Sem posição da igreja, Papa recebe transexual

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Da Adital

Papa recebe transexual, mas posição da igreja sobre a diversidade ainda não é clara

Por Marcela Belchior
 

A notícia de que o Papa Francisco recebeu o transexual espanhol Diego Neria Lejárraga para uma audiência privada no último dia 24 de janeiro, no Vaticano, gerou forte repercussão mundial e otimismo por parte movimentos sociais com vistas à relação da Igreja Católica com a diversidade sexual. O que pouca gente se pergunta é, afinal, o que foi discutido durante o encontro. Que posicionamento o Sumo Pontífice apresentou diante da discriminação da comunidade religiosa ao fiel católico? O que ele defende claramente sobre as várias formas de gênero? O gesto é simbólico e pode sinalizar uma mudança gradual, porém ainda não é fato que Igreja esteja aberta para as diversas manifestações da sexualidade. 

Diante do silêncio do Vaticano quanto ao teor da conversa entre Francisco e Lejárraga, o teólogo André Musskopf abre a discussão para os significados do episódio. “Sabemos que o Papa o recebeu e isso já é um gesto de acolhimento importante, que pode servir como exemplo para a postura da própria Igreja. Mas a gente não sabe a posição do Papa. (…) Por que o Vaticano não comenta nada do que ocorreu nesse encontro?”, questiona Musskopf, que estuda as relações entre religião e sexualidade. 

Em entrevista à Adital, o teólogo destaca que, até o momento, não se observa nenhum movimento no sentido de modificar os rumos da Igreja com relação à Teologia e à doutrina. “Não sabemos o que aconteceu [na audiência], nem o que vai acontecer. Sabemos que Diego saiu do encontro com um sentimento de muita paz, mas o que o Papa tem a dizer das outras pessoas — transexuais, gays, lésbicas, travestis — que participam da Igreja Católica Apostólica Romana? Ele não pode receber todas elas em audiência privada”, provoca o estudioso. 

Musskopf também chama a atenção para o futuro desdobramento do caso, que envolveu a discriminação de Diego Lejárraga em sua paróquia, na cidade espanhola de Plasencia, região da Extremadura. “O que acontece com essa pessoa e sua família? Vai haver um processo de diálogo na paróquia? Isso abre o debate dentro da Igreja?”, indaga Musskopf.

O espanhol teria sido hostilizado na paróquia após uma cirurgia de redesignação de sexo – Créd Andy Solé.

O estudioso vai além. Ele aponta nuances de gênero que perpassariam o evento, seus personagens e os valores envolvidos na repercussão do caso. Para ele, a construção da nova identidade de gênero de Lejárraga apontaria para o atendimento de um padrão masculino heterossexual, valorizando ideais tradicionais de gênero. 

Contribuiria para isso a ênfase, na cobertura midiática, do fato de que a companheira do transexual teria participado da audiência e no fato de que Lejárraga teria origem em uma tradicional família católica. Para Musskopf, esses fatores corroboram o discurso de afirmação do padrão de família tradicional defendido pela Igreja Católica. “Não estou dizendo que isso é bom ou ruim. Estou constatando que o discurso da repercussão do ato em si reforça um modelo tradicional de família, da importância da preservação da tradição”, explica. 

Entenda o caso 

Diego Neria Lejárraga relata, por meio da mídia internacional, que, após receber uma carta, o Papa Francisco teria telefonado para ele e o convidado a participar de audiência no Vaticano. No documento enviado ao Santo Padre, o transexual relatava se sentir fora da Igreja desde que havia se submetido a uma série de cirurgias para redesignação de sexo, oito anos atrás. O espanhol pedia ao Papa que o ajudasse a encontrar um lugar na “casa de Deus”. 

Hoje, aos 48 anos de idade, o espanhol nasceu do sexo feminino, foi educado em família católica e diz se considerar um fiel “praticante”, com estreita relação com a Igreja. Porém, vinha sofrendo com a hostilidade da comunidade religiosa e da população de sua cidade natal, que questionavam sua presença na igreja. Segundo Lejárraga, um sacerdote o teria chamado de “filha do diabo”. 

Ainda que pareça longe de repercutir institucionalmente, a ação do Santo Padre pode ressoar nas representações católicas no mundo todo. Em entrevista à Adital, Carlos Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), chama a atenção para o potencial de propagação do gesto de Francisco nas iniciativas locais da Igreja. “Isso empodera alguns padres e bispos que já tinham alguma posição progressista, mas que tinham receio de sofrerem represália”, afirma. “É tão importante quando uma presidente de Estado falar contra a homofobia na ONU (Organização das Nações Unidas). O Papa já deu o sinal”, avalia o ativista. 

Para Fonseca, a iniciativa do Sumo Pontífice sinaliza, senão uma abertura, pelo menos o não preconceito por parte da Igreja Católica, colaborando para a causa da diversidade sexual, dentro e fora da comunidade católica. “Espero que, além disso, um dia, a Igreja Católica possa pedir perdão”, acrescenta Fonseca, referindo-se à marginalização e repressão histórica que a instituição tem conferido à população homossexual.

Papa Francisco haveria convidado Diego após receber carta – Créd. Getty Images.

Ações anteriores de Francisco 

Em visita ao Rio de Janeiro (Brasil), durante a Jornada Mundial da Juventude, em julho de 2013, o Papa Francisco demonstrou o que seria “tolerância” com relação à homossexualidade. “Quem sou eu para julgar os gays?”, afirmou. “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, disse o Sumo Pontífice. Na ocasião, o primeiro Papa latino-americano enfatizou que “o catecismo da Igreja Católica explica de forma muito bonita” o tema da homossexualidade. “Diz que não se deve marginalizar essas pessoas por isso. É preciso integrá-las à sociedade”, comentou Francisco. 

Ainda que tenha gerado boa repercussão entre militantes e organizações que defendem a diversidade sexual, a postura do Santo Padre não tem reverberado dentro do próprio Vaticano, de maneira institucional. Em outubro de 2014, durante o Sínodo dos Bispos, convocado por Francisco para discutir temas relacionados à família — como aborto, contracepção, homossexualidade e divórcio —, a proposta que pedia maior aceitação de casais homossexuais dentro da Igreja foi rejeitada. 

Um relatório preliminar da proposta afirmava que os homossexuais teriam “talentos e qualidades para oferecer à comunidade cristã”. “Será que somos capazes de receber essas pessoas e garantir que elas terão um espaço fraterno em nossas comunidades?”, dizia o documento. Francisco defendia o reconhecimento dos “aspectos positivos das uniões civis e a convivência” entre pessoas do mesmo sexo, além de instar os eclesiásticos a acolher e tratar com mais respeito pessoas homossexuais e os casais “não tradicionais”, evitando discriminação. 

Ainda assim, a proposta não contestava a histórica oposição da Igreja ao casamento gay. Grande parte alto clero ainda se mantém contrária ao matrimônio entre pessoas de mesmo sexo. 

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Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

4 Comentários

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  1. Ontem, passou na Record que

    Ontem, passou na Record que Jesus perdou uma prostituta, que era excluida da sociedade! Jesus não excluia ninguém! 

  2. e Deus criou…

    Para quem crê em Deus, não há dúvida de que Ele criou tudo o que existe – tendo criado, portanto, todas as aparelhagens contidas nos corpos, inclusive aquelas destinadas a por em movimento os instantes prazerosos.

    As bobagens insanas escritas sobre Sodoma e Gomorra num dos livros da Bíblia são invenção de humanos bobos, que não tinham algo de mais útil a fazer.

    Parabéns ao Papa Francisco, e espera-se que ele muito em breve autorize o casamento de padres e de freiras, acolha na igreja católica gente de todas as raças, gêneros, sexos – pois todos foram maravilhosamente criados pelo mesmo Deus que nos deu vida, orienta nossas vidas, e nos receberá um dia assim que batermos as botas cá em baixo. Amém.

     

     

     

     

  3. Ainda não vale notícia

    O ”osso ainda não mordeu o cachorro”.

    Revolucionário será a manchete ”PAPA RECEBE UM TRANSEXUAL” no sentido mediúnico da coisa.

  4. igreja mãe

    Quem pode falar por Deus? Quem? Igreja mae. Igreja amor. Simples. Admiro mais e mais Francisco. Simples, humano, pai. Papa. Amor. Simples. Amor

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