Uma história pela metade, por Luciano Martins Costa

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Do Observatório da Imprensa

Os 50 anos da TV Globo foram lembrados ao longo da semana que passou e celebrados no domingo (26/4), com uma festa para centenas de funcionários no Rio de Janeiro. As inserções de um quadro especial no Jornal Nacional, comandado pelo apresentador e editor William Bonner, serviram para apresentar em doses diárias um resumo da história da emissora, com destaque para alguns episódios controversos em que foi protagonista.

Na terça-feira (21/4), por exemplo, Bonner personificou o mea-culpa da Globo por haver tentado ocultar, em 1984, o comício que marcou, em São Paulo, a campanha pelas eleições diretas para presidente da República. A reportagem sobre a manifestação foi aberta, na ocasião, por Marcos Hummel, então âncora do Jornal Nacional, com o seguinte texto: “Um dia de festa em São Paulo. A cidade comemora seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”. Quem estava lá sabia que aquele era um protesto contra a ditadura, pelas eleições diretas, realizado sob ameaça das forças de segurança – e não uma festa de aniversário.

No dia seguinte, foi a vez de tratar da manipulação que ajudou a eleger Fernando Collor de Mello na disputa contra Lula da Silva, na eleição presidencial de 1989. Na ocasião, a Globo concedeu um minuto e meio a mais para Collor, com um texto tendencioso no qual escondeu os melhores argumentos de Lula no debate da noite anterior e exibiu seu oponente como um estadista. Na revisão histórica da semana passada, tudo não passou de um erro de edição, e um compungido Bonner lamentou a “falta de equilíbrio” daquela cobertura.

Mas, fora do quadro mágico da tela, a verdade é que a história da emissora está recheada de atos de má-fé e manipulações.

Embora se possa dizer que a mais poderosa rede brasileira de televisão se tornou um pouco mais sutil em sua interpretação da realidade nacional, não há como fugir ao fato de que segue produzindo diariamente exemplos de um jornalismo tendencioso que ancora o conteúdo claramente partidário dos outros grandes veículos de comunicação.

O socorro do BNDES

Como o bicheiro que precisa comprar um título de comendador quando chega a maturidade, a Globo tem necessidade de corrigir, eventualmente, sua trajetória, para que a mão da História lhe seja leve. No entanto, essa espécie de autocrítica conduzida em tom de convescote ao longo da semana não tem peso e seriedade suficientes para um registro nos arquivos do jornalismo, digamos, mais sério.

Essa função foi cumprida, na sexta-feira (24/4), em uma longa entrevista concedida ao jornal Valor Econômico (ver aqui) pelos principais acionistas do Grupo Globo, os irmãos Roberto Irineu, João Roberto e José Roberto Marinho, a uma dupla insuspeita de jornalistas, Matías Molina e Vera Brandimarte.

Além disso, o jornal que pertence ao Grupo Globo em parceria com o Grupo Folha também publica uma reportagem sobre bastidores da poderosa organização, com destaque para o processo de reestruturação financeira que evitou sua falência no começo deste século.

Matías Molina, veterano jornalista que ajudou a formar alguns dos melhores repórteres brasileiros de Economia nas últimas décadas, é autor do livro Os Melhores Jornais do Mundo e lançou recentemente o primeiro volume da trilogia História dos Jornais no Brasil. É com esse currículo que ele conduz a retrospectiva dos 50 anos da Globo no Valor.

Mas a leitura da entrevista decepciona em alguns aspectos: a história controvertida da maior potência da imprensa latino americana fica diluída em meio a uma conversa amena à qual faltou rigor crítico. As perguntas servem como alavancas para os irmãos Marinho amenizarem o papel decisivo da empresa em episódios polêmicos da história nacional.

Um de seus momentos mais importantes – o processo de recuperação financeira ocorrido entre 2002 e 2006 – passa quase em branco. Questionado sobre aquele período, quando a empresa teve que vender parte da rede, livrou-se do controle das operadoras Sky e Net e foi socorrida pelo BNDES, os entrevistadores se satisfazem com a resposta de Roberto Irineu Marinho, de que a situação foi resolvida “sem recursos do BNDES ou de bancos estatais”.

O socorro do BNDES ao Grupo Globo foi amplamente noticiado na época (ver aqui) e motivou até mesmo um pedido de audiência pública no Senado Federal (ver aqui) e até hoje segue sendo uma das chaves para se entender a relação entre a empresa e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos.

Quem sabe nos próximos 50 anos essa história seja contada.

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

10 Comentários

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  1. Petistas salvaram Globo e ganharam algemas como “recompensa”.

    O ex-ministro José Dirceu também deveria explicar o porquê de não ter exigido a libertação da redação do JN quando tratou do socorro às Organizações Globo no episódio da falência da Globocabo. A confiança no mercado de televisão a cabo no Brasil deixou as empresas dos Marinhos com um “papagaio” de US$ 2,5 bilhões na praça, e quase arrastou todo o conglomerado para o “ralo”. José Dirceu, ministro da Casa Civil em 2003, salvou a Globo. Ganhou desta como recompensa, um par de algemas.

  2. E ………………..

    Luciano, voce como poucos esta sempre antenado e afiado no que ocorre na mídia nativa.

    É de se notar que poucos jornalistas ousaram e ousam criticar este império manipulador, talvez por receio de se verem no olho da rua, em função das pressões exercidas por ela e seus apaniguados em várias áreas, mormente no Congresso naional, cuja casa é notoria por seus lobbyes, principalmene das comunicações.

    Cito também, para não deixar em branco, que estes 50 anos das Organizações Goebbels, deveriam incluir uma análise mais ampla de como são e em que mãos estão as comunicações no planeta, bem como as Agências de Noticias.

    Elas sim, se aferram com lunhas e dentes em dominar nossos corações e mentes a seu bel prazer !!!

    No aguardo.

  3. Se livrear dessa droga

    Se livrear dessa droga chamada rede globo foi uma das melhores coisas que aconteceu na minha vida, muito tempo atrás eu era tão hipnotizado por ela que as vezes eu me pegava pensando que eu tinha vontade própria, sinistro!

  4. Enquanto nas rodadas de

    Enquanto nas rodadas de jornalistas e novelistas em comemoração pelos 50 anos da Globo muito se falou em censura aos jornais e novelas da emissora, não sei como Fátima Bernardes se saiu com esta: de que foi no ano de 1969 que o JN passou a ser uma rede.

    Lembremos que dos anos de chumbo nenhum foi mais cruel que 1968. Portanto, conseguir sair de um simples canal para fazer parte de uma rede de televisão um ano depois não teria sido pouca coisa nos governos dos generais. Por isso, todos queremos saber onde estava a censura tão comentada?

  5. Globo e você, tudo a ver.

    Dona GLOBO A SENHORA É LEVIANA, LEVIANA LEVIANA LEVIANA!

    Adoro essa frase,  dita pelo    http://www.brasilemfoco.com.br/arquivos/governador-de-minas-aecio-neves-agride-namorada-em-festa-de-luxo.

    Dita em rede nacional, selou o desfecho da eleição e corrigiu a injustiça que foi a derrota do Lula para o Collor quando foi veiculada pela mesma Globo uma reportagem às vésperas da eleição onde a  a ex-mulher do lula prestou falso testemunho de todo tipo.

    Alem de http://www.diariodocentrodomundo.com.br/a-confissao-de-boni-sobre-o-debate-entre-lula-e-collor/

     

     

    1. Tinha razão o Nelson Rodrigues?

      Essa tal ex-modelo Leticia Weber, dita namorada do Laercio na noticia, não veio a ser a esposa do machão do Leblão?

      Será que depois da bolachada ela casou-se com o sujeito comprovando a tese do Nelson Rodrigues?

       

       

       

       

       

       

       

       

       

  6. Mea culpa ou o que seja sobre

    Mea culpa ou o que seja sobre fatos que aconteceram há décadas não prestam pra nada, assim como não vai prestar pra nada um futuro mea culpa pela participação ativa nesta tentativa de golpe branco articulada pela extrema-direita em 2015, pela espetacularização do macartismo da Lava Jato e do “Torquematizado”  julgamento do mensalão (petista, é claro). globo, aqui em casa, só quando não há alternativa pra eventos esportivos e se o GLOBOPE vier me pesquisar, digo que estou assistindo a Record.

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