Uma homenagem a Rosinha de Valença

   

Enviado por Mara L. Baraúna

Rosinha de Valença (Maria Rosa Canellas – Valença, 30 de Julho de 1941 – 10 de Junho de 2004) 

Retirado de O violão soberano de Rosinha de Valença, por Marcelo Pinheiro

Ainda criança começou a se interessar pelo violão, assistindo aos ensaios do conjunto regional de seu irmão, Roberto. Incentivada por esse irmão, começou a estudar violão sozinha, ouvindo músicas de  rádio e, aos 12 anos, com técnica impressionante, já tocava na rádio da cidade e animava festas e bailes da região.

Além do irmão Roberto, Maria Rosa era também sobrinha do violonista Fio da Mulata, músico dos mais requisitados na Época de Ouro do Rádio, que atuou ao lado de Araci de Almeida, Ademilde Fonseca e Lúcio Alves, entre outros. Fio também dirigiu programas de calouros na Rádio Clube. Em 1960, aos 19 anos, abandonou de vez os estudos, ao concluir que o caminho para a música era irreversível.

Três anos mais tarde, no início de 1963, driblando a enorme timidez, Rosinha mudou-se para o Rio de Janeiro, em busca de maior projeção para sua carreira. Na Cidade Maravilhosa, teve a sorte de cruzar o caminho do cronista Sergio Porto – o saudoso e genial Stanislaw Ponte Preta. E foi ele quem levou a moçoila para apresentá-la a Aloysio de Oliveira, o patrão da Elenco e a Baden Powell – que há pouco também havia arrebatado o público carioca, ao chegar da pacata Varre-Sai com um violão do tamanho do mundo.

Mergulhando no universo boêmio e masculino do Beco das Garrafas, Rosinha deu início a uma temporada, de oito meses, no mítico Bottles, de enorme sucesso e consolidação de seu nome no circuito instrumental. Teve também carta branca de Aloyiso para produzir, pela Elenco, seu álbum de estreia. Lançado em 1964, Apresentando Rosinha de Valença é um dos clássicos do selo. A bela capa foi produzida com a excelência da dupla Cesar Villela (arte gráfica) e Francisco Pereira (foto). Em meio a uma belíssima arte não creditada, mas, ao que tudo indica, do ilustrador Fortuna a contracapa traz texto de Sergio Porto, no qual o cronista esclarece o porquê do nome artístico dado por ele à violonista: “Elogiar Rosinha eu não posso. Sou padrinho da moça. Quando ela chegou ao Rio, vinda de Valença, fui eu quem a levou, pela primeira vez, para se apresentar em público. O sucesso foi enorme. Escolhi nesse dia o seu nome de Rosinha de Valença porque achei que ela toca por uma cidade inteira”.

    

          Contracapa do LP “Apresentando Rosinha de Valença” (Elenco, 1964) 

Em 1965, um ano depois de ter seu talento descoberto no Rio, Rosinha de Valença já estava excursionando com o pianista niteroiense Sérgio Mendes pelos Estados Unidos, ao lado de Jorge Ben, Chico Batera, o baixista Tião Neto e a cantora Wanda Sá. 

Com o nome Brasil 65’, o grupo lançou dois álbuns com o violão de Rosinha reinando soberano, e a cantora Wanda Sá como intérprete: Brasil’65 Wanda de Sah featuring Sergio Mendes Trio e In Person at El Matador!: Sergio Mendes & Brasil’65 

A incursão americana de Rosinha ainda rendeu participação em outro belo álbum Bud Shank & His Brazilian Friends, disco do saxofonista e flautista americano, com participação do mestre João Donato, lançado pelo selo Pacific Jazz.

Logo iria também à Europa, destacada como novo ícone da bossa nova. 

De volta ao Brasil, em 1967, Rosinha integrou o grupo de Maria Bethânia no espetáculo Comigo me Desavim. No ano seguinte, a convite do Itamaraty, fez uma turnê por países da Europa e da África e teve a oportunidade de tocar com estrelas como Stan Getz, Sarah Vaughan e Henri Mancini. Nos anos 1970, Rosinha tornar-se-ia fiel escudeira do sambista Martinho da Vila. Em 1980, encerrando uma discografia de 11 grandes títulos, Rosinha fez par com outro gigante do violão brasileiro, o maestro Waltel Branco. O encontro histórico ficou registrado no LP da Som Livre Violões em Dois Estilos: Rosinha de Valença e Waltel Branco.

Em 1972, a violonista comentou, em entrevista ao JB, as dificuldades do começo, época em que tocava escondido da família. Não foi nada fácil para uma mulher do interior, de pouco mais de 20 anos, desbravar horizontes: “Eu era uma mulher que precisava de sorte, porque era a única contra um número enorme de violonistas, um bando de homens que não estava a fim de me ceder um lugar. Precisava quase arrancar as cordas do violão para que as pessoas compreendessem que eu sabia tocar. Quantas vezes fazia acordes fortíssimos para acordar as pessoas, para que calassem um pouco a boca e prestassem atenção: quando um artista toca ele tem que ser ouvido. Não importa que esteja de saia ou de cuecas”.

Durante a carreira Rosinha colecionou histórias acompanhando os principais nomes da Música Popular Brasileira. “Virou lenda a mania dela por histórias em quadrinhos. O mundo podia desabar que ela não largava as revistinhas da Luluzinha”, lembra o violonista Turíbio Santos, que hospedou a colega em Paris, em 1967. Foi em Paris, aliás, que Rosinha morou de 1988 até ficar doente. 

Tocando numa festa na casa de uma amiga, Rosinha arrancou aplausos de uma negra americana, que não parava de gritar “wonderful” enquanto ela dava sua canja. No fim, ficou sabendo que a mulher era Sarah Vaughan, uma das divas do jazz americano. 

Com Roberto Menescal, a surpresa foi a mesma. Violonista consagrado, Menescal havia sido convidado para assistir Rosinha tocar na casa de um amigo. Era o início da década de 60 e nenhuma mulher tinha despontado no País, até então, como uma virtuose do violão. “Quando vi aquela moça tímida, com um vestidinho de interior, achei que tinha entrado numa roubada”, lembra Menescal, que logo mudou de opinião. “Ela mandou um violão no melhor estilo Baden Powell.” A comparação com o autor de “Berimbau” também foi lembrada por Turíbio Santos. “Ela era o Baden Powel de saias.

Mas, dessas grandes injustiças da vida, a trajetória triunfal da maior violonista do país teve fim, de forma lenta e trágica. No dia 13 de abril de 1992, a violonista estava de férias, em seu apartamento em Copacabana, no Rio. Hipertensa, teve problemas respiratórios que evoluíram para uma parada cardíaca e provocaram a lesão cerebral que a colocou em estado vegetativo por 12 anos. 

Morreu em 10 de junho de 2004 e foi enterrada sem a presença de nenhum artista famoso, aos 62 anos. Rosinha, a mulher que deixou por onde andou sua emoção e talento, finalmente descansou. Libertou-se, assim, da imobilidade de movimentos, sobretudo das mãos, que a ajudaram a construir sua trajetória de vida e a escrever- no feminino-, a história da música brasileira.

Em 1994, liderados por Maria Bethânia, com o objetivo de arrecadar fundos para as despesas do tratamento de Rosinha, uma série de artistas prestaram homenagens à ela, no Canecão.

Dicionário Cravo Albin

Wikipédia

O violão que emudeceu, por Luis Nassif

Disco Rosinha de Valença ao Vivo – 1966 – Texto da contracapa, por Sergio Porto

Disco Namorando a Rosa, produzido por Bethânia, que reúne amigos da violonista como Martinho da Vila, Dona Ivone Lara, Alcione e Miúcha, a co-produtora.

Redação

7 Comentários

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  1. Eu pude ouví-la pessoalmente

    Eu pude ouví-la pessoalmente no show Comigo me Desavim da Bethânia, no Rio de Janeiro. Eu era mt novinha, mas como adoro violão (meu pai e irmãos tocavam), fiquei encantada com o som tirado por aquela moça. Não me lembro se ela tocou com Bethânia em outros shows. Talvez tivesse iniciado seus shows pela Europa e Estados Unidos. Mas gostei mt da lembrança dela por vocês. Vou arquivar os vídeos p/ ouvir outras vezes. Né Luciano amigo?

  2. Rosinha merece!!!

    Rosinha merece todas as homenagens!! Excelente compositora e cantora. Tão talentosa e teve um fim de vida tão triste. 

    Abraços, Maria Luisa e Luciano

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