Mineiros chilenos: entre a tragédia e o espetáculo

Ciúmes e intrigas dividem famílias – internacional – Estadao.com.br

Parentes de mineiros têm convivência difícil no Acampamento Esperança e uns acusam outros de estarem em busca de fama e dinheiro

AP – O Estado de S.Paulo

COPIAPÓ, CHILE
Rodrigo Arangua/AFP
Rodrigo Arangua/AFP
Angústia. Parentes dos 33 mineiros presos acompanham pela TV os últimos preparativos para a fase final da operação de resgate na mina San José

O Acampamento Esperanza, onde parentes dos 33 mineiros soterrados aguardam o resgate, tornou-se um microcosmo de intrigas, inveja, ambição e rivalidades. Após dois meses de espera, dividindo angústias sob o olhar atento de dezenas de jornalistas, a convivência entre as famílias é difícil e as divisões são cada vez mais evidentes.

A poucas horas do momento em que os mineiros começariam a sair do refúgio, o ambiente no acampamento não era totalmente de festa. Parecia mais um formigueiro de cinegrafistas e fotógrafos em busca de parentes. Alguns evitam a imprensa, dizendo em voz baixa que estão cansados de responder sempre as mesmas perguntas.

Alberto Iturra, chefe dos psicólogos que atendem aos 33 mineiros e seus parentes, recomendou as famílias que descansem para receber os trabalhadores em casa bem e em boa forma.

As famAs famílias “também têm de fazer sua aterrissagem, por isso as mandei dormir”, disse Iturra explicando que assim como os mineiros os parentes também devem passar por um processo de reajuste à “vida normal”.

Muitos parentes admitem que a tensão é maior no acampamento do que no refúgio onde os 33 estão presos desde 5 de agosto.

“Aqui em cima a tensão é maior que lá embaixo. Lá, eles estão tranquilos trabalhando”, disse Verónica Ticona, irmã de Ariel Ticona, de 29 anos, um dos mineiros presos que maneja máquinas de remoção de escombros.

Nesta semana, Roxana Ávalos revelou trechos de uma carta que recebeu de Jimmy Sánchez, de 19 anos, o mais jovem entre os mineiros presos. “Deus quis que eu caísse aqui, não sei, para que eu mude. E vou mudar”, disse o mineiro na carta. “Já sofri muito e não quero sofrer mais.”

Os parentes comentam algumas brigas entre as famílias por motivos que vão desde quem tem acesso às teleconferências até quem recebe cartas. Quem vai encontrar os mineiros quando saírem – no máximo dois familiares por pessoa – é outra questão que causa controvérsias. Para evitar problemas Iturra decidiu que o próprio mineiro deve decidir quem quer ver primeiro.

Na cerimônia de comemoração do bicentenário da independência do país, o governo divulgou algumas imagens de homens trabalhando na remoção dos escombros.

Em algumas delas, feitas por câmeras de parentes, é possível ver os mineiros de bermudas e sem camisa, descansando em camas dobráveis em um ambiente sombrio. Nas paredes, recortes de jornais com mulheres de biquíni, além de bandeiras do chile e cartas enviadas por pessoas da família.

Alguns no Acampamento Esperança reclamam que muitos parentes apareceram do nada para somarem-se ao oba-oba da fama e dar entrevistas, apesar de mal conhecerem os mineiros. Ou que buscam receber presentes, que vão de fantasias para as crianças a roupas íntimas sexy.

E há o assunto do dinheiro.

O empresário da mineração Leonardo Farkas presenteou cada família com um cheque de US$ 10 mil. Logo depois elas processaram os donos da mina por negligência e violação das normas de segurança, pedindo ao menos US$ 10 milhões.

Os boatos sobre quem poderia receber o dinheiro causam mal-estar entre os próprios companheiros do sindicato da mina. Em uma reunião no começo do mês em Copiapó, capital da região do Atacama, onde está a jazida, alguns disseram que queriam estar lá pois assim poderiam pedir dinheiro também.

Na semana passada, 350 mineiros que estão na superfície cobraram a segunda quinzena de seu salário de setembro (cerca de US$ 830) e receberam um papel que assegura que eles saíram da empresa por razões de força maior e não por não-cumprimento do trabalho.

CRONOLOGIA

69 dias de drama no Chile

5 de agosto de 2010
700 metros sob a terra

O deslizamento na mina de São José, no norte do país e de propriedade da mineradora San Esteban Primera, deixa 33 mineiros presos a 700 metros de profundidade.

7 de agosto de 2010
Socorro é interrompido
Outro desmoronamento bloqueia o canal de ventilação. Os socorristas são obrigados a suspender os trabalhos de resgate e procuram novas alternativas.

22 de agosto 2010
Estamos bem

Após 17 dias soterrados, os mineiros conseguem enviar uma mensagem informando que estão vivos: “Estamos bem no refúgio os 33”. O bilhete foi encontrado em sonda que atingiu uma das galerias. Desde então, os trabalhadores passam a receber alimentos e remédios. A comunicação com a superfície é estabelecida.

30 de agosto de 2010
Plano A

Para alcançar os mineiros, a máquina Strata-950 é usada para iniciar a perfuração da rocha. Este é um dos três planos elaborados para resgatar os trabalhadores.

17 de setembro de 2010
Plano B

A perfuradora T-130, mais veloz, completa o túnel piloto, que seria ampliado para a passagem dos mineiros.

19 de setembro de 2010
Plano C

Uma terceira máquina, usada na indústria petrolífera, a Rig 421, é o Plano C para o resgate dos trabalhadores.

9 de outubro de 2010
Boa notícia

Os perfuradores conseguem atingir o ponto de resgate com a máquina Schramm T-130, o Plano B.

12 de outubro de 2010
Dia D
Equipes se preparam para retirar mineiros soterrados.

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Luis Nassif

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