Sem tergiversar sobre o racismo, por Flávia de Oliveira

 
Do O Globo
 
Sem Tergiversar
 
Flávia de Oliveira
 
Discurso de Obama numa igreja de Charleston ensina que, em certas ocasiões, é obrigatório dar nome aos bois. Há racismo
 
O verbo é tergiversar. No “Dicionário Houaiss da língua portuguesa” está definido como “usar de evasivas ou subterfúgios, procurar rodeios”. Foi esta ação que Barack Obama deixou para trás quando pisou em Charleston, dez dias após a chacina de um pastor metodista e oito fiéis, dentro de uma igreja histórica da Carolina do Sul. No funeral do reverendo Clementa Pinckney, o presidente dos Estados Unidos pregou. E cantou. Entoou à capela o verso inicial de “Amazing grace” (“Sublime graça”, em tradução livre) e viu pastores e rebanho acompanhá-lo no restante da letra. O hino toca profundamente o coração da comunidade negra americana. Quando Obama cantou, todo mundo entendeu que o presidente um dia autodeclarado pós-racial vestira de volta a pele preta.

 
A atitude de Obama ensina que, em algum momento, o indivíduo, o cidadão, a autoridade, a sociedade terão de descer do muro do fingimento e dar nome aos bois. Há racismo. O crime cometido pelo jovem branco Dylann Storm Roof foi produto de um ódio racial que não desapareceu dos Estados Unidos, ainda que o movimento pelos direitos civis tenha completado meio século e o país tenha eleito e reeleito um negro para a Casa Branca. O assassino ganhou do pai, no aniversário de 21 anos, uma pistola 45 e resolveu descarregá-la contra negros, para iniciar uma guerra racial.
 
O massacre de Charleston foi o episódio mais dramático de uma onda de assassinatos que levou às ruas milhares de negros americanos, de cidades tão diferentes quanto Ferguson (Missouri), Nova York, Baltimore (Maryland) e San Francisco (Califórnia). O primeiro a morrer, em agosto de 2014, foi Michael Brown, alvejado aos 18 anos pelo policial branco Darren Wilson, a quem um júri local decidiu não acusar. Depois dele, os casos se multiplicaram, o que levou o presidente a se manifestar publicamente, mais de uma vez, sobre o “problema de desconfiança entre a polícia e as minorias as quais ela serve”.
 
O tom de Obama, gradualmente, elevou-se. Charleston foi o clímax. Ele, que costumava ser reticente sobre raça, na Emanuel African Methodist Episcopal Church, enumerou, em oratória envolvente, o rol de mazelas que ainda segregam a população negra americana.
 
“Por muito tempo, estivemos cegos para o caminho do passado de injustiças que continuam a moldar o presente. Talvez esta tragédia nos leve a fazer algumas perguntas difíceis sobre como podemos permitir tantos de nossos filhos a definhar na pobreza, frequentar escolas em ruínas, crescer sem perspectivas de emprego ou carreira…
 
“Talvez amoleça corações perdidos em relação a esses homens jovens, dezenas e dezenas de milhares apanhados no sistema de justiça criminal, e nos leve a ter certeza de que esse sistema não tem viés; que abracemos mudanças na forma de treinar e equipar nossa polícia para que os laços de confiança com as comunidades façam tudo mais seguro e protegido.
 
“Talvez percebamos como o preconceito racial pode nos infectar mesmo quando não percebemos, de modo que nos protejamos contra, não apenas insultos raciais, mas o impulso de chamar Johnny para uma entrevista de emprego, mas não Jamal (nome típico da comunidade negra).”
 
Obama tratou dos Estados Unidos da América, mas qualquer semelhança com uma velha colônia escravocrata mais ao Sul do continente, assassina de 23 mil jovens negros a cada ano, não terá sido coincidência. Há racismo.
Redação

14 Comentários

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  1. Texto mal intencionado.
    Para

    Texto mal intencionado.

    Para começo não cabe nenhum tipo de comparação entre o contexto Brasileiro e o norte americano.

    Lá existe racismo como existe em qualquer parte do mundo inclusive na Africa pois o componente essencial para a existencia de racismo é exatamente o quesito RAÇA

    Fora isso lá existe algo que não existe aqui, e a chamda tensão racial para que isso ocorra é necessario haver 2 etnias com clara separaçao e nenhuma miscegenação, uma realidade por lá e algo que tambem não existe aqui.

    Não se combate o racsimo pregando o evangelho herege do RACIALISMO isso é coisa de imbecis ou radicais travestidos de gente comprometida com harmanonia.

    Só há um unico caminho contra o racismo e ele passa pelo conceito de IGUALDADE os ditos racialistas não acreditam e nem querem saber disso, lutam pela manutenção de diferenças , semeiam o discurso odioso do PERTENCIMENTO à raça.

    E o mesmo discurso dos racistas e nem poderia ser diferente pois como eles , esses tambem creem em raças …

    1. Nosso racismo é melhor que o racismo americano

      O Ali Kamel até escreveu um livro: Não Somos Racistas.

      Como não temos tensão racial igual à dos EUA, provavelmente deveremos concordar com o Kamel, não existe racismo no Brasil.

      As mortes de negros diante de policiais, aqui no Brasil, que tem miscigenação, ocorrem devido a teimosia dos negros em se colocar na frente dos brancos, justamente no caminho das balas.

    2. Absurdo

      Perdão colega, mas seu comentário é absurdo. 

      – Primeiro não existem apenas duas etnias nos EUA;

      – Segundo existe sim miscigenação nos EUA e os mestiços são igualmente discriminados;

      – Por fim, comparar medidas compensatórias com racismo e dizer que ambas são iguais, é como dizer que não existem diferenças de classes no Brasil.

       

      Atenciosamente,

       

      Atila 

      1. Perdão colega, mas seu

        Perdão colega, mas seu comentário é absurdo. 

        – Primeiro não existem apenas duas etnias nos EUA;

         

         

        Obvio que não, mas caso não tenha percebido me refiri ao contexto envolvendo brancos e negros…

         

        – Segundo existe sim miscigenação nos EUA e os mestiços são igualmente discriminados;

        – Por fim, comparar medidas compensatórias com racismo e dizer que ambas são iguais, é como dizer que não existem diferenças de classes no Brasil.

         

        A comparação procede pois ambas tem como criterio o fator RAÇA

        Sobre diferenças de classes vc cita a razão pela qual cotas ainda seria um “mal necessario ” desde que com criterios SOCIAIS 

        Pois como vc mesmo cita o problema é desiqualdade de classes, e acompanhada de politica de ESTADO no trato com a educação

        O resto é DEMAGOGIA…

      2. Discutir c/ Leônidas é perda de tempo, saliva e latim

        Nao passa de um troll, e está aqui exatamente para ficar dizendo essas coisas.

    1. A ascenção do racismo no Brasil
      Quem já viveu tantas décadas quanto eu no Brasil sabe que o racismo aqui é uma descoberta recente: a onda começou após a queda do Muro de Berlim, quando a luta de classes marxista saiu de moda. Então inventaram a luta de raças pra substitui-la. Antes disso, a pouca relevância do racismo entre os brasileiros sempre foi um consenso. Se ali pelos anos sessenta alguém subisse ao palanque em um comício de estudantes e começasse a falar de racismo, seria vaiado. Na época todos “sabiam” que o nosso problema era a concentração de riquezas e o imperialismo, e não o racismo, que era mais problema dos americanos do norte.

      Mas agora o senso comum estabeleceu que somos racistas, e toda uma gama de contorcionismos retóricos e sofismas foi construída para justificar essa premissa. O conceito de raça enrijeceu-se para chamar de negro a qualquer um que não seja absolutamente branco, e o conceito de racismo flexibilizou-se para abarcar todo e qualquer fator que historicamente tem prejudicado os africanos e seus descendentes. O livro de Ali Kamel pacientemente desmonta essas imposturas.

        1. O pior cego é o que não entende o que vê

          O racismo sempre existiu, mas é um erro crasso creditar ao racismo as diferenças sociais entre brancos e negros no Brasil. Essas diferenças têm causas puramente econômicas. Um negro pode ser discriminado em um processo seletivo, mas na realidade, raras vezes um negro chega ao ponto de concorrer com um branco para um cargo de valor.

          Para dar uma roupagem de racismo às diferenças sociais, o jeito é relativizar os conceitos de raça e racismo, esse último passando a englobar todos os fatores que historicamente têm prejudicado os africanos e seus descendentes, ainda que tais fatores nada tenham a ver com uma discriminação deliberada.

  2. Leônidas, acho que você não

    Leônidas, acho que você não compreendeu bem o texto, mormente o final… no mais: “há racismo”.

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