobre o Brasil.

    Como pode Eu, você e o cara mais rico do país pagar o mesmo teto. 

    Que maravilha de privilégio.

  3. A ignara zelite tupiniquim não aceitou nem mesmo a CPMF

    domingo, 13 de maio de 2012

    O LOBBY QUE BARROU A CONTRIBUIÇÃO SOBRE GRANDES FORTUNAS

     Parceria CNI-Igreja [além da oposição demotucana, da “grande” mídia e da “elite” rica] derruba [como de costume] votação para tributar grandes fortunas. [“O Globo”, neste artigo, tenta espertamente jogar a culpa somente nos “religiosos evangélicos e católicos”… Seriam esses “religiosos” os grandes milionários que não querem contribuir para a Saúde Pública!?!]


    Por Assis Ribeiro, de “O Globo”

    Em comissão da Câmara, parlamentares dos setores esvaziaram reunião

    “Uma inusitada parceria entre o lobby da “Confederação Nacional da Indústria” (CNI) e parlamentares católicos e evangélicos impediu na quarta-feira a aprovação de projeto que cria a “Contribuição Social das Grandes Fortunas” (CSGF) [acima de R$ 4 milhões], recurso que seria destinado exclusivamente para a saúde. Essa união de forças se deu na “Comissão de Seguridade Social e Família” da Câmara. O autor do pedido de verificação de quórum na comissão, uma manobra para impedir aprovação de projetos, foi do deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), médico que se apresenta como defensor da saúde. Desde o início da sessão, assessores da CNI e de deputados evangélicos negociaram boicotar a reunião.

    O interesse “dos religiosos” era evitar, mais uma vez, um projeto que tramita há anos no Congresso e que cria direitos previdenciários para dependentes de homossexuais. Este nem chegou a ser apreciado. E o da bancada da CNI era impedir a votação do projeto que taxa as grandes fortunas. E conseguiram. Parlamentares desses dois grupos esvaziaram a sessão. 

    O projeto que taxa as grandes fortunas tem como autor o deputado Doutor Aluizio Júnior (PV-RJ). Pela proposta, são criadas nove faixas de contribuição a partir de acúmulo de patrimônio de R$ 4 milhões e a última faixa é de acima de R$ 115 milhões. O projeto atinge 38 mil brasileiros, com patrimônios que variam nessas faixas.

    – “São R$ 14 bilhões a mais para a saúde por ano. Desse total, R$ 10 bilhões viriam de 600 pessoas, mais afortunadas do país. Vamos insistir com o projeto” – disse Aluizio Júnior.

    A relatora do projeto foi a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que deu parecer favorável. O projeto das grandes fortunas chegou a ser votado e 14 parlamentares votaram sim e três, não. Foi nesse momento que Perondi pediu a verificação de quórum e eram precisos 19 votantes ao todo. E tinham 17. Faltaram apenas dois para a matéria ser considerada aprovada.

    Quando começou a votação, parlamentares do PSDB e do DEM deixaram o plenário. O deputado Doutor Paulo César (PSD-RJ) fez parecer contrário ao de Jandira e argumentou que “taxar grandes fortunas iria espantar os investimentos e empresários levariam dinheiro para fora do país”. Mas a derrota, no final, pode ser atribuída a dois parlamentares evangélicos. Um deles, Pastor Eurico (PSB-PE) chegou a fazer um discurso a favor da taxação das grandes fortunas e afirmou até que a Câmara está cheia de lobbies de interesses. Chegou a ser aplaudido, mas, na hora de votar, atendeu ao apelo da parceria CNI-religiosos, e deixou o plenário. Nem sequer votou. Outro deputado, Marco Feliciano (PSC-SP), defensor dos interesses religiosos, deixou o plenário quando se iniciou a votação.

    O advogado Paulo Fernando Melo, um assessor das bancadas religiosas e que atuou na parceria com a CNI, comemorou o resultado.  “Tinham duas matérias polêmicas na pauta (pensão para gays e taxação de grandes fortunas). No final, a articulação desses dois setores, que é regimental, deu certo e os dois lados saíram vitoriosos” – disse Paulo Fernando.

    FONTE: portal do jornalista Luis Nassif  (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/o-lobby-que-barrou-a-contribuicao-sobre-grandes-fortunas). [Imagens do google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].
       

     

  4. Teles aumentam em 150% envio de lucros para o exterior

    O que dizer das teles que, dias atrás publicaram aqui no blog reclamando que os bilhões de reais que lucra é pouco,…e o montante que elas enviam para suas matrizes que, aumentou…Lavam a burra e ainda reclamam que pagam altos impostos…

    https://jornalggn.com.br/noticia/empresas-de-telecomunicacoes-aumentam-envio-de-lucros-para-fora-do-pais

    No Tijolaço, mais dados

    http://tijolaco.com.br/blog/?p=15148

    As teles querem mais, agora cobrando por serviços de internet ao celular…e o Eduardo Cunha, lobista das opreadoras, vem ai

    https://jornalggn.com.br/blog/proteste-associacao-de-consumidores/nova-cobranca-de-internet-pelo-celular-trara-prejuizos-ao-consumidor

  5. a burguesia usa o

    a burguesia usa o impostometro para denunciar a existencia

    de impostos e esquece de seus privilégios históricos

    e patrimonialistas que sempre atravancaram o desenvolvimento do  país.

    a burguesia esquece o sonegometro  que tanto

    usa mas esconde para manter esses privilégios.

    reclama da merreca do bolsa família e

    ainda quer dar o golpe em cima das

    virtudes deste governo –

    ainda renegam a virtude  da inclusão social.

    boa entrevista com o píketty.

    o imposto sobre fortunas é uma questão inadiável.

    na verdade, a luta contra os privilégios patrimmonilistas

     no brasil é histórico – vide os donos do poder, do faoro.

    claro, a falaciosa burguesia copia do exterior o que lhe

    interessa,mas

    quando é para importar os impostos iinclusivos suecos

    ou estadunidenses ou europeus ela cai fora logo, logo,

    acusando como fazem os tucanos,

    as vítimas do atraso social decorrente e

    mais de 500 anos de história conservadora cruel

    eassassina….na escravatura, importavam o

    iluminismo para disfarçar sua índole mas matavam os escravos

    a torto e a direito imposto por ela.

     

     

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