Sobre a falta de consideração com os direitos de Povos Indígenas no Brasil

Por Gunter Zibell
 
As reservas indigenas tem 13% do territorio nacional brasileiro, NÃO CHEGA?”
 
 
 
Uma frase assim não é incomum. E não é mal-intencionada.
 
Só que não é bem assim. 13% são as terras “reservadas” para eventual demarcação. E é só esse número que aparece.
 
E aparece assim porque interessa às duas partes: à mídia, que é muito ligada ao imaginário urbano (nem precisa ser ligada a interesses econômicos, vai apresentar o discurso que os habitantes do Centro-Sul querem ler) e também ao governo, que quer posar de garantidor dos índios, então coloca em todos os sites e documentos oficiais mapas cheios de áreas apontadas como reservas índigenas, quando em geral são de uso misto.
 
Observe-se que:
 
– Falta demarcar muita coisa (talvez Raposa do Sol tenha sido a última demarcação importante)
 
– a ocupação não é exclusiva: muitas dessas terras estão ocupadas por atividades econômicas. Em algumas potenciais reservas, mais próximas de centros produtivos, chega a haver 10 não-índios por índio residindo nas áreas invadidas (e os conflitos são resultado das tentativas de retirar definitivamente essas terras do conjunto dos 13%.)
 
– há a sobreposição com as reservas estratégicas de segurança nacional (fronteira), ocupadas apenas pelas FFAA, e com os parques e reservas com fins ecológicos, de preservação de biodiversidade. Essas áreas atendem a todos os interesses nacionais, então há no mínimo uma dupla contagem.
 
– há as ‘ilhas para mineração’ de minerais estratégicos, terras raras, etc que continuarão existindo mesmo com demarcação. Isso pode não afetar o extrativismo indígena, mas algum impacto há com a circulação.
 
Territórios de uso e habitação EXCLUSIVO de Povos Indígenas quanto serão? Eu ‘chuto’ que não devem ser nem 4 ou 5%. É um número difícilimo de obter por que é propositadamente omitido, mas comece-se retirando dos 13% os Parques Nacionais e as áreas que se sabe invadidas. Muitas terras reservadas estão como Raposa do Sol estava há 6 anos.
 
Se pensarmos que abrigam 0,4% da população, podem apresentar densidade demográfica maior que o conjunto de ‘zonas rurais’, especialmente às voltadas à agricultura extensiva nos estados de Norte e Centro-Oeste. E isso sem haver desmatamento algum! O que é um contrasenso, já que a agricultura tradicional e o extrativismo são praticamente as únicas atividades para a subsistência indígena, como fica se for mais “espremida” que a agricultura dos aculturados?
 
De qualquer modo, a discussão no assunto nunca deve ser levada pelo lado do produtivismo ou tentativas de assimilação cultural forçada. Não é ético se empurrar os Povos Indígenas para situações ainda mais fragilizadas que as atuais, até porque não contam com nenhum lobby a seu favor a não ser a nossa conscientização.
 
Havia um modo cultural e de produção que foi negado, por séculos, pelo ocupador ocidental e que pode ser respeitado agora antes que se extinga de vez.
 
E há o direito difuso entre parte da população não-indígena a viver em uma sociedade que respeite esses povos. Inclusive com a concessão incondicional de benefícios, como educação e saúde. Custa muito pouco em termos nacionais. Países europeus gastam mais como proporção do PIB em ajuda externa do que o Brasil com suas reservas.
 
E pode haver muito mais que o equivalente a esses 13% em terras subaproveitadas no país todo, carece aproveitar melhor o que já foi desmatado do que ficar forçando a expansão da fronteira agrícola apenas pelo seu baixo custo na fronteira ou por conveniência logística.
 
Outros países continentais, como Canadá e Austrália, chegam a reservar 20% do território nacional para unidades de administração aborígene, com muito maior autonomia que as reservas brasileiras.
 
Algumas reservas norte-americanas, como a Nação Navajo (que é maior que 3 estados dos EUA), chegam a ter polícia própria.
 
A política para Povos Indígenas no Brasil anda se apresentando conservadora, portanto, pode-se dizer até mesquinha.
 
E não era esse o espírito da Constituição de 1988. Só durante o Regime Militar cogitou-se tal postura negligenciadora de direitos desses povos, e é por isso que os governos e políticos em vários níveis andam sendo criticados, por não delinearem de modo firme e seguro as intenções e os direitos, permitindo assim que se dissemine um discurso simplista que pode desinformar.
Redação

9 Comentários

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  1. Ótimo texto, Gunter.

    Sendo apoiador do governo Dilma, nunca deixei de lastimar sua leniência com os setores mais reacionários e violentos da direita: poderosos agronegociantes, pecuaristas, madeireiros, justamente os piores inimigos dos índios, que devem ter suas terras e seu direito à vida garantidos pelo Estado. Pra não dizer que não falei de flores: a única medida importante do governo, através do MEC, foi a concessão de bolsas de estudo para estudantes indígenas nas universidades federais. Sem isso, como eles poderiam deixar suas aldeias e sobreviver nas cidades grandes? Aliás, também os estudantes quilombolas têm direito a essas bolsas. E por falar em flores, frutos. Trailer de filme feito pelos índios ashaninka, do Acre: A gente luta mas come fruta. Vídeo nas aldeias.

    [video:https://www.youtube.com/watch?v=HYkMExeSMdU%5D

     

    1. uma causa deturpada pelos interesses anti-nacionais

      Infelizmente, a justa defesa dos interesses indígenas e quilombolas cada vez mais vem sendo utilizado por interesses anti-nacionais travestidos em ONGs ou  lideranças indígenas inescrupulosas, na verdade aculturadas, almejando apenas se converterem em rentistas pagos pelo povo brasileiro. 

      O que pude acompanhar no entorno da base de Alcântara foi quase criminoso, com evidente manipulação da comunidade contra o desenvolvimento tecnológico do Brasil. 

      Ademais, desconfio que mesmo que não sejam 13% – pude ver um mapa que diferenciava o que está em demarcação do que já foi realmente demarcado e a diferença não me pareceu muiot grande – é relativamente muita terra. O dado que ouvi é que se tomarmos apenas cada índio que efetivamente habitava a área antes da demarcação, todos seriam proprietários de um considerável latifúndio. Nada contra um índio enriquecer. Ocorre que antes da chegada do homem branco, o máximo de terra que uma comunidade seria capaz de abranger era muito menor. 

      Nas demarcações para os sem-terra, por exemplo, os critérios são infinitamente menos favoráveis. E não sei de assentamentos agranjeando aconhcego e informações sobre nosso patrimônio mineral e biológico a cidadãos de potências estrangeiras, ou ocupando áreas que vulnerabilizam nossa ocupação territorial, nossa autonomia energética e nosso desenvolvimento tecnológico. 

          1. sem dúvida, lamentável

            …mas não há um órgão em Brasília destinado a proteger a Belo Sun, nem o Estado está institucionalmente mobilizado para doar-lhe de nacos do território nacional em áreas de interesse estratégico, nem em deter a produção de energia na única grande bacia hidrográfica restante inclusive mobilizando o meio artístico e a mídia internacional – apoiada por valente militantes brasileiros – para este fim.

             

          2. A Belo Sun

            A Belo Sun Mining Corporation, pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc. não precisa de nenhum “órgão em Brasília” pra lhe proteger – era só o que faltava! Já os índios, se não houvesse o mínimo de apoio (e bote mínimo nisso), já estariam todos mortos devido ao “interesse estratégico” (para quem?) de SUAS terras, e  à “produção de energia na única grande bacia hidrográfica restante”. Daqui a pouco, não restará mais nenhuma, graças a essa ganância, a essa gastança que custa vidas, muitas vidas, puxa vida!

  2. Reservas Índigenas

    Gunter,

    Tudo em paz?

    Já debatemos sobre este assunto.

    É senso comum, entre os que conhecem a questão , que bem mais de 4%  ou 5% das reservas sob medida prá multinacionais ( porque prá índio é que não são) já estão demarcadas, possivelmente o dobro do seu “chute”, sendo que todas as reservas, sem exceção, protegem grandes jazidas de algum mineral relevante. 

    Todos sabem perfeitamente que todas, ou quase todas as reservas são ocupadas por estrangeiros ( até vila com bandeira de outro país tem), mas brasileiro não entra, somente a PF e a Funai, e mesmo assim com certas restrições.

    Se eu adquiri total indiferença sobre o direito destes povos indígenas, com certeza. Não existem reportagens, pois os jornalistas não vão lá, Ong’s fogem de lá como aquele da cruz, todos estes sempre estiveram vendidos, assim como ocorre com a exploração do nióbio. Se você ou alguém sabe o quanto sai do minério anualmente, qual é a média de  valor $$$ / ton, favor informar.

    Um abraço

     

  3. Chega a ser engraçado ler a

    Chega a ser engraçado ler a menção de EUA, Canadá e Austrália como “exemplos” na questão indígena. Pois justamente estes três países e mais a Nova Zelândia foram os que NÃO ASSINARAM a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas em 2007. O Canadá o fez em 2009 depois de muita pressão.

    Já é bem explícita uma formidável má-vontade com quase tudo em termos de governo no Brasil. Isto num ano eleitoral é, no mínimo, suspeito.

    1. Bem lembrada a Nova Zelândia

      Mas, que eu saiba, lá é diferente. A aculturação avançou muito e os Maoris são tratados como minoria étnica com direitos, como Maias na Guatemala e Quechuas no Peru.

      Voltando aos grandes países, então, que diferença faz um papel da ONU?

      Vale a prática. Os governos no Brasil devem apresentar claramente a ação pretendida, com transparência, se desejam evitar críticas.

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