Somos todos franceses, por Daniel Afonso da Silva

Cintia Alves
Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.
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Por Daniel Afonso da Silva

“Nous sommes tous Américains” estampava o editorial do Le monde de 13 de setembro de 2001. Doravante “Nous sommes tous Américains” virou o mantra da França e de todos os países perplexos com a brutalidade daqueles incidentes sem nome, face ou piedade do 11 de setembro de 2001. “Nous sommes tous Américains” ganhou legítima densidade naquele momento onde as palavras perdiam em sentido e as ações em competência. “Nous sommes tous Américains” deu força ao presidente George W. Bush (2001-2009) na formulação de sua guerra ao terror. “Nous sommes tous Américains” animou o início de um século de guerras, até o presente, continuam sem fim.

No começo foi o Afeganistão.

Para chegar a Cabul, Washington acordou com Paris, Londres, Pequim e Moscou um consenso moral de base internacional.
De Cabul se queria migrar a Bagdá, domínio de Saddam Hussein. Mas aí não houve consenso.

No memorável dia 14 de fevereiro de 2003, diante do Conselho de Segurança das Nações Unidas, o chanceler Dominique de Villepin pronunciaria o “não” da França à invasão do Iraque. Esse “não” afirmava pela primeira vez “não, não somos mais todos americanos”.

Saddam Hussein não era inocente, mas não fabricara armas de destruição massiva em seu país. Todos sabiam que o secretário Colin Powell estava mentido despudoradamente.

Saddam Hussein foi encontrado vivo, mas já condenado à morte.

Tudo em nome da paz, da democracia e do mundo livre.

A invasão do Iraque e o assassinato de Saddam Hussein não foram simplesmente um crime de lesa à dignidade internacional – a final, os Estados Unidos avançaram a revelia do veto do Conselho de Segurança – senão que continua representando exímio modelo de absurdo moral e legal e financeiro e militar.

Após as 720 horas de invasão do Iraque, entre março e maio de 2003, os Estados Unidos não somente subtraíram a soberania do país como furtaram sua liberdade e seu destino. E todos aqueles que intentaram contrariar esses desígnios norte-americanos foram – e são – fisicamente eliminados.

Daech vem sendo uma voz de basta.

Parente bastardo da Al Qaeda de Osama Bin Laden, esse projeto de califado vem lembrando os ocidentais de seus equívocos seculares no Oriente Médio e por todo o mundo árabe e muçulmano. Desde a sua emergência definitiva entre 2013 e 2014, a História vem se acelerando e demonstrando que os efeitos do 11 de setembro de 2001 seguem latentes e estão longe de um fim.

Ao menos desde 2001, os sempre retirados da História – os não-Ocidentais, não judaico-cristãos, não-europeus, não-anglo-saxônicos – invadiram as narrativas e fizeram os preceitos de universalização da democracia liberal alardeados por Francis Fukuyama perderem em força e sentido.

Precisou o presidente Obama chegar ao poder e indicar ao mundo, desde o Cairo em 2009, a necessidade de um novo recomeço das relações entre “nós” e os “outros”. E foi nessa ambiência que regiões emergentes no mundo árabe e muçulmano passariam a reivindicar um melhor lugar ao sol a partir da primavera de 2010 da Tunísia ao Egito ao Bahrein ao Mali à Líbia à Síria. Nesse e noutros lugares, populações inteiras foram para as ruas clamar por democracia, por Ocidente, por liberdade.
Mas após o coronel Gaddafi da Líbia ser empalado com “todos os meios necessários” concedidos pelas Nações Unidas, até os entusiastas começaram a questionar a validade dessa democracia fabricada pelo Ocidente e reivindicada pelos árabes e muçulmanos.

A França do presidente Sarkozy esteve na linha de frente da intervenção na Líbia em 2011 assim como a França do presidente Jacques Chirac foi ao mesmo tempo a promotora do “Nous sommes tous Américains” em 2001 e do “não” à invasão do Iraque em 2003.

A França do presidente Hollande veio ao encalço do Mali em 2013, mas desde janeiro de 2015 amarga o mantra do “Nous sommes tous Charlie” e desde a última sexta-feira, 13, requer de todos que todos sejamos franceses. “Nous sommes tous Français”.

As cenas parisienses no Bataclan, no Stade de France, na rue de Charonne, Au Petit Cambodge, na Rue de la Fontaine au roi, são inominavelmente abomináveis. O Daech reconheceu a autoria e o presidente francês decretou guerra contra ele.
Sim, nesse momento de absoluta perplexidade e dor, “Nous sommes tous Français”. Mas que a guerra do presidente Hollande ao Daech não vire guerras do fim do mundo tampouco uma guerras sem fim como fizera seu homólogo norte-americano no decênio anterior.

Daniel Afonso da Silva é doutor pesquisador no Ceri-Sciences Po de Paris.

Cintia Alves

Cintia Alves é graduada em jornalismo (2012) e pós-graduada em Gestão de Mídias Digitais (2018). Certificada em treinamento executivo para jornalistas (2023) pela Craig Newmark Graduate School of Journalism, da CUNY (The City University of New York). É editora e atua no Jornal GGN desde 2014.

5 Comentários

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  1. “Somos todos franceses!”

    Somos todos franceses!”

    “A piedade que dava o reino da França!”

    “Nunca vi sangue de franceses sem que meus cabelos ficassem eriçados”

    “Malvados, não me diríeis que o sangue da França foi derramado!”

    “Essa expressão que fala ao coração é pela primeira vez pronunciada. Pela primeira vez, sente-se que a França é amada como uma pessoa. E ela assim se torna a partir do dia que é amada.

    Até aquele momento era uma reunião de províncias, um vasto caos de feudos, grande país, de ideia vaga. Entretanto, a partir desse dia, pela força do coração, ela é uma pátria.

    Ora, o pobre dos pobres, a mais miserável pessoa e a mais digna de piedade naquele momento era a França. Amou tanto a França!…E a França, comovida, pôs-se a amar a si mesma.

    Recordemo-nos sempre, franceses, que nossa pátria nasceu do coração de uma mulher, de sua ternura  e de suas lágrimas, do sangue que ela verteu por nós”.

    Joana d’Arc de Michelet

     

     

     

     

     

     

  2. Quem planta vento colhe

    Quem planta vento colhe tempestade …

    É somente isto que está acontecendo. A França está colhendo o que plantou. 

    Tenho compaixão pelos franceses que morreram nos atentados.

    Mas também tenho, e em maior grau e intensidade, compaixão pelos milhares de arabes, inocentes também, que morrem diariamente com bombardeios cegos e impessoais, com atos de barbaridade e terrorismo do mesmo EI, da Al-Qaeda (não muito tempo atrás inimiga do Ocidente) e de uma centena de outras organizações que a serviço do ocidente travam estas guerras brutas e insanas, utilizando armas e recursos fornecidos por quem? Franceses, americanos, ingleses, russos …

    Compaixão estendida aos milhões de africanos (argelinos, nigerianos, congalês …)  que padeceram sob o dominio e intervenção Francês, Inglês, Belga, americano …

    Compaixão estendida aos milhões de asiáticos (indochineses, chineses, indianos …)  que padeceram sob o dominio e intervenção Francês, Inglês, Belga, americano …

    Vamos deixar a hipocrisia de lado.

    Enquanto o Ocidente não deixar de querer ditar regras a civilizações e culturas diferentes não haverá tregua e nem paz. Muito pelo contrário a coisa só vai crescer mais e mais.

     

  3. A única saída disto tudo é

    A única saída disto tudo é encontrar palavras cada vez mais sintetizadas para mostrar o absurdo que está ocorrendo com o mundo atual! Por mais que a mídia mais atuante tenha o viés de seus donos e investidores, os blogs, escritores… youtubers… precisam encontrar cada vez mais formas mais claras de esclarecer a população sobre os problemas atuais que querem esconder do povo para lucro individual de alguns poucos! É preciso mapas, tabelas… desenhos animados.. livros… jogos… uma hora o povo irá acordar para o abusrdo que estão fazendo do planeta!

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