O que a imprensa fez com a alta do dólar

Patricia Faermann
Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.
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Jornal GGN – “Dólar fecha a R$ 4,05, a maior cotação na história do Plano Real”, publicou o Estadão, no dia 22 de setembro. “Dólar sobe e rompe barreira dos R$ 4, a maior cotação da história“, também divulgou a Folha. Foram instantes até a notícia chegar às agências republicadoras: “Dólar passa dos R$ 4 e alcança maior cotação da história“, propagou a Reuters. Não deixando de fechar o norte das pautas do dia, também o Jornal Nacional: “Dólar chega à cotação mais alta da história do real nesta terça (22)”.
 
“Dólar se mantém acima de R$ 4 e volta a fechar no maior valor da história“, não foi notícia repetida do G1, mas do dia seguinte (23) – o que se estendeu por novos jornais e repercussões ao longo da semana. Naquela quarta-feira, a coluna do Luis Nassif “A miopia na análise dos recordes do dólar“, publicada aqui, denunciou a maquiagem das notícias sobre a alta.
 
Aos fatos:
 
Na semana passada, a cotação do dólar superou a marca simbólica de R$ 4, fechando o dia na terça (22) com R$ 4,05. Foi o maior valor nominal desde a implementação do Plano Real de 1994. As análises e repercussões não se lembraram, contudo, de corrigir os valores pelo IPCA no real e pela inflação no dólar. Ao invés de fazer a conversão ao peso efetivo desse valor aos leitores, os veículos trataram de escandalizar a notícia do “maior valor”, de imediato.
 
O Estado de S. Paulo publicou, no dia 23, um “Para Entender – Até quando o dólar continuará a subir a montanha?“, desdobrando-se em “quem ganha”, “quem perde” e os “fatores que explicam” a alta do dólar. Deixando de lado os contextos necessários, a reportagem imprimiu um infográfico “Dólar subiu mais de R$ 0,50 em um mês”, e trouxe especialistas para dizer que o aumento é resultado da “deterioração gradual dos indicadores da economia brasileira”, que o mercado exportador ganha com a alta, mas de forma “temporária”, e que quem perde são “os mais pobres”.
 
 
Foi o suficiente para publicações nos dias seguintes como “Momento ruim do Brasil ganha apelido: é a crise da caipirinha – Analistas estrangeiros tentar encontrar apelido para a crise brasileira que levou o dólar a R$ 4 e a mantém a economia em recessão”, “Alta do dólar vira piada nas redes sociais – Se sentindo mais pobre, os internautas reclamam da situação financeira”, e até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) aproveitando-se da situação para afirmar que o PT estaria “mordendo a língua, de tanto que disse que recebeu um governo quebrado em 2002″.
 
 
Na quarta (24), o GGN foi o único a alertar para as métricas reais. 
 
Nos grandes jornais, a novela do dólar que começou na terça (23) só foi ser efetivamente contextualizada na sexta (25), quando o Estadão recuou e publicou: “Corrigido pela inflação, dólar está longe do pico de 2002“. Agora, com a cautela devida, o repórter introduziu o texto: “À primeira vista, a cotação do dólar bateu nesta semana o recorde desde a criação do real, em 1994”. E completou: “Mas quando se atualiza os valores, levando em conta a correção pela inflação, o dólar está longe de superar o patamar de 2002”.
 
Ainda que com a correção, os reflexos de manchetes como essa ganham propagações sem volta.
 
Brasileiros já trocam Disney por Beto Carrero – Com dólar alto, parque catarinense espera superar a marca de 2 milhões de visitantes”, é manchete no mesmo jornal no dia seguinte. Com dólar a R$ 4, sonho da casa própria nos EUA fica mais longe“, consegue disparar O Globo, no sábado. A Folha usou o alarde para estampar o editorial de domingo “O recado do dólar” na edição que também manchetou: “Subida do dólar acelera empobrecimento do Brasil“.
 
Dólar salta mais de 3%, maior avanço em 4 anos, e volta a R$4,10, com mercado testando o BC“, retomou ao erro a Reuters, na noite desta segunda (28). 
 

 

Patricia Faermann

Jornalista, pós-graduada em Estudos Internacionais pela Universidade do Chile, repórter de Política, Justiça e América Latina do GGN há 10 anos.

5 Comentários

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  1. 1º de Janeiro de 2019

    Primeira medida do Presidente Eleito Luis Inácio Lula da Silva:  mandar o projeto de regulação da mídia para o Congresso Nacional.  A Globo já chegou a bater em 90 pontos de audiência nos anos 80. Hoje circunda os 20 pontos. Não existia Internet, Netflix, TV a cabo, TV Digital, que vem aí com canais da EBC abertos. A imprensa escrita está agonizando. A grande onda de reação histérica reacionária, tsunâmica agora, refluirá. Muita coisa ainda estará de pé, e reconstruiremos o que for momentaneamente levado pela onda. Para que os extremos sejam isolados, PT e PSDB devem avançar sobre o centro do PMDB. É o custo da estabilidade e preservação dos programas sociais. E o enfraquecimento da chantagem como programa partidário.

  2. Absoluto e relativo

    Qual imprensa de país democrático daria uma manchete falando do aumento histórico do dólar pelo seu valor relativo? Mas, no Brasil a Carta Capial, por exemplo, a manchete seria ” aumento do dólar foi menor que a inflação desde o plano real”, Assim, viveríamos felizes para sempre.

  3. Um vai trocar a Disney por

    Um vai trocar a Disney por Beto Carrero.

    O outro vai comprar casa no Brasil em vez de nos Estados Unidos.

    Mas, desculpe-me por minha burrice: isso é notícia ruim?

  4. A que lições da História o

    A que lições da História o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso alude? Como ex-acadêmico poderia nos dar essa aula. 

    Na realidade. mesmo que a cotação fosse em termos relativos, só este indicador seria insuficiente para o IAGO americanófilo se jactar e arrotar  “lições da história” e usar como argumento para rebater o que ele deixou para o governo que lhe sucedeu, ou seja, o caos e a desesperança.

    Os arroubos desse senhor só ecoam porque tem a seu serviço uma parte da imprensa engajada na oposição política-ideológica. Movem-no desde que se iniciou o processo de restauração da confiança dos brasileiros e brasileiras no governo – 2003 – os baixos instintos de inveja e vingança. Esta a se concretizar quando de ocasionais  percalços nos governos petistas. Nesse sentido, ele torce contra seu próprio país. 

    Não ser precisa ser nenhum Nobel em Economia para apreender que essa valorização do dólar tem mais a ver com fatores conjunturais aliado com a costumeira especulação que efetivamente com os fundamentos da nossa economia.  Sem esquecer que a moeda americana sofre um processo de valorização no mundo todo com tendência para se aumentar dada a recuperação da economia desse país e o quase certo aumento na taxa de juros. 

    Mas isso o “urubu” FHC faz questão de olvidar, empenhado que está em pelo menos suavizar e relativizar sua péssima imagem de governante e estadista. 
     

  5. competitividade aflorando

     email que recebi nos termos “mais barato do que nos EUA” ,O QUE DEMONSTRA UM AVANÇO NA NOSSA COMPETITIVIDADE. Espero que o governo não deixe o cambio apreciar novamente. Por outro lado, as proprias empresas começam a mostrar o lado bom da desvalorização do Real, lado esse sonegado pela midia, Quanto ao email, cedo encontrei um amigo em caminhada que me falou “dos preços da loja X”. Com certeza isso produzira um bom impacto na economia, passadas as turbulencias iniciais com a substituição de importações

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